Uma visita à Feira de São Joaquim, na região da Jequitaia, só se compara a um passeio pelas galerias do Museu do Louvre. Nunca haverá tempo suficiente para apreciar direito todas as imagens e os seus detalhes. Algum exagero nessa comparação me rende. Sou refém dessa cidade. Só quem já mergulhou na história de Água de Meninos entende.
Era assim que a chamavam, quando ela deixou de ser a Feira do Sete. Comércio livre e forte, mas sem higiene, entrave à ampliação das docas, antes do aterro da Praia da Jequitaia. Em 1964, misteriosamente, suas quitandas de madeira pegaram fogo, em meio ao impasse sobre a extinção ou a mudança para um local ali perto.
Localizada numa enseada, adjacente ao porto, suas mercadorias desciam dos saveiros de carga que vinham pelo mar de toda parte, principalmente do Recôncavo. De domingo a domingo, os fregueses se perdiam em meio ao artesanato de Maragogipinho, maior polo de cerâmica da América Latina, e toda sorte de tecidos e folhas.
Dizem que também se achava por lá objetos rituais, artefatos diversos e até iguarias típicas da Bahia, que iam do mingau de tapioca ao acarajé. Nas bancas improvisadas e no chão, sobre caixotes, a profusão de verduras e frutas espargia um aroma que se misturava ao cheio forte da maresia e, no recuo da maré, ao odor de podre.
E havia mesmo quem por lá morasse. Tudo isso eu li em blogs de pesquisadores informais, tão fascinados quanto eu pela história da cidade. Nem eles sabem, ao certo, de onde veio o primeiro nome de nossa maior e mais lendária feira. Os relatos oscilam entre a existência de uma nascente e o batismo de crianças por padres.
O que se sabe é o que se sente. Chegar bem cedo em São Joaquim, respirar o cheiro de folhas, frutas, verduras e incensos equivale a olhar pra cima, mirando o teto de vidro do Louvre da infância. Porque há grandezas que só se mede com a régua do sentimento. Quebrar o talo do quiabo verde para ver se serve, recolher as imagens das imagens.
Em 2013, Luciana de Castro Nunes Novaes abordou a existência de um assentamento para Exu na paisagem subaquática da enseada de Água de Meninos em seu mestrado em arqueologia. Defendida na Universidade Federal de Sergipe, a dissertação* desvela o aspecto sagrado do que a autora batiza como “encruzilhada do mar”.
Há tanta poesia nesse texto acadêmico que a sua escrita é, para mim, a mais perfeita tradução de uma maestria. Sei que ando um exagero só nesses dias, talvez por ainda estar zonza de alegria com a possibilidade de um país melhor. E confesso que boto imensa fé na proposta de uma nova Ciência para o nosso século.
* A morte visível e a vida invisível: um estudo sobre o assentamento de Exu e a paisagem sagrada da Enseada de Água de Meninos.