Passar por um exame de imagem e, por fim, receber um laudo médico fraudulento sobre o resultado. Essa pode ser a situação de dezenas de pacientes do Hospital Santo Amaro, de Salvador. Isso porque duas médicas denunciaram à Polícia Civil da Bahia (PC) um esquema de fraudes em laudos da instituição que eram atribuídos a elas sem que as profissionais tivessem qualquer contanto com os exames.
Os exames, que têm como exemplo tomografias e mamografias, eram realizados no Santo Amaro. Porém, a Qualy Medicina Diagnostica, terceirizada do hospital, era responsável por contratar médicos para analisar as imagens e produzir diagnósticos a partir delas. Uma das médicas denunciantes chegou a prestar serviço para empresa por 15 dias em 2022.
Porém, descobriu que, após isso, utilizaram sua assinatura em outros laudos. “Ainda em novembro, eu desisti por não ter tempo o suficiente. Falei que ia parar e não entrei mais na plataforma. No fim de maio, uma amiga que trabalha no Santo Amaro me ligou para saber mais sobre tele laudos porque viu uma tomografia laudada por mim. Ali eu percebi a fraude”, conta a médica, que prefere não se identificar.
A outra vítima nem teria chegado a prestar serviço para a Qualy, mas cadastrou os dados e a assinatura na plataforma de tele saúde. Foi o suficiente para que também tivesse suas informações utilizadas para outros laudos fraudulentos de exames feitos no Hospital Santo Amaro. As médicas contataram o hospital, mas não tiveram retornos. Uma pessoa de dentro do hospital chegou a dizer que se tratava de um ‘erro bobo’.
“Em contato para questionar, disseram que era um ‘erro bobo’. Porém, depois, as médicas descobriram dezenas de laudos fraudados com seus dados que estavam na plataforma do Hospital Santo Amaro. […] Tive acesso a 30 laudos que foram fraudados com o nome delas. Porém, não temos dimensão se isso pode ter ocorrido em muitos outros casos”, fala Guilherme Teixeira, advogado da Teixeira & Carvalho Advocacia, que representa as médicas. A possibilidade de que o número de fraudes seja muito superior a 30 laudos é evidente para uma das vítimas.
“No momento em que eu falei que não era meu, a minha amiga do hospital comunicou o pessoal de lá e estranharam a situação. Disseram que era grave porque todos os dias tinham exames laudados com meu nome lá. Então, a gente não tem ideia da proporção. Se são centenas, se estão em outros hospitais, talvez até em outros estados”, fala a médica.
A Fundação José Silveira, que administra o Hospital Santo Amaro, foi procurada pela reportagem e afirmou ter interrompido o trabalho em parceria com a Qualy. “Assim que procurado, o hospital solicitou que fossem encaminhadas todas as informações para apuração, tendo realizada a suspensão do contrato com a empresa de tele saúde, até esclarecimento dos fatos”, escreve através de nota.
O responsável pela Qualy Medicina Diagnostica também foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta matéria. No entanto, a empresa vai ser procurada pela polícia. “A 7° Delegacia Territorial/Rio Vermelho investiga o crime de estelionato denunciado por duas médicas, ocorridos por uma empresa de exames de imagens. […]. O proprietário da empresa será intimado para prestar esclarecimentos”, informa a PC.
Sem respostas
O Ministério Público do Estado da Bahia (MPE-BA) foi acionado pelas vítimas, acompanha o caso e aguarda a conclusão do inquérito policial. O Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb-BA) também foi acionado. Além de confirmar que acompanha o caso, sinalizou que uma terceira vítima procurou o conselho para denunciar a fraude.
A denúncia feita às autoridades competentes ocorreu depois de diversas tentativas de contato e resolução com o hospital e a empresa terceirizada, de acordo com uma das médicas. “Tentamos contatos de diversas formas, tanto eu como minha colega, e não conseguimos resolver. Ficamos desesperadas porque não temos a dimensão de quantos laudos foram fraudados e quantas pessoas estariam em risco por conta disso”, fala ela. Guilherme Teixeira diz que, por conta dessa preocupação, fez três reivindicações ao hospital.
“A primeira foi o cessar imediato do uso dos dados delas e os laudos que não produziram. A segunda seria a imediata revisão de todos os laudos dos hospital, já que outros poderiam estar fraudados. E a terceira, por fim, era uma nota pública que detectaram os laudos ilegítimos e que o hospital assumiria as responsabilidades decorrentes deles”, diz o advogado.
Ainda segundo Teixeira, nenhum desses pedidos teria sido atendido. Questionada sobre isso, a Fundação José Silveira afirma pelo menos ter revisado os laudos. “Recebida a notícia, o hospital tratou de solicitar a análise técnica dos laudos por outro profissional habilitado, tendo sido confirmados como corretos os seus resultados”, destaca a assessoria.
A defesa das médicas, porém, vai ajuizar uma ação indenizatória contra o hospital e pretende ainda acionar o Ministério Público Federal (MPF) para investigar a possibilidade de fraude em outros estados.