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Venezuela: a hora de ver se Lula acertou na forma de lidar com Maduro

O comportamento de Nicolás Maduro a partir de hoje vai mostrar se a política adotada pelos governos do PT para lidar com a Venezuela, desde a morte de Hugo Chávez, foi acertada ou se, como dizem alguns críticos, só serviu para respaldar uma ditadura. Agora, a coisa é diferente. Não existe mais espaço para Lula fingir que não vê o mergulho da Venezuela numa ditadura, e, se Maduro der um golpe, a cobrança por um tom mais duro aqui no Brasil, mesmo na esquerda, será grande.

Houve um tempo em que os governos do PT de fato acreditaram no compromisso democrático de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro. Depois da morte de el comandante, em 2013, ainda se apostou em Maduro. O PT chegou até a embarcar nos movimentos golpistas de Maduro, como o de reescrever a Constituição, e diversos quadros do partido se aventuraram a defender publicamente a dilapidação da democracia por lá. Ignoravam relatos de jornalistas, ativistas e oposicionistas tendo que se exilar para não serem presos, e a prisão dos que ficavam. Mas a coisa começou a mudar de 2023 para cá.

Pegou muito mal para Lula ter recebido Nicolás Maduro em Brasília em maio do ano passado com pompa. Sua liderança regional foi claramente ameaçada quando o chileno Gabriel Boric e o uruguaio Lacalle Pou o criticaram por ter dito que as violações de direitos humanos eram uma a situação de direitos humanos na Venezuela era uma construção narrativa. E o prejuízo não foi só externo.

Lula ter conquistado o terceiro mandato com a promessa de que recolocaria a democracia brasileira nos eixos, afastando a forte ameaça antidemocrática de Jair Bolsonaro, criou sobre o presidente uma cobrança inversa à que pesou sobre Getúlio Vargas em 1945, após os pracinhas voltarem da Segunda Guerra vitoriosos por terem derrotado o Eixo. Se, naquele momento, era contraditório ter uma ditadura aqui enquanto se lutava por liberdade lá fora, agora seria incoerente pregar liberdade no Brasil e fechar os olhos para um aprofundamento ditatorial no nosso vizinho.

Mesmo setores da esquerda que se calavam para as arbitrariedades de Maduro perceberam o erro político e moral que significava defendê-lo. Até porque, apesar de todos os esforços de censura e sufocamento da sociedade civil empreendidos por Maduro, mais e mais se fica sabendo do que se passa nos porões do governo venezuelano.

Estupros, choques elétricos e afogamentos na Venezuela No ano passado, um promotor do Tribunal de Haia, Karim Khaia, pôs em um documento de 22 páginas quais eram as denúncias que pairavam sobre a Venezuela de Maduro em matéria de direitos humanos de opositores — categoria em que cabem todos que criam embaraços ao governo, mais ou menos como foi no Brasil de Bolsonaro. Escreveu Khaia: “… pelo menos a partir de abril de 2017, milhares de supostos ou reais opositores do governo da Venezuela foram supostamente perseguidos por motivos políticos, presos e detidos sem fundamentação legal adequada; centenas foram supostamente torturados; e mais de 100 foram supostamente submetidas a formas de violência sexual, incluindo estupro”.

Relatou ainda denúncias de que “as vítimas foram submetidas a atos de violência que incluíram espancamentos, sufocamento, quase afogamento e choques elétricos que resultaram em sérios danos ao seu bem-estar físico e mental”.

O argumento de Lula, Celso Amorim e Mauro Vieira, a trinca que comanda a política externa brasileira, para justificar manter um bom canal com Nicolás Maduro em meio a tudo isso, é o mesmo usado lá atrás pelos dois primeiros, nos primeiros governos de Lula, ou pelo terceiro e por Dilma Rousseff nas administrações dela: só assim é possível de fato influenciar para o bem. Há lógica no raciocínio, admita-se. Amorim sempre lembra que sanções, contra Cuba, Rússia, Irã ou Venezuela não têm se mostrado eficazes para fazer seus governantes mudarem.

O Brasil hoje é o país democrático com melhor relação com a Venezuela. Celso Amorim foi a única figura de peso na política latino-americana a conseguir pousar em Caracas neste fim de semana. Houve veto mesmo a aliados como o ex-presidente argentino Alberto Fernández, que foi levado pelo governo de Maduro a não aceitar o convite para ser um observador internacional. O Tribunal Superior Eleitoral brasileiro também foi levado a cancelar seu bilhete de voo, reação natural diante da afirmação falsa de Maduro sobre uma suposta incapacidade brasileira de auditar o resultado do voto.

Mas e se Maduro não reconhecer o resultado na Venezuela? Caso Maduro saia derrotado nas eleições e aceite os resultados, e não crie problemas graves para a transição de governo daqui até janeiro (sim, serão longos cinco meses até o começo do novo mandatário, seja quem for), bingo para Lula/Amorim/ Vieira. Isso sinalizaria que a Venezuela entrou numa transição democrática. No cenário de Maduro sair vencedor, legitimamente, sem indício de fraude, um comportamento democrático dele frente à oposição, criando espaço para que a vida institucional se restabeleça, também seria uma vitória dos três e a prova de que estavam no caminho certo.

Mas e se vierem à tona diversos indícios de manipulação eleitoral por parte do governo? E se Maduro não reconhecer um resultado de derrota? Ou criar obstáculos para a oposição tomar posse? E caso vença e persiga ainda mais a oposição, aproveitando a força de uma vitória eleitoral para fechar ainda mais o regime?

A conjuntura política no Brasil também é um fator determinante. Lula enfrenta uma oposição interna robusta, especialmente da extrema direita, que acusa seu governo de ser leniente com regimes autoritários. Nesse cenário, um alinhamento contínuo com um Maduro sem um compromisso claro com a democracia, pode ser explorado politicamente pelos adversários de Lula, fortalecendo a narrativa de que seu governo apoia ditaduras. Em resumo: o presidente dificilmente poderia ficar calado caso Maduro decida trilhar qualquer uma das estradas aventadas logo acima.

A pressão sobre o governo brasileiro para adotar uma postura mais crítica em relação a Maduro também vem de outras frentes. Organizações internacionais de direitos humanos e governos de outros países latino-americanos, como os de Borich e Lacalle Pou, têm exigido uma posição mais firme contra as violações de direitos humanos por lá.

Romper com a Venezuela não está em questão, seja qual for o cenário. O Brasil, seja de Lula, seja de Bolsonaro, mantém relação com ditaduras mundo afora e não seria com a de um vizinho que não teríamos. Mas, se Maduro sufocar ainda mais os venezuelanos, vai ficar claro que foi um erro todos os afagos que Lula fez nele, e a saída será, preservando o canal, falar mais duro com o vizinho. Caso não o faça, Lula não vai ter boa opção. Vai parecer bobo. Ou hipócrita.

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