Uma briga por um lote em assentamento irregular no Distrito Federal, com direito a ameaça e disparo de arma de fogo, desvendou uma trama que envolve um integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC) foragido por homicídio, uma advogada – que forjava provas – e um servidor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), acusado de vender informações públicas como sigilosas.
Nesta terça-feira (30/9), o faccionado Romário Gil de Sousa Nascimento (foto em destaque), 31 anos, irá ao Tribunal de Júri onde será julgado pela tentativa de homicídio, que revelou o elo entre o PCC e um servidor do TJDFT.
Em 16 de julho de 2023, vizinhos brigavam pela demarcação de um lote grilado no assentamento Dorothy, em Sobradinho, quando chamaram Romário para “resolver” a situação dos parentes que estavam na briga. Eles não terão o nome revelado por não estarem envolvidos com os crimes. Chegando ao local, Romário disparou contra um homem, que ficou ferido no pé esquerdo e na coxa direita.
Após os disparos, Romário fugiu e entrou em contato com a advogada Carla Aparecida Rufino Freitas, 53 anos, para articular sua defesa. Ele temia que levantassem os crimes pelos quais responde, provenientes de uma guerra contra o Comando Vermelho em Caldas Novas, em 2019. Por esse crime, Romário havia sido condenado a 35 anos de prisão e era considerado fugitivo da Justiça Goiana desde 2019.
De acordo com as investigações, a advogada, então, articulou com uma pessoa para que assumisse a autoria dos disparos. Maurício Ferreira Martins teria recebido R$ 3 mil para dizer que foi ele o criminoso. No entanto, o nome de Romário já tinha sido citado por testemunhas. Para saber se a Justiça procurava por ele, Carla entrou em contato com o ex-marido, que tem um conhecido no TJDFT, para levantar informações sobre mandados de prisão contra o faccionado, inclusive, em caso de sigilo.
O técnico judiciário Rigel dos Santos Brito foi acionado e recebeu, então, R$ 50 para fazer o levantamento de informações. Rigel é réu em uma ação penal por corrupção passiva por esse caso, ele chegou a ser preso em 2024 e responde em liberdade por meio de um habeas corpus.
Prisão
Com a compra de uma falsa autoria para o crime, Romário conseguiu escapar, mas o cerco começou a fechar contra ele. Dois meses após os disparos no assentamento de Sobradinho, a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco) cumpriu um mandado de prisão contra Romário pelos crimes que havia cometido em Goiás pelo PCC, em que exercia função de liderança na facção em Caldas Novas. Ele foi encontrado em uma barbearia em Planaltina.
Atualmente, Romário cumpre pena no Presídio Estadual de Formosa (GO). O celular do faccionado foi apreendido e, com uma determinação judicial, as mensagens trocadas no aparelho com outras pessoas começaram a ser investigadas. É a partir desse movimento que se descobriu a trama envolvendo a advogada e o servidor do TJDFT.
Em julho de 2024, a Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou a operação Temis, que prendeu o servidor e a advogada. Eles foram soltos por um habeas corpus cinco dias após a prisão. Os dois respondem ao processo em liberdade.
Na época da prisão, o Metrópoles noticiou o caso. Em depoimento à Polícia Civil, Rigel disse que é comum as pessoas peçam por informações, mas que sua senha só dá direito a informações que são públicas. Desta forma não teria repassado informação sigilosa.
Ele também alegou não lembrar de ter recebido R$ 50, mas que poderia ter ocorrido por conta de dívidas de jogos e não por ter compactuado com o vazamento de informações. A defesa também pediu a nulidade de provas, já que as conversas combinando o pagamento teriam sido feitas sem a autorização judicial.
A defesa do servidor alegou que a fala da advogada foi meramente para impressionar o cliente dela.
Em nota o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) informou que o servidor Rigel dos Santos Brito está cumprindo suspensão disciplinar de 90 dias, de 18 de agosto de 2025 a 15 de novembro de 2025.
“Segundo o princípio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LIV, que estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, o servidor Rigel dos Santos Brito exerceu as atribuições do cargo e recebeu os respectivos vencimentos até 18 de agosto deste ano, quando iniciou o cumprimento da sanção disciplinar.”
De acordo com a corte, o corredor da Justiça do DF determinou a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do servidor e concluído o procedimento, aplicou a penalidade de suspensão, no patamar máximo de 90 dias.
O Metrópoles questionou o TJDFT sobre as medidas administrativas quanto ao servidor, mas não teve resposta até a publicação deste texto.
A reportagem também tentou contato com a defesa de Carla Rufino, mas não teve resposta.