Descubra a pegada de carbono por trás desse espetáculo de consumo — e por que repensar cada clique em “comprar” pode ser a tendência que mais importa.
Basta rolar o feed para encontrar vídeos de fashion hauls: influenciadores desembalando pilhas de roupas recém-compradas, comentando preços “imperdíveis” e oferecendo links com desconto. A estética da abundância – caixas empilhadas, etiquetas ainda presas, trocas relâmpago – virou entretenimento e, para muitas marcas, um canal de marketing direto. Mas, enquanto os “likes” somam milhões, pouco se fala das toneladas de CO₂, plástico e tecidos descartados que acompanham cada clique em “comprar”. Quanto custa ambientalmente transformar tendências semanais em conteúdo-maratona?
O peso invisível dos “likes”
Pesquisas sobre logística reversa e emissões traçam um quadro nada glamouroso por trás dos hauls:
- Emissões do envio inicial – Cada pacote de roupas entregue a um criador de conteúdo libera, em média, de 0,5 kg a 1,4 kg de CO₂ ao longo de seu trajeto (fábrica, centros de distribuição e entrega final).
- Devoluções e trocas – Até 24 milhões de toneladas de CO₂ por ano são atribuídas apenas às devoluções do e-commerce de moda, que também elevam exponencialmente o consumo de combustível e de mão de obra na logística reversa.
- Montanha de embalagens – Estudos indicam que compras on-line exigem 4,8 vezes mais material de embalagem por peça do que a venda em loja física, com camadas extras de plástico bolha e caixas duplas para suportar as idas e voltas.
- Uso cada vez mais curto – Com a pressão por novidades constantes, o tempo médio global de uso de uma peça de roupa caiu para menos de sete utilizações antes do descarte ou da revenda por valor irrisório.
Quando um perfil no TikTok grava cinco hauls por mês – prática comum sob a hashtag #tryonhaul, que passa dos 24 bilhões de visualizações Vogue Business – a soma desses fatores transforma entretenimento em emissões equivalentes às de pequenos voos domésticos.
Entre a inspiração e o consumo compulsivo
Pesquisadores de comportamento digital apontam que os hauls não vendem apenas roupas; vendem a sensação de pertença instantânea – “se ela recebeu dez vestidos novos, preciso de pelo menos três amanhã”. O ciclo funciona assim:
- A estética da abundância — Pilhas de caixas criam a ideia de acesso ilimitado, legitimando compras impulsivas.
- Prova social em tempo real — Comentários e curtidas reforçam o senso de urgência (“corre que esgota!”).
- Descarte silencioso — Após o vídeo, começa a onda de devoluções: tamanhos equivocados, cores diferentes da tela ou simples culpa financeira.
É comum ver peças repetidas em vários perfis – blusas básicas, vestidos “tendência” e até uma calça feminina de edição limitada que volta para o remetente dias depois, gerando mais quilômetros rodados e novas embalagens descartadas.
O silêncio (in)sustentável dos influenciadores
Apesar dos números alarmantes, a maioria dos criadores ignora a pegada ecológica dos hauls. A palavra “sustentabilidade” aparece com mais frequência em legendas patrocinadas do que em confissões sobre devoluções e desperdícios. Relatórios recentes da Vogue Business mostram que a cultura de devoluções está pressionando varejistas a rever políticas e embutir custos extras nos preços para compensar impactos ambientais e financeiros.
Há exceções: micro-influenciadores vêm transformando hauls em desafios de upcycling, gravando “swap hauls” (trocas entre amigos) ou visitas a brechós, provando que engajamento não precisa significar pilhas de pacotes. Embora ainda minoritários, esses formatos sinalizam que criatividade pode substituir o consumo desenfreado.
Curtidas que pesam (e alternativas que inspiram)
Fashion hauls sintetizam a tensão entre moda acessível e planeta sustentável. Cada caixa entregue ou devolvida dispara uma cadeia logística de alto carbono; cada peça usada só para o “conteúdo” reforça o ciclo de desperdício. Como formadores de opinião, influenciadores têm a chance – e a responsabilidade – de mostrar novos caminhos: exibir a história de uso prolongado de uma peça, comparar impactos de materiais ou testar plataformas de aluguel e segunda mão.
Para a audiência, o desafio é converter deslizes do consumo rápido em escolhas informadas: perguntar “vou usar 30 vezes?”, pesquisar marcas transparentes, apoiar criadores que de fato debatem impacto real. Curtir menos caixas e mais consciência pode ser o próximo trend – um haul de responsabilidade que não pese no feed nem no planeta.