InícioEntretenimentoCelebridadeRessurreição: Páscoa, 'Índios' do Legião e as crianças de Blumenau

Ressurreição: Páscoa, ‘Índios’ do Legião e as crianças de Blumenau

Nesta semana celebramos um sábio antigo que, quando questionado sobre qual virtude deveríamos cultivar para chegarmos a nosso máximo, disse que deveríamos nos tornar como crianças. Nem mais espertos, nem mais entendidos: crianças. Ele, em sua indicada condição eterna, poderia até vencer a morte face a face, mas todos nós, criaturas em busca de algum sentido, só poderíamos nos tornar completos na fonte da vida. Ressurreição não é bem a nossa, mas voltar ao início agora e mais uma vez sim.

“Lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa”, diz Renato Russo em Há Tempos, e é mesmo isto: poder ir ao fundo do poço e ao menos descobrir que não é lodo. Há tempo ainda, pois a água é pura (“ainda que seja de noite”, complementaria Raul Seixas com Paulo Coelho, falando de fonte da vida). Eis também a nossa esperança geral, pois alguns eventos nos submergem aquém de qualquer nível de contato e de entendimento, como o atentado que ocorreu em Blumenau. É o tipo de instante em que parece que estamos rodeados de pedras, em um escuro fechado, e muito acima só existe um círculo de céu por onde se vê o tempo passar.

É preciso, contudo, que o atentado não cumpra seu objetivo final: o de fazer crer que nada valha a pena e que o futuro não nos oferecerá nada, independentemente de onde e por quem venha. Tampouco se pode permitir que se alastre em nós o sentimento de que qualquer ingenuidade seja um traço de defeito, a ponto de acreditarmos que não seja mais possível ser criança. Podemos sim ainda estar distraídos, deslumbrados, bobos diante de um fato novo, simples e sinceros ante a presença do outro, e mesmo assim pertenceremos a este mundo.

O mesmo Renato Russo escreveu a música “Índios” que trata da perda da inocência, em que um eu-lírico se vê devastado pela truculência de uma realidade adoecida, tal como povos indígenas que foram tomados e destruídos pelos brancos, porque não concebiam em seu mundo que pessoas pudessem ser tão cruéis como estes foram. Em declaração ao compositor Leoni, publicada no livro Letra, Música e Outras Conversas, Renato traz que sua intenção com “Índios” seria cantar como se fosse “uma criança falando”.

A ideia pode nos causar estranheza, pois, ainda que a voz do cantor da Legião Urbana se inicie de fato com a suavidade de um menino, tendo um teclado quase infantil ao fundo, não imaginamos que uma criança nos diga: Quem me dera ao menos uma vez/explicar o que ninguém consegue entender/que o que aconteceu ainda está por vir/E o futuro não é mais como era antigamente. Mas pensando bem, quem mais pode intuir sobre o futuro, a história que será a partir de nós, este “além” que podemos chamar quem sabe, de uma forma simbólica, como “Reino dos Céus”?

“Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam, pois o Reino dos Céus pertence aos que são semelhantes a elas”, disse Jesus, o sábio antigo, o homenageado destes dias, no Evangelho de Mateus. São elas cheias de futuro, e talvez seja também este o chamado: precisamos encher os pulmões, dos brônquios até o diafragma, com o tanto de futuro que pudermos nos preencher. Ter o desejo sempre vivo de acompanhar e estar seriamente presente ao que esteja por vir. Sim, deixemos vir e que nada impeça o que esteja para além da nossa vista no momento. Não, que absolutamente nada interrompa um movimento de vida que é criança, que é vontade plena surgindo, trazendo o novo.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda, diz o refrão de “Índios”, que parece ecoar um homem na cruz que mira os olhos para cima e dialoga com uma consolação. Está sozinho e medita sobre eventos tão brutais que nem o choro consegue traduzi-los. Não se trata de uma “banalidade do mal”, na concepção da pensadora Hannah Arendt, mas de “escândalos”, como a mesma autora anotou em sua filosofia moral, quando existem acontecimentos que a razão não pode conceber e que, no entanto, não podem ser mais apagados.

De toda forma, também não pode ser apagado o melhor de nós, e este mote também é o nosso poder propulsor de futuro. Não esqueceremos a ação criminosa seguida de displicência que vitimou crianças yanomamis, numa forte realidade daquilo que ecoa a partir canção de Renato Russo. Mas não deixaremos sumir a possibilidade de enxergar o mundo a partir de um olhar como o delas, que é uma brecha, uma oportunidade para entendermos as coisas de um jeito diferente. Ressoam as palavras de Bruno Bride, pai de uma das vítimas do atentado em Blumenau: “Eu agradeço por todos os momentos que eu vivi com meu filho. A partir de hoje, a memória dele vai ser honrada no meu coração”. Que seja puro o coração.

*Saulo Dourado é escritor de livros de ficção e professor de filosofia em colégios de Salvador.

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