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Facção de Salvador usa fuzis da OTAN e das Forças Armadas dos EUA

“Somente veículos especiais militares são dotados de blindagem suficiente para antepor o calibre 5,56”, diz o juiz Walmir Viana Ribeiro Júnior, em sua decisão que manteve preso um traficante encontrado com três fuzis no bairro do Periperi, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. O espanto do magistrado reside no fato de que as armas são as mesmas usadas por países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte( Otan) e também das Forças Armadas dos Estados Unidos (EUA) e que isso retrata, principalmente, a desvantagem da força policial diante à facção Bonde do Maluco (BDM), a maior organização criminosa do estado. 

“Enfim, é do largo conhecimento na esfera da justiça criminal que os armamentos deste jaez são adquiridos pelas organizações criminosas, narcotraficantes, com o intuito de guarnecer as comunidades para manter seu domínio territorial, sobretudo, para serem empregadas contra os agentes de segurança pública”, diz o juiz Walmir Viana Ribeiro Júnior, da Vara de Audiência de Custódia da Comarca de Salvador, em decisão do dia 14 de maio, a qual o CORREIO teve acesso com exclusividade. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), do início deste ano até o último dia 16, 19 fuzis foram apreendidos pela polícia na Bahia. 

Segundo o juiz, foram apreendidos em Periperi três fuzis calibre 556, sendo um de marca CZCCH, Small Arms e dois de marca Colt’s com cinco carregadores, além de farta quantidade de munição calibre 556. “Possui um ‘alcance útil’(podendo a mira ser feita com precisão pelo operador) de 600 metros, embora o projétil possa atingir uma distância total de até 2km, contudo, de forma imprecisa. O poder transfixante também é deveras robusto, traspassando muros e paredes de tijolos e blindagens de automóveis até o nível 03, que inclui os carros fortes, empregados pelas empresas de transportes de valores”, detalhou Wladmir Viana sobre o poder de destruição do calibre 556. 

Segundo o magistrado, os fuzis foram encontrados na localidade conhecida como Baixa de Mirante, em Periperi. “É  identificada pelos serviços de Inteligência das Polícias Civil e Militar como sendo de domínio da ORCRIM Bonde do Maluco – BDM, quem mantem articulação direta com a facção paulista Primeiro Comando da Capital – PCC, esta a fornecedora de drogas ilícitas e armas de uso restrito contrabandeadas que costumeiramente são apreendidos naquela comunidade (sic)”, diz trecho do documento. 

O BDM desembolsou pelo menos R$ 240 mil pelos fuzis que foram apreendidos. “Some-se a tudo isso, o fato de que, após ser contrabandeado para o Brasil, através das divisas com a Bolívia ou com o Paraguai, cada fuzil Colti 5.56 é comercializada para as facções narcotraficantes que operam nesta Região Metropolitana de Salvador pelo valor aproximado de R$ 80 mil”, pontua o juiz.  

Apreensão

De acordo com o documento, uma equipe de policiais fazia uma ronda de rotina na Baixada de Mirante, quando se deparou com criminosos armados no dia 13 deste mês. Na hora, o grupo fugiu. Um dos integrantes entrou numa casa, onde foi preso com os fuzis e a munição.  Durante interrogatório na audiência de custódia, Nerivaldo de Jesus Macedo disse ao juiz que há cerca de dois meses recebia um valor semanal para guardar todo o material apreendido e que não sabe identificar o dono das armas.

O CORREIO apurou que o proprietário dos fuzis e munições é o traficante conhecido como “Secão”, uma das lideranças do BDM em Periperi. “Ele é antigo na área. As armas seriam usadas contra os caras de Rio Sena, que são do Comando Vermelho(CV)”, disse um morador. Segundo ele, diariamente, a partir de 18h, a tensão é grande na região, por causa dos confrontos entre os grupos. “Durante o dia, o bairro é tranquilo, mas à noite todo mundo fica refém, ninguém saí de casa ou fica na rua ‘boiando’ para não levar tiro de graça. Escureceu, ninguém fica na rua porque sabe que vem o ‘bonde’ (grupo de homens armados). São de oito para cima, tudo com arma pesada”, contou a fonte. 

Ainda em sua decisão, pela prisão preventiva de Nerivaldo, o juiz disse que o traficante não fazia parte da liderança da facção, tendo em vista, a função que exercia na escalação da organização criminosa, de armazenar os fuzis, estimados em R$ 240 mil. “Que multiplicado por três deixam claro que extrapolam as possibilidades financeiras do flagranteado, cujo a posse do armamento, por óbvio, decorre de sua condição de integrante ‘narcoguerrilheiro’ (sic)”, declarou o magistrado. 

No dia seguinte a apreensão dos três fuzis na Baixa de Mirante, a Polícia Militar prendeu um homem com um fuzil calibre 7,62 na Rua 13 de Maio. Além da arma, ele estava com carregadores, munições e porções de maconha.

Fuzil calibre 7,62 encontrado na Rua 13 de maio, no bairro de Periperi (Foto: Ascom SSP/ Alberto Maraux)

Repercussão

O fato de que as armas da facção BDM são as mesmas usadas por país integrantes da OTAN e das Forças Armadas dos Estados Unidos  repercutiu no meio policial e entidade ligadas à categoria comentaram a situação.  A OTAN é uma aliança militar intergovernamental que existe desde 1949 e constitui um sistema de defesa coletiva, através do qual os seus 31 estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização. O Brasil não faz parte da aliança. 

“Qualquer bairro de Salvador hoje, aliás, a maioria deles tem fuzil. O criminoso está muito mais bem armado do que os policiais militares. Isso não tem nem comparação. Inclusive até a qualidade da arma que o criminoso tem é desse mesmo porte (fazendo referência às apreensões em Periperi). Há meses, foi encontrado na Valéria AK 47, melhor fuzil do mundo”, declarou o coordenador da Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra), o soldado Marco Prisco.   

O presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais da Bahia (Força Invicta) pontuou que a Bahia vive hoje “uma situação delicada”. “São quatro anos consecutivos liderando o ranking da violência e toda essa situação realmente passa primeiro pelo profissional, pelo policial militar”, disse o capitão Igor Rocha. Segundo ele, as organizações criminosas encontraram aqui um solo fértil. “É uma responsabilidade das políticas públicas do nosso estado, que tornam a Bahia um local propício e atrativo para esses marginais”, pontou. “Então entendemos que pensar em política pública de segurança é envolver todos os segmentos sociais, para fazer uma discussão ampla, pois só polícia não vai resolver esse problema”, declarou. 

O Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc) também se posicionou. “São armas de guerra, inaceitáveis nos centros urbanos. As políciais não devem usar esse tipo de armas de grosso calibre, produzindo ainda mais guerra. O Estado tem que comprar armamentos adequados, porém o que tem que ser fortalecido não é o confronto, porque esta estratégia já gerou muitas mortes de policiais, bandidos e civis. É preciso a Polícia Civil fortalecer as ações de inteligência, para identificar as rotas de entrada de armas e drogas e reverter esse quadro de violência na Bahia”, argumentou o presidente do  Sindpoc, Estácio Lopes.

Especialista

“Estamos vivendo uma guerra surda, sem ter condições de fazer frente ao inimigo. Daqui a pouco aparecerá aqui uma metralhadora antiaérea”, disse o especialista em segurança pública, o coronel Antônio Jorge Melo, coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio Fib da Bahia. 

Além da força policial, Melo aponta outras vítimas dessa guerra. “Nessa briga do mar com o rochedo, quem vai levar a pior? A população. Um projétil desses tem alto poder de penetração, transfixará três, quatro paredes e, se tiveram pessoas atrás, vão junto. Nesse cenário, percebemos que o crime organizado está se armando. Não se pode, simplesmente, armar mais as forças de segurança. E a população civil fica como nessa história? Aí vem a ‘bala achada’, uma consequência lógica de muitas mortes”, declarou Melo. 

Posicionamentos

Com base nos argumentos do juiz e as declarações das fontes acima, o CORREIO buscou os posicionamentos das polícias Civil ,Militar e da Secretaria de Segurança Pública. Através de nota, a PC respondeu que “tem realizado ações que buscam desarticular a atuação de grupos criminosos em todo estado”. “As investigações e outros procedimentos de polícia judiciária contribuem para o mapeamento desses grupos e a deflagração de operações que resultam em apreensões e prisões”, diz a nota. 

A PM disse que atua preventivamente no patrulhamento em vias públicas ou através de acionamento, que entre os dias 10 de abril e 16 deste ano, foram apreendidas “11 armas longas” pelas unidades oriundas do Comando de Policiamento Regional da Capital (CPRC) BTS. “As apreensões são resultados de operações realizadas pela PM na região, através da intensificação do policiamento e diligências para o atendimento de denúncias, retirando de circulação armas de grande potencial ofensivo, salvaguardando de maneira eficaz a sociedade e aumentando a segurança nos bairros”, diz nota. 

Já a SSP  informou que, além de planejamento estratégico para a retirada deste tipo de material das mãos dos bandidos, as ações também visam a descapitalização dos grupos criminosos. A secretaria disse que 1.300 armas de diversos calibres foram apreendidas nas ações policiais. Por fim, a SSP encerra a nota anunciando que  450 fuzis estão em processo de aquisição para “garantir a proteção das equipes policiais e da sociedade”. 

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