Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação/Arquivo
O presidente Lula 03 de novembro de 2023 | 07:04
O Ministério das Comunicações lançou uma licitação para levar internet a praças públicas com uma velocidade que apenas a empresa de satélites Starlink, do empresário Elon Musk, oferece no Brasil. Os parâmetros exigidos para 5 mil pontos são superiores àqueles que haviam sido estipulados pelo Ministério da Educação para escolas e dos quais o ministro Camilo Santana decidiu recuar após o Estadão revelar que somente a Starlink conseguia atender os requisitos técnicos exigidos.
Procurado, o Ministério das Comunicações não comentou. Em audiência na Câmara, o diretor do Departamento de Investimento e Inovação da pasta, Pedro Lucas da Cruz Pereira Araújo, afirmou que a licitação estava em fase de consulta pública para “mapear o mercado disponível”.
Os preços ainda não estão fechados, mas o lote pode custar pelo menos R$ 180 milhões por ano aos cofres públicos, segundo estimativa feita pela reportagem com base nos custos do piloto do Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (Gape) realizado este ano com recursos privados do Leilão do 5G. O gasto mensal com cada ponto de acesso foi de cerca de R$ 3 mil.
A licitação é voltada à renovação do serviço de internet para escolas, hoje prestado pela Telebras, e está em fase de consulta pública. Além de abrir pontos de conexão em 23 mil unidades de ensino, o governo Lula destinou um lote exclusivamente para abastecer espaços públicos com internet de graça.
Para esse lote, o ministério incluiu parâmetros considerados excludentes por empresas nacionais e internacionais que atuam no mercado de satélites brasileiro. As queixas foram apresentadas publicamente no sistema da consulta pública aberta pela pasta do ministro Juscelino Filho. O Ministério das Comunicações recebeu 72 contribuições durante a consulta públicas. Pessoas físicas e empresas como Telefônica, Claro, Sencinet, SES, Viasat e Hispamar Satélites enviaram sugestões sobre diversos quesitos. A pasta recusou 37 do total.
O critério questionado prevê que as praças tenham no mínimo 60 megabits por segundo (mbps) para baixar dados (download) e de 10 mbps para transmitir as informações (upload). Para efeitos de comparação, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos pontua que os serviços de satélite oferecem, em geral, até 3 mbps de velocidade de upload e a partir de 12 mpbs para download, parâmetros considerados necessários para uma experiência boa para o usuário.
O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações por Satélite (Sindisat), Fabio Alencar, afirma que apenas a Starlink pode atender essa demanda de imediato. As demais deveriam mudar as tecnologias e elevar custos de operação de forma que alegam ser inviável.
No início de outubro, o diretor do Departamento de Investimento e Inovação do Ministério das Comunicações, Pedro Lucas da Cruz Pereira Araújo, foi questionado sobre um possível favorecimento a Musk nesta licitação, durante audiência pública na Câmara. O deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) questionou Araújo sobre os critérios do lote das praças.
O diretor do Ministério das Comunicações declarou que o processo licitatório estava em fase de consulta pública e o propósito era “avaliar a possibilidade de atendimento e mapear o mercado disponível, as potenciais ofertas disponíveis”.
Após a consulta, a pasta elaborou uma nova minuta para contratação dos serviços, mantendo os parâmetros que restringiam o mercado, apesar das críticas.
O documento ao qual o Estadão teve acesso foi reformulado em 6 de outubro e manteve a velocidade de 10 mbps para upload e de 60 mpbs para download, no lote que pretende levar internet para praças. Outros parâmetros que restringiam o mercado e foram alvo de reclamação das empresas foram admitidos pelo Ministério das Comunicações, como por exemplo a chamada taxa de contenção, que define com quantas pessoas o usuário pode dividir a internet.
O diretor executivo do Instituto de Tecnologia & Sociedade, Fabro Steibe, disse que “não faz sentido” o edital “isolar” um lote para uma empresa. O executivo afirma ser melhor alterar os parâmetros para que mais concorrentes participem da licitação do que deixar para apenas uma companhia.
“Faz muito mais sentido o edital favorecer a concorrência, que é o objetivo, do que favorecer uma empresa só sem ter um argumento técnico e suficiente”, registra o diretor. “Ao abrir a concorrência, a gente atinge melhor o objetivo digital que não é só o acesso internet. O edital existe para você achar o melhor custo-benefício.”
O ITS é um instituto de pesquisa independente, sem fins lucrativos e que atua como consultor especial da Organização das Nações Unidas (ONU). Professores e pesquisadores de instituições como Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da PUC-Rio integram a entidade.
MEC mudou parâmetro de velocidade para internet nas escolas
O Estadão mostrou que uma portaria do MEC, de agosto, definiu em 50 mbps a velocidade mínima de internet para escolas públicas, independentemente da quantidade de alunos de cada uma. Hoje, a Starlink é a única empresa que atua no mercado brasileiro a atingir esse patamar. Depois da reportagem, o ministro Camilo Santana suspendeu a portaria alegando as “ponderações ao texto técnico”.
Starlink chegou ao Brasil pelas mãos de Bolsonaro
A nova definição de velocidade de internet pela gestão petista marca a abertura do mercado governamental brasileiro para a Starlink.
Em maio do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu Musk em uma cerimônia no interior de São Paulo e posou para foto com o clássico aperto de mãos de chefes de Estado. Musk cobiça os bilhões de clientes em potencial de grandes países, como Rússia, China e Índia, que até o momento não autorizaram sua operação. Só o Brasil ofereceu “tapete vermelho” ao empresário.
Governos estaduais já contratam a tecnologia de Musk. O Estadão revelou que o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Amazonas investigam uma compra de R$ 59 milhões em kits de internet adquiridos pelo governo amazonense para 1.600 escolas pelo período de um ano. Pelas especificações da licitação apenas a Starlink poderia atender a demanda.
O Executivo afirma que a licitação está em fase de recurso e há “possibilidade” de desclassificação da empresa que venceu o pregão. O empresário Ronaldo Tiradentes, que revende a Starlink, diz desconhecer as investigações e que ofereceu o menor preço. A Space X, empresa que opera a rede de satélites Starlink, não se pronunciou.
Julia Affonso e Vinícius Valfré/Estadão Conteúdo