Rubi Martins, 34 anos, é ativista social em causas de pessoas transexuais no Distrito Federal há, pelo menos, sete anos. Entre as suas principais conquistas atuando na área está a criação do Ambulatório Trans, um centro clínico com médicos, psicólogos e assistentes sociais considerados referência em cuidar dessa população em Brasília. Mas, quando o assunto é HIV, o espaço ainda não atende o principal público-alvo.
“É comum vermos homens gays, brancos e de bairros mais ricos recorrendo a informações e atendimentos para saúde sexual no espaço. É difícil ver pessoas trans procurando os métodos de prevenção que ficam disponíveis no ambulatório. Como mulher trans, isso me preocupa”, destaca Rubi.
O relato de Rubi atesta dados publicados pela agência da Organização das Nações Unidas voltada à Aids, a UNAIDS, na última terça-feira (29/11). O relatório Desigualdades Perigosas aponta que transexuais, transgêneros, travestis e profissionais do sexo estão entre os grupos mais suscetíveis a adquirirem HIV, apesar de serem os menos priorizados pelas políticas públicas dos países ao redor do mundo, incluindo o Brasil. O estudo foi publicado às vésperas do Dia Mundial de Combate à Aids, comemorado em 1° de dezembro.
Diferenças no acesso à prevenção Segundo o relatório, mulheres trans entre 15 e 49 anos têm 14 vezes mais chances de adquirirem o vírus do que mulheres cisgênero; para profissionais do sexo, a possibilidade é 30 vezes maior. Junto com outras populações-chaves, como homens que fazem sexo com outros homens e pessoas que usam drogas injetáveis, os grupos contabilizaram 70% das infecções por HIV registradas no mundo em 2021.
Mesmo assim, no Brasil, o sistema de prevenção não parece acompanhar os dados. Desde 2017, o SUS disponibiliza o método de Profilaxia Pré-Exposição, o PrEP, recomendado para pessoas que tenham risco constante de entrar em contato com o HIV.
Contudo, o último relatório do Ministério da Saúde sobre os resultados da ação mostra que apenas 3% das pessoas que utilizaram o PrEP foram mulheres trans, entre 2017 e 2021. Os mais atendidos foram os homens que fazem sexo com outros homens, com 85% do acesso.
“O espaço certo existe, a política existe, mas a informação não fica disponível para quem deveria ficar. É necessário ir até os lugares com incidência de profissionais de sexo, falar sobre a existência do PrEP, que está disponível para toda a população”, afirmou Rubi. “Precisamos ver a informação indo até a periferia, que é onde boa parte dessas pessoas está.”
A militante faz acompanhamento regular com o método de profilaxia desde 2017, pelo Ambulatório Trans de Brasília. Em depoimento para o Metrópoles, Rubi relembra momento de criação do espaço de atendimento LGBT.
Preconceitos e desigualdades sociais são principais motivos
O relatório da UNAIDS reforça que o aumento do número de casos entre pessoas trans e a dificuldade de acesso à prevenção são reflexo direto de preconceitos e desigualdades que permeiam a sociedade. “Enquanto o Brasil observa uma queda de casos e mortes entre pessoas brancas, existe um aumento entre populações colocadas à margem. Uma mulher trans, negra e pobre, por exemplo, tem muito mais dificuldade de acessar as políticas do estado para combater o vírus”, reitera Cláudia Velasquez, diretora e representante da UNAIDS no Brasil.
“Sempre fui bem recebida no Ambulatório Trans, mas acredito que é de suma importância uma formação constante dos profissionais de saúde para saber recepcionar profissionais do sexo e pessoas transexuais. Não basta disponibilizar a informação. Os agentes de saúde precisam estar preparados para cuidar desse público e facilitar o acesso aos seus direitos, não reproduzir o que já está no mundo lá fora”, destaca Rubi.
Segundo relatório da organização internacional Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, concentrando 33% dos casos de assassinatos registrados em todo o globo.
Apesar dos dados alarmantes, Velasquez reforça que existem conquistas a serem celebradas pela população LGBTI+ no combate à Aids. Assista abaixo a fala da diretora.
Idade e escolaridade também influenciam
Ainda de acordo com os números do último estudo publicado pela UNAIDS, a população jovem é a que mais sofre com a falta de informação e de acompanhamento sobre o vírus. Dados do Ministério da Saúde mostram que esse grupo representou a maior alta de casos de HIV de 2010 a 2020 no país. São eles, também, que menos têm acesso ao PrEP, com apenas 12% dos usuários dentro da faixa etária.
Sobre a escolaridade, dados do Ministério da Saúde mostram que 70% das pessoas que utilizaram o método de prevenção entre 2018 e 2021 possuem 12 ou mais anos de estudo. Entre pessoas com menos de 7 anos de instrução, o valor cai para 4%.
“O que isso nos mostra é que devemos defender uma resposta integrada para combater o HIV no Brasil. Precisamos não só do setor da saúde, mas da assistência social, da educação sexual nas escolas, do direito ao transporte público e da disponibilidade de orçamento”, reforça Velasquez.
Em 2022, um total de 12 programas do Ministério da Saúde sofreu corte de R$ 3,3 bilhões, incluindo a frente responsável pela prevenção, diagnóstico e combate ao HIV. Entre eles, o programa que distribui medicamentos gratuitos para tratamento de Aids, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites virais, que perdeu R$ 407 milhões em verbas.
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