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Quero que meu pai seja herói popular, não da Marinha, afirma único filho vivo de João Cândido

Foto: Reprodução

Adalberto Cândido, o Candinho, 85, único filho vivo de João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata 26 de abril de 2024 | 18:45

Adalberto Cândido, o Candinho, 85, único filho vivo de João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, rebateu as críticas do comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, aos insurgentes em 1910.

“Meu pai é um herói popular, não da Marinha”, afirmou Candinho, que recebeu nesta sexta-feira (26) a visita dos deputados federais Lindbergh Farias (PT-RJ) e Benedita da Silva (PT-RJ).

Benedita é relatora de um projeto de lei que inscreve João Cândido no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. A proposta tramita atualmente na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.

Na segunda (22), em carta enviada à Comissão, o comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, fez críticas ao projeto de lei.

Ele chamou os envolvidos na revolta de “abjetos marinheiros”, tratou o episódio de 1910 como “deplorável página da história” e disse que enaltecer os insurgentes significa exaltar atributos que não contribuem para o “plano estabelecimento e manutenção do verdadeiro Estado democrático de Direito”.

“Aponto, por conseguinte, que incluir, no Livro de Heróis da Pátria, João Cândido Felisberto ou qualquer outro participante daquela deplorável página da história nacional […] seria o mesmo que transmitir à sociedade, em particular, aos militares de hoje, que é lícito recorrer às armas que lhes foram confiadas para reivindicar suposto direito individual ou de classe”.

A nota da Marinha também citou argumentos de quebra de hierarquia e disciplina, além das ameaças de bombardeio à cidade do Rio de Janeiro, afirmando que vidas foram sacrificadas, incluindo duas crianças, atingidas por projétil.

Candinho disse que Olsen “teria que agradecer aos marinheiros de 1910 pela Marinha de hoje”.

“Naquela época não tinha disciplina, hierarquia, não tinha nada. Os marinheiros eram os filhos rebeldes que os pais colocavam na Marinha. Os oficiais eram filhos de fazendeiros. Não tinha disciplina na Marinha, ela só foi modernizada depois disso. Mas a Marinha se acha demais, se acha mais do que o Exército e a Aeronáutica. A última escravidão do Brasil foi na Marinha”.

Em visita à casa de Candinho, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, onde João Cândido viveu por 40 anos, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que a fala do chefe da Marinha “trouxe constrangimentos ao governo”.

“Foi inaceitável. Parece um distanciamento com a lógica da democracia, dessa mesma Marinha que, há pouco tempo, um outro comandante tinha aceitado participar de uma tentativa de golpe”, disse o parlamentar.

Ex-comandantes da Aeronáutica e do Exército afirmaram à PF, em março, que o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos colocou tropas à disposição de Jair Bolsonaro (PL) durante as discussões sobre uma suposta tentativa de golpe, sob investigação.

Projetos para reconhecer João Cândido como herói nacional tramitam no Parlamento desde 2007, um ano antes de o então presidente Lula (PT) sancionar o texto de Marina Silva (na época senadora pelo PT-AC), concedendo anistia póstuma a ele e aos outros militares da revolta.

O trecho garantindo todos os efeitos da anistia, citando promoções que teriam tido direito caso tivessem seguido no serviço ativo e pensão por morte, foi vetado, sob a justificativa de significativo impacto orçamentário.

Na época da revolta, a anistia foi aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, mesmo assim, marinheiros foram presos, outros expulsos da corporação, alguns fuzilados.

O próprio Cândido, conhecido como “almirante negro” por seu protagonismo na revolta e pela liderança de outros fardados negros, foi expulso, preso e morreu pobre em 1969. Ele nunca chegou a ser de fato promovido a almirante, apesar de ter sido chamado assim pela imprensa e pela população da época.

“Queremos que ele seja herói da pátria porque ele representou uma liderança de décadas de sofrimento. Levar 100 chicotadas e achar natural, que é parte da disciplina, não existe”, afirmou a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).

Em março, a Procuradoria do Rio de Janeiro enviou parecer ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania pedindo o reconhecimento de João Cândido como anistiado e a reparação aos familiares. O MPF entende que a anistia não acompanhou promoções e bonificações a que João Cândido teria direito se tivesse permanecido nos quadros da Marinha.

Cândido recebeu pensão até sua morte, em 1969, mas não houve pagamento de indenização aos familiares. “A omissão do Estado brasileiro, amparada pelo entendimento da Marinha sobre a revolta, se prolongou no tempo”, diz o documento, assinado pelo procurador da República Julio José Araujo Junior.

Yuri Eiras/Folhapress

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