“Lá te tratam como louco, mesmo você não tendo essa condição”, é assim que uma ex-paciente do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) descreveu a sensação de estar na unidade psiquiátrica do Distrito Federal.
Ela foi internada, em 2023, aos 20 anos após um sério quadro de depressão e resolveu tornar pública a experiência, após a morte da paciente Raquel de Andrade, 24 anos, no local.
As duas chegaram a ficar internadas por um tempo juntas. “Raquel era muito conhecida lá dentro. Eu levei um susto quando descobri por um conhecido que ela tinha morrido, não acreditei”, disse.
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Paciente era amarrada com frequência em hospital psiquiátrico da rede pública
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Paciente morta relatou trauma por ficar amarrada
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A ex-paciente preferiu não ser identificada. A jovem contou que tinha pensamentos suicidas e foi recomendada pela psiquiatra a ficar no hospital, mas, segundo ela, a “estadia” não foi nada com o que havia sido prometido.
“Quando eu entrei eles me colocaram na maca e me amarraram, sendo que eu estava super consciente”, destacou.
“Eu já não estava mais chorando, eu não estava gritando. A única coisa que eu fiz foi chorar porque eu não queria ficar, mas eu já tinha entendido que eu precisava ficar ali”, contou.
“O enfermeiro falava que era para eu parar de chorar e de gritar, senão eles iam pegar uma injeção”, lembrou. A jovem recordou que, quando falou a idade que tinha, um outro profissional de saúde comentou que a entrada dela no hospital era fruto de “pessoas que cresceram sem ouvir um ‘não’ dois pais”.
“Ouvir isso naquele momento me rasgou”, completou. Ela ficou no quarto de uma jovem de 18 anos, que é autista.
“Acho que aquele lugar não era para ela, acho que a mãe dela também pensou que seria tratada de outra forma. E lá eu que cuidava dela”, contou.
“Por tudo o que eu vivi e por saber como é lá, sou totalmente a favor de fecharem aquele lugar”, concluiu.
Caso deste Natal
- A precariedade no HSVP voltou à tona após uma paciente de 24 anos morrer em crise;
- Raquel de Andrade passou a noite de Natal (24/12) amarrada;
- Na manhã do dia seguinte, a paciente sofreu convulsões, enfermeiros tentaram reanimá-la, mas sem sucesso;
- Hospital já foi denunciado por órgão do governo federal que fiscaliza os direitos humanos;
- Relatos e documentos apontam costume da unidade em deixar pacientes amarrados;
- Fotografias mostraram hematomas em braço de paciente que morreu;
Transferência
O Metrópoles conversou com uma fonte da Secretaria de Saúde sobre o caso. Segundo ela, chama a atenção o fato de a paciente não ter sido transferida para outra unidade da rede pública, seja para o diagnóstico, seja para o tratamento da crise. Em vez disso, a mulher foi imobilizada durante a madrugada.
Outro ponto questionado foi a estratégia de acompanhamento da paciente após a aplicação da medicação, na manhã do dia 25. Para a fonte, o monitoramento deveria ser constante pela equipe na sala de observação.
Outro lado
A Secretaria de Saúde (SES-DF) informou em nota que “a causa da morte da paciente no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) ainda está sendo investigada pelo Instituto Médico Legal (IML)”.
A pasta ainda destacou que preza pelo cumprimento da legislação nacional e internacional de proteção dos direitos humanos, das normas de segurança do paciente e dos protocolos assistenciais.
A secretaria também informou que foi instituído um Grupo de Trabalho para elaboração de um Plano de Ação para desmobilização dos leitos psiquiátricos do DF, incluindo os do HSVP.