O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) emitiu uma nota de repúdio nesta segunda-feira, 12, em relação ao desfile da escola de samba Vai-Vai, em São Paulo. Integrantes de uma das alas da escola utilizaram roupas militares com a inscrição “Choque” nos escudos, além de asas e chifres em tons vermelho, laranja e amarelo. No comunicado, a Sindpesp afirmou que “manifesta, veementemente, repúdio ao Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai, que, na noite de sábado (10/2), no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo-SP, durante seu desfile, tratou com escárnio a figura de agentes da lei. Com direito a chifres e outros itens que remetiam
à figura de um demônio, as alegorias utilizadas na ala ‘Sobrevivendo no Inferno’, demonizaram a Polícia – algo que causa extrema indignação”.
O enredo da maior campeã do carnaval paulistano escolhido para este ano foi “Capítulo 4, Versículo 3 – Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano”. Na apresentação, a escola declarou que a temática mostra “a rua como espaço em constante disputa pela arte na cidade de São Paulo”. A Sindpesp, no entanto, alega que “a escola de samba, em nome do que chama de ‘arte’ e de liberdade de expressão, afronta as forças de segurança pública, desrespeita e trata, de forma vil e covarde, profissionais abnegados que se dedicam, dia e noite, à proteção da sociedade e ao combate ao crime, muitas vezes, sob condições precárias e adversas, ao custo de suas próprias vidas e família”.
Em outro trecho, o Sindicato de Delegados diz lamentar “que o Carnaval seja utilizado para levar ao público mensagem carregada de total inversão de valores e que chega a humilhar os agentes da lei” e que o Sindpesp “não compactua com este tipo de manifestação e presta solidariedade aos profissionais da segurança pública de todo o País – estes, sim, verdadeiros heróis, que merecem homenagens, reconhecimento e mais respeito por parte da agremiação, para dizer o mínimo”. Em nota ao site da Jovem Pan, a escola de samba Vai-Vai afirmou que o desfile “tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs. (…) Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum ‘Sobrevivendo no Inferno’, dos Racionais MCs, em 1997. ‘Sobrevivendo no Inferno’ é o segundo álbum de estúdio do grupo, lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997. (…) Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento”.
Como mostrou o site da Jovem Pan, o deputado federal e pré-candidato à prefeitura de São Paulo, Kim Kataguiri, criticou a participação do também pré-candidato, Guilherme Boulos, no desfile da Vai-Vai. “Boulos não se conteve: participou do desfile e já declarou sua torcida. Surpresa zero, né?”, disse o parlamentar. “Outrossim, o Sindpesp aguarda que a Vai-Vai, num momento de lucidez e de reflexão, reconheça que exagerou e incorreu em erro na ala em questão, e se retrate, publicamente. Não estamos falando, afinal, apenas dos policiais, sejam civis ou militares, mas, sobretudo, de uma instituição de Estado que representa e está a serviço de toda a sociedade bandeirante”, finaliza a nota do sindicato.
Confira a nota da Vai-Vai na íntegra:
Em 2024, a escola de samba Vai-Vai levou para a avenida o enredo Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano.
Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs. Além disso, o desfile buscou homenagear e dar vez e voz aos muitos artistas excluídos que nunca tiveram seu talento e sua trajetória notadamente reconhecidos.
Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MCs, em 1997. “Sobrevivendo no Inferno” é o segundo álbum de estúdio do grupo, lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997. É considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, o álbum foi incluído pela Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas) na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp a partir de 2020. Meses depois, a obra virou livro, publicado pela Companhia das Letras, tamanha sua relevância.
Segundo a Revista Rolling Stone Brasil, que ranqueou o álbum na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira, “Sobrevivendo no Inferno colocou o rap no topo das paradas, vendendo mais de meio milhão de cópias. Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — são aqui expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru”.
Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento. Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica. Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundo, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. Ou seja, o que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile.