Na garupa de uma moto em Rondônia, em maio do ano passado, Tarcísio de Freitas percebeu que a rápida travessia pela ponte sobre o Rio Madeira era uma aventura sem volta. “Capita, sobe aí”, ordenou o piloto, o presidente Jair Bolsonaro, antes de acelerar pelos 1.500 metros de asfalto recém-inaugurado pela dupla. O então ministro da Infraestrutura ainda tentou escapulir da carona alegando que não tinha capacete, mas foi prontamente advertido pelo chefe: “Não é para usar mesmo. O povo precisa te ver”.
Naquela sexta-feira ensolarada, a mais de 3 mil quilômetros de distância de São Paulo, Bolsonaro engatava a primeira marcha para lançar Tarcísio como candidato ao governo do Estado mais rico do país. O presidente enxergava seu auxiliar como a melhor opção para montar um palanque forte no maior colégio eleitoral. O ministro resistia à ideia porque preferia concorrer ao Senado por Goiás. Ouvia de amigos paulistas que São Paulo jamais elegeria um governador “forasteiro”, mas a missão acabou instigando o engenheiro carioca a encarar o desafio.
Tarcísio na garupa do presidente Jair Bolsonaro Andar na garupa de Bolsonaro popularizou o governador eleito de São Paulo, que foi ganhando cada vez mais projeção nas redes sociais com a fama de entregador de obras, pavimentada pelo apelido “Tarcísio do Asfalto”. Poucos meses depois do evento em Rondônia, ele já havia cedido à pressão do presidente da República e ao clamor da militância bolsonarista. Em setembro, alugou do cunhado um apartamento em São José dos Campos, no interior paulista, para transferir seu domicílio eleitoral de Brasília, onde havia comprado um imóvel de R$ 2,1 milhões, para São Paulo. Assim, ficaria apto a concorrer a governador, primeira eleição de sua vida.
Percalços O percurso que resultou na vitória de Tarcísio nas urnas neste domingo (30/10) foi tão esburacado quanto as estradas que ele prometia asfaltar. O primeiro percalço foi político. Tarcísio ficou no meio de um cabo de guerra envolvendo o PL, partido escolhido por Bolsonaro para disputar a reeleição, e o Republicanos, legenda aliada que cobrava mais protagonismo na eleição para embarcar na coligação do presidente da República.
Tarcísio também tinha um problema antigo com Valdemar Costa Neto. Durante o governo de Dilma Rousseff (PT), o governador eleito escanteou aliados do presidente do PL que estavam sob suspeita de corrupção no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O acordo costurado pelos caciques em Brasília e as diferenças entre Tarcísio e Valdemar levaram-no a se filiar ao partido ligado à Igreja Universal, denominação com a qual o governador eleito manteve uma relação estremecida durante a campanha.
Tarcísio, Valdemar Costa Neto e o deputado Carlos Jordy Depois, Tarcísio teve de enfrentar uma batalha jurídica iniciada por opositores que tentaram anular seu registro de candidatura porque ele não morava no endereço de São José dos Campos informado como seu domicílio à Justiça Eleitoral. Por causa da concentração de agendas de campanha na capital paulista, o ex-ministro acabou alugando um imóvel no Morumbi, mesmo bairro onde fica o Palácio dos Bandeirantes, para onde se mudará a partir de janeiro. A candidatura foi deferida em setembro.
Aliados A descrença na vitória de Tarcísio permeou todo o período de pré-campanha. O ex-ministro bolsonarista ouviu de amigos que sua candidatura seria “engolida” pela máquina do governador Rodrigo Garcia (PSDB), cujo partido comanda o estado há 28 anos. A aliança com o PSD de Gilberto Kassab, que indicou o vice-governador Felício Ramuth, deu musculatura à campanha, que ainda se equilibrava entre apresentar ao eleitor um gestor com perfil eminentemente técnico ou um fiel aliado bolsonarista.
Jair Bolsonaro (PL) apoiou a candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos) Novamente, foi a garupa de Bolsonaro que alavancou o governador eleito, em meio a uma disputa estadual extremamente polarizada e nacionalizada. A cena de maio do ano passado, na ponte do Rio Madeira, se repetiu em São Paulo. Na véspera do primeiro turno, Tarcísio montou outra vez na moto de Bolsonaro, sem capacete, para ser guiada pelo presidente em uma motociata pelas ruas da capital paulista. No dia seguinte, o ex-ministro contrariou as pesquisas e venceu o primeito turno, com sete pontos de vantagem sobre o ex-prefeito Fernando Haddad (PT).
O resultado de Tarcísio, somado ao antipetismo demonstrado pelo eleitorado paulista nas urnas, especialmente no interior, tornou o ex-ministro o grande favorito a vencer a eleição estadual. Em poucos dias, ele atraiu o apoio de quase todos os partidos que estavam na coligação de Garcia, incluindo o próprio tucano. Passou a ser tratado como “futuro governador” e a discutir nos bastidores a divisão de cargos e a composição do seu secretariado. Recém-eleito, Tarcísio prometeu montar uma equipe com base em critérios técnicos, mas já sofrerá pressão política para lotear áreas do governo a partir desta segunda-feira (31/10).
Além de todos os desafios debatidos na campanha, como concluir obras do metrô, ampliar a rede de trens, construir novos hospitais e melhorar a qualidade do ensino e a segurança pública, Tarcísio terá de lidar antes mesmo da posse com uma crise gerada pela sua própria campanha. Está sob investigação da Polícia Civil e do Ministério Público o episódio envolvendo a morte de um homem durante um tiroteio que aconteceu em uma agenda dele na favela de Paraisópolis, no segundo turno.
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A ordem dada por um integrante da campanha de Tarcísio para um cinegrafista da Jovem Pan apagar as imagens do tiroteio ocorrido entre seguranças do então candidato e supostos traficantes levantou suspeita sobre a conduta dos policiais à paisana que faziam a segurança do governador eleito. Confrontado por Haddad no último debate, na TV Globo, Tarcísio defendeu o aliado dizendo que o objetivo era preservar a imagem das pessoas que estavam na comunidade. Especialistas disseram que a prática pode configurar destruição de provas, o que é crime.
Perfil Aos 47 anos, Tarcísio será o primeiro governador eleito por São Paulo que não nasceu no estado desde Jânio Quadros (1955-1959), natural de Campo Grande (MS). A diferença é que Jânio se mudou ainda jovem para São Paulo, onde se formou em direito e iniciou a carreira política, elegendo-se vereador, deputado e prefeito da capital antes de assumir o comando do estado.
Nascido no Rio de Janeiro, Tarcísio se formou engenheiro pelo Instituto Militar de Engenharia na capital fluminense e militar pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Foi engenheiro do Exército, atuando em São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Amazonas, e chegou a integrar a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, chefiada pelo Brasil, o que lhe rendeu episódios de depressão por alguns anos, segundo relatou a aliados.
Após uma rápida passagem como auditor da Controladoria-Geral da União (CGU), Tarcísio foi indicado para a diretoria do Dnit em 2011, no governo Dilma, durante uma “faxina ética” feita pela petista no órgão que colecionava escândalos de corrupção e estava sob influência de Valdemar Costa Neto, hoje aliado de Bolsonaro. Com o enfraquecimento político de Dilma, em 2014, Tarcísio e sua equipe perderam os cargos. No ano seguinte, passou no concurso e se tornou consultor legislativo da Câmara dos Deputados, onde estabeleceu vínculos políticos.
Após o impeachment de Dilma, voltou ao governo sob o comando de Michel Temer para coordenar projetos da Secretaria Especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), responsável pelas privatizações e concessões federais. Depois da eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, foi indicado por amigos em comum para comandar o poderoso Ministério da Infraestrutura, onde caiu nas graças do presidente da República.
Filho de uma empregada doméstica e de um funcionário do Banco do Brasil, Tarcísio é casado há 24 anos com Cristiane, que ganhou um cargo na Embratur durante o governo Bolsonaro. Juntos, eles têm um casal de filhos adolescentes que ficou estudando em Brasília, enquanto Tarcísio e a mulher ficaram em campanha em São Paulo. O próximo governador paulista é torcedor do Flamengo e viciado em hamburguer. Para se eleger, contou com generosas doações de empresários do agronegócio, infraestrutura e segurança privada, que financiaram mais da metade dos R$ 35 milhões arrecadados por ele.