Acusados de ativismo político e excessos, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral foram implacáveis para impedir arreganhos golpistas, garantir a democracia e seu ápice: a voz do voto. Uma batalha dura, não raro com inimigos anônimos escondidos nas baixarias da deep web, e que ainda não se encerrou. Aqueles que insistem na imposição da minoria depois de perder as eleições, orientando o caos e atormentando a vida do país, terão de prestar contas à Justiça, sob pena de se normalizar a rejeição ao resultado das urnas – um precedente gravíssimo.
Aos crimes pré-eleitorais – assassinato de militantes adversários. agressões e assédio eleitoral, polícia rodoviária “fiscalizando” ônibus de eleitores do Nordeste -, os orquestradores da balbúrdia multiplicaram crueldades, incluindo a morte de uma garota de 12 anos e o quase enforcamento de outra criança, nesse caso por um policial militar, só porque ela preferia o “Lula lá”. Tudo ainda pendente de punição, de preferência rápida.
Estimulados pelo presidente derrotado a ocuparem as ruas e iludidos quanto a uma prometida intervenção militar, rebatizada de “intervenção federal”, que jamais teve qualquer chance de acontecer, fiéis se movimentaram como baratas tontas. Protagonizaram cenas surreais, hilárias e, ao mesmo tempo, de dar dó. Marcharam com a bandeira nacional na posição do sabre, ergueram o braço em saudação nazista enquanto cantavam o Hino Nacional. Teve um militante verde-amarelo agarrado a um caminhão que furou o bloqueio e outro que incendiou o próprio carro. Viraram “memes” nas redes sociais, piada.
Entrevistada, uma jovem na porta de um quartel dizia que estava lutando contra o comunismo. Questionada sobre o que era o comunismo, reagiu: – “Comunismo, pô!” Aos prantos, uma bloqueadora de estrada, branca de olhos verdes, reclamava da “polícia comunista” que lançou bombas de efeito moral sobre seu grupo. Outro manifestante disse que queria um Brasil melhor do que estava hoje. Como melhor? perguntou o repórter. “Melhor”, respondeu, como se o seu candidato não ocupasse o governo há quatro anos.
Tudo a revelar a que ponto chegaram a cultura do ódio, o poder da desinformação e a manipulação sobre a ignorância.
No feriado de finados, as imagens das manifestações nas portas dos comandos militares deixavam claro o quão os atos foram planejados e organizados. Patrocinadores instalaram banheiros químicos. As bandeiras do Brasil agitadas eram bonitas, todas novinhas e do mesmo tamanho, doadas nas esquinas. Churrasco nas estradas, lanches e capas de chuva nos atos urbanos eram distribuídos gratuitamente.
Sem poder contar com o procurador-geral da República – o lambe-botas Augusto Aras chegou a dizer que os bloqueios nas estradas eram “rescaldo indesejável, porém compreensível” -, a Subprocuradoria e os MPs dos Estados iniciaram uma série de investigações sobre os atos da semana, com foco nos financiadores. As requisições incluem o presidente em fim de mandato, cujo silêncio covarde não pode servir como salvaguarda, além de seus filhos.
O zero três Eduardo tem sido ativíssimo. Traduziu a mudez de quase 45 horas do pai como apoio às manifestações e se manteve ligado na tarefa de incentivá-las fora das rodovias e diante dos quartéis. Mais um abuso criminoso da crença popular, pois o fez por má-fé, sabendo que não há hipótese de qualquer ação militar.
O STF e o TSE agiram com firmeza nos últimos tempos. Merecem elogios e agradecimentos. Mas o Brasil, acostumado aos panos quentes em nome de concertações fictícias, não pode se intimidar. Terá de enfrentar investigações, processos indigestos e punições. Sem caça às bruxas, mas com penalizações aos que abusam da democracia com o intuito de destruí-la. Sem exceções.
Mary Zaidan é jornalista