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Acolhido pela esquerda, Kleber Lucas critica fanatismo religioso

Quando Kleber Lucas – um dos maiores nomes da música gospel brasileira–, anunciou que gravaria um louvor com Caetano Veloso, muitos fãs viraram o nariz. A união do líder religioso com um ex-anticristão assumido desapontou e o pastor recebeu ataques de parte dos fiéis. Do outro lado, o aceno do tropicalista aos evangélicos também foi visto como uma virada radical demais, até mesmo para ele, acostumado ao chavão de transgressor.

A despeito das críticas, o single Deus Cuida de Mim, um dos maiores sucessos da carreira de Kleber Lucas, foi lançado por ele e Caetano, na semana passada. Segundo os artistas, a parceria pretende, justamente, criar pontes em um país polarizado politicamente e marcado pela intolerância religiosa e fake news.

Em entrevista ao Metrópoles, Kleber conta que a ideia foi de Caetano e teve como ponto de partida a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência.

“Nosso encontro aconteceu através do jornalista Chico Regueira, com quem tinha feito uma matéria sobre um grupo artístico de periferia. Eles cresceram ouvindo Kleber Lucas nas igrejas. O Chico falou de mim para Caetano. Foi então que ele e Paula [Lavigne, esposa de Caetano] me convidaram para ir à casa deles. Estávamos no segundo turno da campanha do Lula e encontramos similaridades”, contou o religioso, que também faz parte do Gabinete de Transição de Cultura e Igualdade Racial do governo eleito.

Ao falar sobre as diferenças e correspondências entre seu trabalho e de Caetano, ele cita uma frase de Paula Lavigne, ouvida em um dos encontros com o casal. “‘Nós estamos na mesma luta, em trincheiras diferentes. Venha para a nossa trincheira, para a gente enfrentar essa onda de fundamentalismo religioso, de hostilidade, de desgoverno, dessa coisa neofascista’”.

Para além da bandeira da união, Kleber diz que tem dedicado seus esforços ao reconhecimento da música gospel na cultura brasileira. Em 1º de janeiro de 2023, ele estará na posse de Lula, em Brasília, ao lado de nomes como Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Margareth Menezes, Maria Rita, Chico César, Pabllo Vittar, BaianaSystem, Duda Beat, Valesca Popozuda, entre outros.

“Resolvi aceitar o convite para a posse porque acredito no resgate da democracia, da cultura, da alegria do povo, da justiça. Me senti muito honrado e que represento um tempo novo também. Em que o movimento da música gospel é visto não como uma música periférica, mas como agente social, promotor de cultura e de espaço”, ressalta Kleber Lucas.

Intolerância religiosa e fake news As conquistas de Kleber ao longo da carreira não deixam dúvidas de que ele está no caminho certo. Nascido numa comunidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, o pastor de 54 anos tem 10 Discos de Ouro, três Discos de Platina e dois DVDs de Ouro. Em 2013, ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Cristã em Língua Portuguesa.

O sucesso, no entanto, não o blindou de ataques e fake news dos quais é vítima há tempos. A maioria parte de pessoas que, provavelmente, apreciam as letras de suas canções. “Minha música acontece até o presente momento dentro desse universo de extrema direita, que apoia o neofascismo, que fez campanha para esse governo derrotado pelo presidente Lula. Muito embora eu perceba que há um ‘fura bolha’ agora”, reconhece Kleber.

Em 2017, o cantor gospel Kleber Lucas foi vítima de discursos de ódio e fake news por participar de um evento no terreiro da mãe de santo Conceição d’Lissá, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Chegou a ser chamado de endemoniado por fiéis e sentiu-se acuado, mas não se arrepende do episódio, pelo contrário.

“Faço parte da Comissão de Combate da Intolerância Religiosa, que é um movimento que propõe visibilizar como as religiões de raízes africanas têm sido ultrajadas, tratadas com hostilidades, terreiros destruídos, pais e mães de santo sendo expulsos de comunidades no Rio de Janeiro e em outras partes do Brasil também”, revela.

Kleber Lucas Kleber Lucas foi atacado após tocar em terreiro de umbanda em 2017 Para Kleber, ignorar que a intolerância religiosa virou um grave problema no Brasil é conivência. “Não posso me calar e se me calasse seria um silêncio político. Percebo que muito silêncio de boa parte de líderes religiosos diante das ofensas que as religiões de matrizes africanas têm sofrido, são silêncios políticos”, avalia.

Questionado sobre os ataques, Kleber critica o “fundamentalismo religioso predominante” e comemora ter sido acolhido pela “esquerda”. “Cheguei a ser sim vítima de fake news cruéis, de várias naturezas. Mas é isso, toda a extremidade, o fanatismo religioso trabalham com a linguagem da mentira ou da quase verdade. É uma coisa muito estratégica nesse tempo”, diz.

Kleber ainda defende Lula das acusações de que seu governo distancia o Brasil de Deus. “Nós vemos o quanto que o movimento social contribuiu para o avanço neopentecostal e pentecostal no Brasil. Como que o governo do presidente Lula, que autoriza, por exemplo a Marcha Para Jesus, que é talvez o governo que mais abriu portas para o movimento dos protestantes evangélicos, sofre com tantas mentiras e narrativas inventadas por lideranças, cantores famosos, influenciadores de extrema direita”.

Política e religião se misturam? Contrariando a máxima de que politica e religião não se misturam, Kleber opina que é impossível “ser uma pessoa religiosa e não ter um olhar social”. No entanto, é franco ao dizer que abomina a presença de evangélicos no projeto de tomada de poder do presidente Jair Messias Bolsonaro. “Uma espiritualidade da mensagem de Jesus de Nazaré, desemboca em um compromisso social. O que não se pode ter é essa pauta, agenda de fundamentalismo de extrema direita”.

“Sempre fui contra essa narrativa, por entender que é antidemocrática, que apontava para um neofascismo, uma movimentação completamente distante da essência da mensagem de Jesus, que é uma mensagem inclusiva, de respeito. Quando falo de uma presença no papel político, é no sentido da religião ser parceira nos processos de justiça, de resgate da democracia que esteve enterrada há seis anos, desde o golpe”, finaliza Kleber, fazendo referência ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

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