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Farra do INSS: aposentada que acionou Justiça tem 3º desconto indevido

São Paulo — Pela terceira vez, a aposentada Nilcea Maria dos Santos, de 69 anos, descobriu um desconto indevido em sua aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Nos últimos dois anos, ela vem processando na Justiça paulista duas entidades que apareceram cobrando mensalidade diretamente da folha de pagamento de seu benefício, sem autorização. Cada vez que conseguiu interromper um desconto, apareceu um novo.

Nilcea (foto em destaque) é uma das dezenas de milhares de vítimas da farra do INSS, revelada por uma série de reportagens do Metrópoles. Trata-se de um esquema envolvendo associações que firmam acordos de cooperação técnica com o órgão federal para aplicar descontos mensais que vão de R$ 45 a quase R$ 100 sobre aposentadorias, em troca de supostas vantagens em serviços como seguros e planos de saúde.

O problema é que milhares de aposentados que sofrem esses descontos nunca ouviram falar na entidade até perceberem o desfalque no contracheque de suas aposentadorias. Pela regra do INSS, as mensalidades associativas só podem ser cobradas mediante autorização feita por escrito pelo segurado.

Como revelou o Metrópoles, em um ano, 29 entidades habilitadas pelo INSS aumentaram de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões a arrecadação mensal com os descontos nas aposentadorias, em meio a uma avalanche de reclamações e processos judiciais por descontos indevidos. Parte dessas entidades está ligada a grandes empresários com bom trânsito político. Eles são donos das empresas que oferecem os serviços prestados pelas associações.

Aposentados como Nilcea são tratados como vítimas de uma grande investigação da Polícia Civil de São Paulo e do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público paulista (MPSP), que apuram suposto estelionato praticado pelas associações. O inquérito levou ao cumprimento de mandados de busca e apreensão em duas entidades e recolheu computadores e documentos.

Salto de rendimento Nilcea já foi descontada por duas entidades. Primeiro, pela União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap), e, depois, pela Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), um dos alvos de busca e apreensão da Polícia Civil neste mês e campeã no salto de faturamento no último ano. De 30 mil associados, ela passou a ter, em poucos meses, mais de 650 mil, o que lhe rendeu até R$ 30 milhões mensais. Desde 2021, ela já tirou R$ 298 milhões de aposentados. 

Depois de se livrar dessas duas entidades, Nilcea descobriu um novo desconto indevido neste mês. Desta vez, da Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (AAPEN). A entidade firmou seu acordo com o INSS em julho de 2023, para descontar 2% do valor das aposentadorias de seus associados. Em seu primeiro mês de descontos, novembro de 2023, faturou R$ 5 milhões. Em julho deste ano, já levou R$ 16 milhões em descontos.

A sede da associação fica em Fortaleza (CE), a mais de 3 mil quilômetros de distância de São Paulo, onde mora Nilcea. As duas empresas “parceiras”, que oferecem os serviços prestados pela associação, são uma farmácia e um escritório de advocacia, também sediados na capital cearense.

Seu salto de rendimento é semelhante ao de outras associações da farra, que estão também na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU). Esses dados chegaram a ser chamados de “escabrosos” pelo ministro Aroldo Cedraz, relator da auditoria no TCU. A Corte determinou a interrupção imediata dos descontos e apuração sobre todas as filiações das entidades para poder mensurar o tamanho da fraude em todo o país, seguindo o voto do ministro.

Quando a AAPEN assinou seu termo de cooperação, ela se chamava Associação Brasileira dos Servidores Públicos (ABSP). Seu acordo foi assinado pelo ex-diretor de benefícios do INSS, André Felix Fidelis, que foi demitido após a série de reportagens do Metrópoles. Ele tem um filho próximo a essas associações. Somente neste ano, o INSS assinou sete novos acordos, sendo um deles com uma associação que não passava de uma sala vazia em São Paulo. Somente no Judiciário paulista, a AAPEN responde a mais de 400 processos judiciais.

Os outros descontos Em 2022, a aposentada Nilcea descobriu que R$ 70 estavam sendo descontados mensalmente da sua aposentadoria no INSS. Os valores eram direcionados à União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap), entidade sobre a qual ela nunca havia ouvido falar.

Ela vinha sendo descontada desde dezembro de 2021 e o saldo para a entidade era de R$ 839. “Fazia tempo que estavam descontando um valor da minha aposentadoria e eu nunca tinha ouvido falar dessa empresa”, conta.

Nilcea moveu um processo contra a entidade. Em sua defesa, a Unibap anexou um antigo RG dela que já estava em desuso e apresentou uma ficha de filiação com uma suposta assinatura dela. No documento, constava um endereço que ela afirma desconhecer.

O juiz do caso reconheceu a fraude. Afirmou que a assinatura no documento de filiação não é igual a de Nilcea e que nem o valor da data do documento bate com o início dos descontos de sua aposentadoria. Com base nisso, condenou a entidade a indenizá-la em R$ 5 mil. A sentença é de outubro de 2023.

No fim do mesmo mês, contudo, ela teve uma infeliz descoberta. Identificou outro desconto indevido em sua aposentadoria, desta vez, em nome da Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec).

“Como pode chegar dentro do INSS e impor um desconto que não foi combinado, com uma empresa totalmente desconhecida? Eu não conheço benefício algum e fui descontada”, diz Nilcea.

Em um novo processo judicial, ela pediu a devolução dos valores e indenização. A Ambec se defendeu anexando um áudio com uma suposta ligação telefônica na qual Nilcea teria aceitado se filiar à entidade.

Sua defesa pediu um incidente de falsidade à Justiça para periciar o áudio. Ela nega ser a mulher da gravação e diz que sua voz e sotaque são distintos.

“Além disso, o telefone celular informado pela suposta aderente no áudio não confere com o número de celular pessoal da Autora”, dizem os advogados Gabriel Rinaldi e Tatiana Bordignon, que representam Nilcea na Justiça.

O caso ainda não foi julgado.

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