A cerimônia de premiação da 94ª edição do Oscar, que aconteceu no domingo (27), foi marcada pelo tapa que o ator Will Smith deu no também ator Chris Rock. O episódio rendeu memes e uma grande discussão sobre certo e errado. Mas, em meio à confusão, o motivo do tapa foi ofuscado. Tudo começou com uma “piada” feita por Chris Rock sobre o fato de Jada Smith, esposa de Will Smith, estar careca. Mas a ausência de cabelos não é uma escolha de Jada, mas uma imposição de uma doença chamada alopecia.
Alopecia é um termo guarda-chuva que envolve um grupo de doenças caracterizadas pela perda capilar. A alopecia por tração é bastante conhecida e acontece quando a pessoa faz penteados apertados, que forçam a raiz do cabelo. Nestes casos, pode haver dano irreversível quando o folículo é danificado. Mas os dois principais tipos da doença são a alopecia androgenética e a alopecia areata. O primeiro tipo é um distúrbio hormonal de origem genética que atinge homens e mulheres e provoca afinamento dos fios, aumentando as chamadas “entradas” na testa. Os cabelos ficam ralos e, progressivamente, o couro cabeludo mais aberto. A ex-BBB Juliette e a cantora Maraisa, da dupla com Maiara, sofrem da doença.
O outro tipo é o que se aplica à Jada Smith. Ela tem queda acentuada de cabelo desde 2018 e vinha escondendo as falhas com turbantes e lenços. Em julho do ano passado, decidiu raspar o cabelo. “A alopecia areata é de provável causa autoimune, caracterizada, mais frequentemente, pela perda rápida dos pelos no couro cabeludo e, ocasionalmente, em outras áreas como barba, supercílios e áreas do corpo. Afeta igualmente homens e mulheres, sobretudo pacientes jovens”, explica Fernanda Ventin, médica dermatologista da Clínica InDerm.
De acordo com a médica dermatologista Rebeka Sobral, da clínica Áurea Dermatologia Integrada, a maioria dos casos de alopecia areata está associada ao estresse. “A principal forma de identificar é que a perda acontece em formato circular”, acrescenta.
A dermatologista Rebeka Sobral diz que os dois tipos mais comuns de alopecia são a areata e a androgenética (Foto: Arquivo pessoal) |
“Cerca de 80% dos pacientes que apresentam essa perda têm uma regressão da lesão, ou seja, reaparecimento dos fios em até 1 ano, mesmo sem tratamento. Mas também há a possibilidade da doença evoluir para uma forma mais grave, que resulta na perda permanente e difusa dos pelos. Quando é uma perda total somente na cabeça, a gente chama de alopecia areata total; quando é uma perda total de todos os pelos do corpo, a gente chama de alopecia areata universal”, explica Rebeka Sobral.
Lidando com a doença
Quem também é diagnosticada com alopecia areata é a servidora pública Cristiane Costa, de 51 anos. Em cerca de 6 meses, ela perdeu todos os fios de cabelo, além do restante dos pelos de todo o corpo, se enquadrando na alopecia areata universal. O cabelo começou a cair em novembro de 2017, mas, no início, Cristiane não deu muita bola. “Eu comecei a perceber que, quando terminava a aula do curso que eu fazia, o chão em volta da cadeira ficava cheio de cabelo. Mas meu cabelo era bem longo e cheio, eu sempre brinquei que tinha cabelo suficiente para três cabeças, então não me preocupei tanto no início. Por ironia, acabou não sobrando cabelo nenhum nem para uma cabeça”, diz.
Cristiane tem alopecia areata universal e passou 4 anos careca (Foto: Arquivo pessoal) |
Quando a queda se intensificou, Cristiane buscou um médico clínico e um dermatologista, recebeu o diagnóstico e passou a fazer tratamento com medicação. Como o quadro não apresentou melhora e ela começou a apresentar fadiga e taxas hormonais desreguladas, ela buscou também um psiquiatra. “Ele disse que eu tinha ansiedade generalizada e que isso tinha provocado a alopecia porque os hormônios desregulados causaram a inflamação do bulbo capilar”, conta a servidora.
Cristiane passou 4 anos totalmente careca, somente há cerca de 3 meses, o cabelo voltou a crescer. “Foi difícil não saber o que estava acontecendo comigo, antes de fazer todos os exames e ter o diagnóstico. Nunca tinha visto isso acontecer com ninguém, eu cheguei a achar que estava morrendo. Mas, assim que eu soube que não era uma doença grave, que não estava colocando minha vida em risco, eu me acalmei e cheguei à aceitação”, diz. Mas a aceitação não significa que o processo foi fácil.
“É difícil lidar com a autoestima, se acostumar a ver outra imagem no espelho, lidar com as pessoas que estão em volta. Eu comecei usando lenço e lace e, só depois de 2 anos, consegui sair na rua pela primeira vez sem usar nada para cobrir a cabeça. A sensação era como se eu estivesse nua, mas depois eu me acostumei”, conta.
Um dos episódios mais difíceis de serem enfrentados aconteceu quando ela ainda usava lace. “Uma vez, na sala de aula do curso de Direito com mais de 100 alunos, eu fiquei sabendo que alguns colegas tinham planejado puxar a minha lace no meio da aula. A própria pessoa que teve essa iniciativa desistiu e veio me contar depois, arrependida. Mas foi muito triste saber daquilo, saber que aquilo vinha de pessoas adultas e esclarecidas; meus olhos encheram de lágrimas mesmo não tendo acontecido, de fato”, desabafa Cristiane.
“Apesar do Will Smith ter ido lá e defendido a esposa, independente de ter sido certo ou errado, o fato é que essa dor ainda vai ecoar muito dentro de Jada. Não se brinca com a dor alheia”, acrescenta.
Tratamento
A médica dermatologista Rebeka Sobral ressalta que o tratamento depende de diagnóstico precoce. “Quanto mais cedo a gente intervir, mais sucesso vamos ter no tratamento”, diz. Vale ressalta que não há cura porque, mesmo tratada, a doença pode voltar a se manifestar. Mas existem algumas possibilidades de tratamento e a eficácia e os resultados variam de paciente para paciente.
“O tratamento deve ser individualizado, depende do quadro clínico, e da idade do paciente principalmente; inclui desde uso de medicações de uso local e também de uso injetável nas áreas afetadas, como corticóides e o minoxidil; até tratamentos sistêmicos com drogas imunossupressoras”, afirma Camila Ribeiro, médica dermatologista da Clínica InDerm e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Caso a procura por um médico seja tardia, pode ser que não seja mais possível reverter o quadro.
As dermatologistas Fernanda Ventin (à esquerda) e Camila Ribeiro (à direita), afirmam que o tratamento varia de paciente para paciente (Foto: Divulgação/Clínica InDerm) |
Os tratamentos visam controlar a doença, reduzir as falhas e evitar que novas surjam. Eles estimulam o folículo a produzir cabelo novamente, e precisam continuar até que a doença desapareça. Vale ressaltar que o implante capilar não é um tratamento, mas uma opção estética e que qualquer procedimento deve ser feito por um profissional capacitado, assim como medicamentos só devem ser usados a partir de indicação e orientação médica.