InícioEditorialUm mapa, o dique, nossa cidade

Um mapa, o dique, nossa cidade

Sempre imaginei a Salvador idealizada por D. João III e executada por Thomé de Souza uma cidade-fortaleza frágil, vítima dos deslizamentos de terra responsáveis por levar encosta abaixo, deitando no mar, os muros de taipa recém-construídos, de acordo com os relatos do engenheiro Luis Dias, o pioneiro. Portanto, à mercê dos possíveis invasores e sem o aparato bélico necessário para a defesa.

Já a urbe conquistada pelos homens da Companhia das Índias Ocidentais, 75 anos depois, parecia-me mais bem estruturada, com homens preparados para guerras e focados em manter a posse daquela, como repetia o professor Cid Teixeira, grande reentrância do Atlântico Sul. Pelo visto, uma verdade e um erro.

Leia também: Afinal, os holandeses fizeram o Dique? A história acaba de ser revelada

As sensacionais descobertas reveladas há 15 dias por O Globo, por meio do historiador e professor baiano Pablo Magalhães, demonstram de forma clara e cristalina a existência de um dique de grande dimensão formado a partir do represamento do Rio das Tripas, desde o Mosteiro de São Bento. A mancha azul no mapa indica a área ocupada pela água em quase todo o trecho da atual Baixa dos Sapateiros, até a altura do Taboão, com saída para a praia.

Tudo obra de outro engenheiro, Joos Cocke, homem de Flandres e craque em projetos de barragens fluviais, focado em evitar ataques pelos fundos da cidade. À frente, como se sabe, o mar da baía e a escarpa íngreme dificultavam a vida dos piratas. E, pelos lados, nova revelação da carta.

Além de apontar a real localização das portas, o mapa, com legendas, noticia a existência de militares da Companhia especialmente destinados para vigiá-las. E, assim, passaram a ser conhecidas, durante os onze meses da chamada Invasão Holandesa, pelos nomes dos sujeitos. A porta de São Bento, no trecho da atual Rua Chile, era a Porta de Isenacht, o capitão defensor. Já a porta do Carmo, próxima do convento, antes do Santo Antonio, foi chamada de Porta de Basservelt, outro conquistador.

Cid costumava dizer que é pura lenda histórias sobre prédios de Salvador construídos pelos holandeses. “Não tiveram tempo”, informava. Sim, os combates que obedeciam à tática indígena de movimento constante, em vários pontos próximos à cidade, organizados a partir da Resistência formada em Vila de Abrantes, não deram trégua.

E em uma dessas lutas, tudo mudou. Alvejado de forma fatal à altura da praia de Água de Meninos, Johan van Dorth deixava o comando da luta e abria um novo tempo para a retomada da Cabeça do Brasil. Uma placa afixada pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, no Forte de Monte Serrate, registra: “Aos 17 de julho de 1624 foi morto neste sítio o general holandês João van Dorth. IGHB, 1938”.

A escolha do sucessor não foi feliz e mostrou o despreparo dos temidos homens, na verdade presas fáceis diante dos ardis tropicais. No inquérito militar aberto para conhecer o real motivo da derrocada, agora ficamos sabendo pelo trabalho de Pablo e da pesquisadora Lucia Furquim Xavier, no Arquivo Nacional em Haia, na Holanda, da metodologia implantada após a morte de Van Dorth: tomar as decisões nas hoerenhuis, os bordéis, em tradução livre e educada para a língua portuguesa. “Provavelmente estavam instalados na região do porto, mais distante da Cidade Alta e do centro administrativo”, especula e se diverte o historiador.

Os beberrões eram os irmãos Schouten. Ao assumirem as operações, passaram a despachar na chamada casa de tolerância. Albert, o primeiro, morreu por conta do grande consumo de álcool, dizem os autos. Arnt, o segundo, e o capitão Isenacht também sucumbiram à bebida e a outros chamamentos mundanos.

Finalmente foram rendidos em 1º de maio de 1625 com a chegada de exatos 12.553 homens distribuídos nas 51 embarcações vindas de Portugal, Espanha e Itália, todas enviadas pelo rei Felipe IV, imperador de meia Europa. No Convento do Carmo, assinaram o termo de rendição.

As pesquisas continuam. E os manuscritos, espera-se, devem trazer à tona uma nova Salvador. “Penso que nem 20% da nossa história foi revelada”, afirma Pablo Magalhães.

*Flavio Novaes é jornalista, pesquisador e diretor de Cultura do Gabinete Português de Leitura.

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