Investigados no escândalo de desvios de doações da Record/TV Itapoan, o repórter Marcelo Castro e o editor-chefe do Balanço Geral, Jamerson Oliveira, foram demitidos na sexta-feira (31), em meio ao cerco deflagrado pela Polícia Civil para desvendar um enredo cada vez mais quente: o esquema de apropriação de ajudas financeiras feitas por telespectadores para pessoas em situação de vida difícil, cujas histórias eram contadas no programa local de maior audiência da emissora na Bahia, comandado pelo apresentador Zé Eduardo.
A demissão é o mais recente episódio de um caso que ganhou destaque na cobertura da imprensa local e nacional no início de março, quando os dois jornalistas estavam de férias. O estopim para a descoberta do esquema partiu da equipe que cuida da carreira do jogador Anderson Talisca, atualmente no Al-Nassr, da Arábia Saudita. A princípio, a intenção era cobrar informações sobre a doação no valor de R$ 70 mil que teria sido feita pelo atleta, sensibilizado pela história de uma criança com câncer grave.
Após surgirem as primeiras notícias sobre o escândalo, o diretor de jornalismo da TV Itapoan, Gustavo Orlandi, confirmou que a empresa já investigava a denúncia de que funcionários da emissora teriam desviado doações feitas por telespectadores através do Pix. “A Record/TV Itapoan, assim que recebeu as denúncias, apura os fatos e tomará todas as medidas legais cabíveis para o caso”, disse Orlandi, em nota enviada ao CORREIO no último dia 11.
O esquema, de acordo com as investigações realizadas até agora, usava pessoas em dificuldade ou vulnerabilidade social, a partir de relatos que comoviam o público e estimulavam doações via Pix. Diante do volume de indícios, o caso passou a ser investigado pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Estelionato por Meio Eletrônico (DreofCiber), que iniciou a coleta de depoimentos e a análise de reportagens, vídeos e prints de redes sociais.
Na tarde de sexta-feira, o apresentador Zé Eduardo revelou em uma rede social que Marcelo e Jamerson são investigados pela polícia e anunciou as demissões. A defesa de ambos, no entanto, nega.
“Marcelo e Jamerson, em momento algum, possuem o título de investigados ou suspeitos […] Os dois estão à disposição para serem ouvidos e levar os seus esclarecimentos”, afirmou o advogado Marcus Rodrigues, que representa os profissionais. Eles ainda não foram ouvidos.
Segundo ex-colegas, Marcelo Castro foi visto chorando em seu carro nas redondezas da emissora após a demissão. Os jornalistas foram desligados por justa causa, ou seja, sem direito a verbas rescisórias e seguro-desemprego, além de terem o FGTS retido.
O advogado Victor Gurgel, que representa os jornalistas na esfera trabalhista, classificou a medida como “desproporcional”.
“A demissão foi precipitada, sem a devida apuração e sem ouvi-los. Não houve nem procedimento interno com o contraditório e a ampla defesa”, afirmou Gurgel.
Investigação aponta uso de várias chaves para desviar doações
De acordo com a polícia, colaboradores do programa, incluindo jornalistas, desviaram pelo menos R$ 800 mil em doações. Os valores, contudo, eram transferidos para a conta de terceiros. No total, a DreofCiber apura 15 supostos casos. Além de Jamerson Oliveira e Marcelo Castro, que exibia vida de ostentação e viagens internacionais nas redes, outros funcionários da emissora e pessoas que cederam Pix para as transações também são alvos do inquérito.
Em uma das fases da investigação, a DreofCiber fez uma varredura nos perfis virtuais dos suspeitos. Ao mesmo tempo, começou a rastrear movimentações financeiras atípicas e a periciar três aparelhos celulares apreendidos por ordem judicial. Até que todo o enredo, com os personagens envolvidos nele, seja revelado, a polícia manterá sigilo sobre nomes, provas e valores ligados à trama.
Número um da Record vem a Salvador e conversa com equipe da emissora
No mesmo dia em que o repórter e editor-chefe foram demitidos, o diretor nacional da Record, Rafael Perantunes, veio de São Paulo a Salvador para tratar da investigação e falou com jornalistas da casa pela primeira vez desde que as denúncias ganharam força.
A expectativa na equipe de jornalismo da TV era que Perantunes falasse abertamente sobre o caso durante o encontro na sede da emissora, situada na Federação. Mas o diretor foi breve e não entrou em detalhes. Disse apenas que todos poderiam contactar a direção da Record se houvesse dúvidas ou problemas.
A vinda de Perantunes ocorre em meio ao clima de tensão vivido por jornalistas da emissora. Segundo profissionais da TV ouvidos pelo CORREIO, repórteres sem qualquer envolvimento no caso se tornaram alvos frequentes de hostilidade, ofensas e acusações no trabalho de rua.
“É isso que vem ocorrendo. São repórteres sério, comprometidos com a ética jornalística, de conduta fantástica e competência reconhecida, que ficam na rua o dia inteiro para levar informação de qualidade, e não merecem o tratamento que estão recebendo. Nossa equipe, feita de profissionais honestos, não merece pagar por outros que erraram”, desabafou o apresentador Zé Eduardo, após ser questionado sobre atos hostis a jornalistas da emissora.