Para serviços de streamings como Netflix, que ainda procura encontrar maneiras de suporte a anúncios dentro de suas plataformas, a publicidade imersiva – aquela realizada dentro do conteúdo – vem sendo uma arma valiosa e bastante usada pelos players do mercado. Para “Stranger Things”, por exemplo, que é nada menos que um fenômeno cultural, as marcas que comercializaram a vitrine de exposição de seus produtos no decorrer do programa estão tendo uma exposição muito significativa, de acordo com o relatório do YouGov.
Para se ter uma noção, a expectativa para o retorno do show este ano foi enorme, especialmente após um hiato de três anos induzido pela pandemia, deixando marcas como Domino’s e Doritos ansiosas para entrar em ação. O primeiro volume da quarta temporada, lançado em 27 de maio de 2022, acumulou 781 milhões de horas de visualização nos primeiros 17 dias após seu lançamento. Para isso, o cenário fictício de Hawkins, um típico ambiente de pequena cidade dos anos 1980, encaixou-se perfeitamente coma estratégia das empresas.
Outro grande exemplo é o segundo episódio da 1ª primeira temporada da popular série do Disney +, Loki. Intitulado como “A variante”, o programa traz uma enxurrada de “merchans”, com ação e diálogo em ritmo acelerado ocorrendo na frente do papel higiênico Charmin, dos sabonetes Dove e do desodorante da Arm & Hammer. Em um ponto, Loki percorre um corredor com aspiradores de pó e luta contra um oponente usando o aparelho, enquanto outros modelos do iRobot são destaque na prateleira.
Em síntese, colocações de produtos como estas são uma forma de publicidade na qual uma empresa paga a um criador de conteúdo – ou empresa – para inseri-lo no decorrer de um filme, de programa de TV ou até mesmo de um videoclipe. Enquanto muitas dessas inserções são o resultado de relacionamentos pagos, algumas ocorrem por causa de decisões criativas, como um escritor querendo que um personagem use Gucci para transmitir a riqueza do personagem. Normalmente, os espectadores não recebem informações para distinguir entre veiculações de produtos pagas e não pagas.
Essa técnica que vem se remodelando na nova conjuntura publicitária de produtos, não é necessariamente nova. Os exemplos mais antigos de produtos que aparecem em filmes remontam à invenção do cinema, quando o sabonete de luz solar dos irmãos Lever apareceu nos filmes Lumière na Europa, em 1896. Na década de 1930, a Procter & Gamble patrocinou dramas diurnos para apresentar seu sabão em pó Oxydol, um método que ajudou a popularizar as rádios novelas americanas durante aquela década.
Entretanto, essa forma de marketing realmente começou a decolar após o lançamento do blockbuster de 1982, “ET: O Extraterrestre”, no qual Elliott deixa um rastro de Reese ‘s Pieces para convencer seu amigo alienígena a sair do esconderijo. Desde então, sucessos de bilheteria que vão de “Esqueceram de mim” a “Náufrago” incorporaram marcas de forma memorável em suas histórias.
Chegada dos streamings À medida que o streaming se tornou mais popular, os posicionamentos de produtos se transformaram em uma opção ainda mais atraente para os anunciantes. Eles que lutam constantemente para alcançar seus consumidores, perceberam que esse modelo de negócios é extremamente eficaz, visto que no momento em que expõe seus produtos em programas televisivos, a possibilidade de serem ignorados e silenciados é mínima, pois a narrativa está diretamente ligada ao objeto, se tornando parte dele.
Um estudo chamado “A eficácia dos posicionamentos da marca: uma síntese meta-analítica” mostrou que eles aumentam a conscientização dos espectadores sobre os produtos e suas atitudes positivas em relação a eles. Além disso, tornaram as pessoas mais propensas a falar sobre os produtos e pesquisá-los on-line. No entanto, nem todos os posicionamentos de produtos são igualmente eficazes. Aqueles que parecem influenciar mais os espectadores são geralmente os que atingem o equilíbrio cuidadoso entre ser perceptível e não muito evidente.
Uma pesquisa desenvolvida pelo professor de marketing David A. Schweidel mostrou que os espectadores tendem a se desligar se a colocação do produto for muito proeminente – como quando um personagem do programa o segura e fala sobre ele. Eles também são avessos à colocação de produtos cercados por outra publicidade – digamos, um anúncio da Nike que é reproduzido automaticamente antes de um vídeo do YouTube, seguido por uma colocação de produtos nos primeiros minutos desse mesmo vídeo.
Esses tipos de posicionamentos de destaque incomodam os espectadores por dois motivos principais. Primeiro, eles deixam óbvio que estão tentando vender alguma coisa, desencadeando algo chamado “conhecimento de persuasão” – o fenômeno de ficar na defensiva quando se sabe que alguém está tentando convencê-lo de algo. Em geral, os posicionamentos de produtos são menos propensos a acionar o conhecimento persuasivo do que os anúncios tradicionais, pois tendem a ser mais sutis. Contudo, isso não significa que as colocações de produtos sejam imunes.
O segundo aspecto é de certa forma relacionado ao primeiro ponto – as colocações de produtos proeminentes podem nos incomodar porque interferem em nossa experiência de visualização. A maioria dos espectadores não quer ser imersa em um drama intenso, para de repente serem lembrados de que estão sendo alvos de publicidade enrustida.
Então, como os profissionais de marketing encontram o equilíbrio certo entre ser perceptível sem estimular o conhecimento de persuasão? Inicialmente, é preciso notar que os espectadores são mais influenciados por exposições de produtos em que apenas o nome objeto a ser vendido ou da marca é falado por um dos personagens, mas não mostrado – o que é chamado de “colocação verbal do produto”.
Esses posicionamentos de produtos são mais propensos a serem percebidos pelos espectadores do que produtos que são simplesmente exibidos na tela. Fora isso, eles também são menos propensos a acionar o conhecimento de persuasão do que os canais nos quais o produto é mostrado e falado. Os posicionamentos verbais parecem encontrar um ponto ideal nesse aspecto.
Posteriormente, é preciso entender que quem está assistindo pode ser mais suscetível à colocação de produtos que aparecem mais cedo em um programa ou filme. Esse impulso está ligado ao fato de que os espectadores se tornam mais absortos no enredo e nos personagens de um programa ou filme à medida que ele avança. Se uma colocação aparece no clímax – o momento em que a atenção está fixada no que vai acontecer a seguir – é menos provável que se perceba a colocação ou mais provável que fiquem incomodados, caso notem é claro.
Esse recurso parece ser bastante promissor para as empresas, porém é preciso ter cuidado com quais tipos de conteúdo associar. Especialmente no Brasil, com a onda do True Crime, cujo tema aborda casos de crimes reais como o podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, que bateu recordes de audiência, onde a vinculação da marca ao que está sendo exibido pode ser relacionado e causar um movimento inverso ao de procura, causando uma certa rejeição do expectador.
Apesar de serem muito assistidos, programa policiais, criminais, documentários e até áudio séries como essa, costumam contar com um número relativamente menor de empresas patrocinadoras. No entanto, é de se observar que um interesse repentino nesse tipo de estratégia e junção não é obrigatoriamente negativa. Entretanto, para que não seja é preciso tomar uns cuidados e medidas.
Caso a proposta do produto venha a somar para o conteúdo final, trazendo algo de positivo (o que de certo modo é extremamente complicado) a estratégia é bem-vinda. Os anunciantes e profissionais de marketing, de qualquer modo precisam pensar fora da caixa nesses aspectos e sempre manter uma exposição amigável para com seu público.
Em suma, o case “Casa Assombrada” gerou repercussões mistas nas redes e fez com que se questionasse qual o papel da propaganda nesses novos formatos comunicacionais. No entanto, a questão não deveria estar no fator desempenhado pela publicidade e sim, em quais são os limites da interdependência desses dois elementos.
Será que para ter uma boa história é preciso os recursos dos anunciantes? E por outro lado, as empresas precisam realmente desses espaços? O fato é: não se pode vincular produtos junto ao público em programas, sem que se espere uma reação por parte dele.
Adriano da Silva Santos é jornalista e escritor, formado na Universidade Nove de Julho. Também é comentarista do podcast “Abaixa a Bola” e escreveu o livro “Por que sou infeliz?”
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