A globalização em seu formato atual é uma confirmação do provérbio “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”. A frase do romano Flavius Vegetius, século IV D.C., encontra aplicação no braço forte militar e no soft power diplomático. Faz mais sentido ainda quando se trata da integração econômica global vigente (e suas vertentes cultural e política).
Acontece que a amplitude e a profundidade do cenário que hoje conhecemos como globalização foram pavimentadas pelo esforço militar norte americano, para se contrapor à expansão da União Soviética após a Segunda Guerra Mundial, no período chamado de Guerra Fria.
É o que afirma o estrategista geopolítico Peter Zeihan em “O Fim do Mundo É Só o Começo – Mapeando o Colapso da Globalização” (2024).
Ou seja, ao se prepararem militarmente para projetar poder em alcance global, os EUA construíram alianças nos cinco continentes, inclusive com seus ex-inimigos Alemanha e Japão. Para isso, usaram a onipresença dissuasória de sua marinha, alinhavando uma razoável paz mundial e a segurança do comércio em escala planetária.
O transporte oceânico de manufaturas e matérias primas existe há 500 anos, desde que os ibéricos inauguraram a navegação em águas profundas. Segundo Zeihan, que é consultor da CIA e das Forças Armadas dos Estados Unidos, a globalização prosperou plena enquanto o interesse norte americano na ‘pacificação’ dos mercados esteve elevado. Por tabela, metade da população mundial que se encontrava fora do jogo econômico também passou, bem ou mal, a ter acesso a empregos, bens, serviços e… paz.
Porém, ao final da Guerra Fria, com uma trégua nas tensões e a consolidação da supremacia norte americana, nota-se uma tendência de redução daquela presença direta das forças ianques em todos os cenários regionais.
Ao mesmo tempo, a capacidade industrial americana, somada às recentes descobertas de petróleo e gás de xisto na América do Norte, trouxe uma tranquilidade ao Tio Sam com relação ao que se pode chamar de Espaço Vital da nação. Inclua-se aí a disponibilidade de terras habitáveis e agricultáveis, abundância de hidrovias fluviais, acesso a dois oceanos e a juventude da população estadunidense.
O resultado dessa autossuficiência (segundo Zeihan, uma exclusividade geográfica norte americana) seria uma queda na motivação de continuar bancando os custos do seu “Destino Manifesto”. Os EUA estão deixando (em algumas regiões do globo) esse papel de “polícia do mundo” para subpotências navais, como o Japão, a França, a Inglaterra, a Austrália ou a Índia.
Quem sabe, isso explique uma aparente leniência dos americanos com as crises na Ucrânia, no Oriente Médio, em Taiwan, Coreia e Venezuela, parecendo apostar na capacidade dos atores regionais de limitarem os estragos, desde que o desequilíbrio local não contamine a geopolítica global e não encareça os fluxos de mercadorias. O raciocínio vale, principalmente, para os mercados de petróleo, alimentos, minerais, fertilizantes e novas fontes de energia.
Isso nos traz questões gerais, do tipo: Até onde será consentido a Israel atacar vizinhos como o Irã (entenda-se, instalações de petróleo e energia nuclear)? Qual será o futuro da velha Europa empurrada pela OTAN contra a Rússia? É possível haver globalização em um mundo conflagrado? A paz é viável em um mundo desglobalizado?
Para o Brasil, outras questões seriam: Para que servirão os BRICS? Quem será o Brasil na América do Sul? Qual é o futuro do País no mercado de alimentos, petróleo e minérios? Teremos autonomia alimentar, industrial e energética? Como prosperar nesse cenário, agravado pelas mudanças climáticas?
Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; chefiou a assessoria do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; ocupa a chefia de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.