17 outubro, 2025
sexta-feira, 17 outubro, 2025

Secretário do Agro atuou para enterrar apurações sobre obras suspeitas

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Documentos da Secretaria Estadual de Agricultura mostram que a atual cúpula da pasta, comandada pelo secretário Guilherme Piai (foto em destaque), atuou para encerrar uma apuração interna sobre suspeitas em contratos de R$ 50 milhões para reforma de estradas rurais do Programa Melhor Caminho, em São Paulo.

Com base nos mesmos indícios dos casos arquivados pela secretaria, o Ministério Público paulista (MPSP) abriu 147 inquéritos para investigar aditivos contratuais suspeitos para essas obras e já moveu 12 ações civis. Em algumas delas, a Justiça já acolheu o pedido da Promotoria e decretou o bloqueio de bens dos investigados — Piai não foi alvo dessas ações.

Os aditivos que aumentaram os valores dos contratos foram assinados em dezembro de 2022, no fim da gestão do ex-governador Rodrigo Garcia. Em junho de 2023, início do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), a equipe do então secretário de Agricultura, Antonio Junqueira, reuniu as suspeitas e acionou o MPSP, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE).

Em agosto daquele ano, o secretário-executivo Marcos Renato Böttcher, um dos responsáveis pela descoberta das supostas fraudes, foi demitido — entre os argumentos usados para elevar os preços estavam a pandemia de Covid-19 e a Guerra da Ucrânia. Pouco mais de um mês depois, foi a vez de Antonio Junqueira deixar o governo, dando lugar a Guilherme Piai, que era o número 2 da pasta na ocasião.

Documentos obtidos pelo Metrópoles mostram que, em 4 de outubro de 2023, mesmo dia em que Junqueira comunica sua saída a Tarcísio, Piai e o atual secretário-executivo, Alberto Amorim, iniciam o movimento que travou as investigações no âmbito da secretaria. O processo passou pela criação de dois mecanismos de controle interno: uma comissão e um grupo de trabalho.

A Comissão de Apuração Preliminar, de “natureza simplesmente investigativa”, foi criada naquele mesmo mês para averiguar as eventuais irregularidades nos reequilíbrios econômicos-financeiros dos contratos das estradas rurais. Paralelamente, o secretário solicitou o retorno para sua pasta da apuração interna sobre os aditivos que já estava na Procuradoria-Geral do Estado (veja documento abaixo).

Documento mostra que Piai solicitou retorno de apuração interna que já estava na PGE
Documento mostra que Piai solicitou retorno de apuração interna, que já estava na PGE

Em fevereiro de 2024, a comissão chegou à conclusão de que o colegiado não possuía “capacidade técnica para analisar e emitir parecer conclusivo sobre a exatidão dos cálculos utilizados para a concessão do reequilíbrio, e muito menos para informar se nos períodos abarcados pelo reequilíbrio havia de fato um desequilíbrio econômico-financeiro”.

A comissão prosseguiu afirmando que, diante de “parecer técnico de engenharia apresentado pelos envolvidos”, somente a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) poderia conduzir “um eventual procedimento administrativo, mediante oferecimento do contraditório e ampla defesa”.

“Minuciosa análise” e “meros erros materiais”

Porém, pouco mais de três meses depois, em junho de 2024, Piai criou o chamado Grupo Técnico de Trabalho, que faria uma “minuciosa análise” para “emitir parecer conclusivo sobre a regularidade dos cálculos e da documentação que ensejou a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro às empresas executoras das obras do Programa Cidadania no campo: Rotas Rurais – Melhor Caminho”.

O grupo acabou concluindo pela regularidade dos aditivos, argumentando que, “após minuciosa análise” dos documentos, o então coordenador de Logística Rural, Henrique Fraga, que assinou os aditivos em série, “tem razão em apontar que os contratos em questão foram diretamente impactados por catástrofes de reconhecimento mundial [pandemia e guerra], que prejudicaram diretamente nos insumos e a execução dos objetos avençados”.

O material chega a falar em “meros erros materiais” ligados às suspeitas de irregularidades nos contratos do Programa Melhor Caminho e cita auditoria feita por uma empresa de engenharia contratada pelos acusados, que atestou a regularidade do reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

“Por outro lado, relativo à documentação, a própria Comissão de Apuração entende que os possíveis erros constantes devem ser entendidos como meros erros materiais, e tecnicamente não devem macular os atos adotados”, apontou o documento. “Assim, superada toda a fase investigativa instaurada no presente procedimento, este Grupo de Trabalho aponta pelo arquivamento do mesmo”, concluiu.

Dois dias depois do relatório, Piai enviou um ofício ao procurador-geral de Justiça, Paulo Sergio de Oliveira e Costa, chefe do MPSP, afirmando que a apuração interna da pasta atestou que não houvera descumprimento de normas legais na medida, determinando o arquivamento da investigação do caso no âmbito da secretaria.


Investigação do MPSP

  • Em junho de 2023, o relatório da Secretaria de Agricultura sobre as suspeitas foi encaminhado ao Ministério Público, que abriu 147 inquéritos para investigar os aditivos, distribuídos para 10 promotores.
  • Até o momento, 12 deles já evoluíram para ações civis públicas, apresentadas pelo promotor Ricardo de Barros Leonel.
  • Três dessas ações são contra o então chefe de gabinete, Ricardo Lorenzini, e outras nove, contra Henrique Fraga, responsável pela assinatura dos aditivos e, consequentemente, dos pagamentos como coordenador de logística da secretaria.
  • As empresas responsáveis pelas obras também são alvo das ações, baseadas na Lei Anticorrupção.
  • No âmbito dessas ações, o MPSP já pediu o bloqueio de bens que somam cerca de R$ 5 milhões, junto às empresas e aos servidores. Contra Lorenzini, pesam três pedidos de bloqueios, que somam R$ 2,2 milhões. O valor se refere à soma dos pagamentos supostamente feitos de forma indevida por meio dos aditivos.
  • Em duas ações, a Justiça chegou a determinar o bloqueio, em decisões de agosto e setembro deste ano. A defesa do servidor, por meio da Procuradoria-Geral do Estado, alega que as decisões já foram derrubadas após recursos, mas não apresentou as decisões. Os dois processos correm em segredo de Justiça.
  • O promotor considerou que os aditivos foram concedidos sem demonstração adequada de desequilíbrio contratual. Entre os fatores apontados, está a concessão do aumento com base em justificativa de eventos externos que aconteceram antes da assinatura do contrato, como a pandemia de Covid-19 e a modificação da política de preços de combustíveis.
  • Além disso, o MPSP afirma que houve ausência de análise individualizada dos pedidos das empresas, com 150 contratos obtendo reajuste em bloco, no final de 2022.
  • Guilherme Piai não é alvo de investigação ou ação judicial.

Cronologia

Após ter sido exonerado em março de 2023 pelo então secretário da Agricultura, Antônio Junqueira, em meio a desconfianças, o então chefe de gabinete Ricardo Lorenzini foi recontratado pela secretaria como coordenador de administração em 3 de outubro daquele ano.

O retorno de Lorenzini foi feito sem a anuência de Junqueira, que acabou pedindo exoneração do cargo em 4 de outubro de 2023, em meio a ingerências na pasta.

Já Guilherme Piai foi promovido no mês anterior, em setembro, quando saiu da direção do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), onde se destacava no programa de regularização de terras, um dos carros-chefe da gestão Tarcísio na área.

Piai assumiu o posto de número 2 da secretaria, substituindo Marcos Boechtter, servidor egresso do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e um dos responsáveis pela descoberta do suposto esquema de fraude em contratos de obras em estradas rurais.

Ao assumir o posto, Piai passou a tomar decisões sem consultar Junqueira. Entre elas, a exoneração do então coordenador de logística, Emilio Nicanor, que substituíra Henrique Fraga na pasta.

Nicanor prestou depoimento ao Ministério Público no dia 6 de agosto deste ano. Segundo o ex-servidor, Junqueira não tinha o conhecimento de que o secretário-executivo estava dispensando uma parte do time. “Ele [Junqueira] já ventilava a própria saída. Com a saída do secretário, o Guilherme Piai assumiu como secretário”, disse aos promotores.

Como coordenador de logística na nova gestão, Nicanor havia sido responsável por um outro relatório em que apontava possíveis irregularidades nas primeiras ordens de serviço para pagamentos das obras do Melhor Caminho. No documento, datado de 29 de setembro de 2023, ele apontava que algumas empresas teriam utilizado fotos idênticas para comprovar o início das obras em cidades diferentes. Essa apuração não avançou.

Na reforma administrativa feita já neste ano pela gestão estadual, Alberto Amorim virou secretário-executivo da Secretaria de Agricultura. Já Lorenzini, após ter sido recontratado como coordenador de administração em outubro de 2023, também foi promovido e hoje ocupa o cargo de subsecretário de gestão corporativa, responsável por contratos e licitações.

O que diz o Governo de SP

Em nota, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento afirmou que encaminhou ao Ministério Público Estadual, em 2023, um relatório com as denúncias de irregularidades no programa Melhor Caminho, referentes à gestão anterior.

“Paralelamente, realizou apuração interna dos fatos, observando todos os critérios técnicos e preceitos legais. Os resultados foram encaminhados ao MP. A Secretaria acompanha as investigações conduzidas pela Promotoria e permanece à disposição das autoridades para prestar total colaboração”, disse a pasta.

O advogado Fernando José da Costa, que representa Henrique Fraga, afirmou, por meio de nota, que “as ações civis públicas ainda estão em curso e que a defesa não apresentou contestação em todas elas”. Ele ressaltou “a regularidade da concessão do reequilíbrio econômico-financeiro, prevista em lei e necessária diante da defasagem de preços causada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, destacando que não há qualquer imputação de dolo ao servidor público”.

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