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As igrejas e a ausência do Estado

Até domingo passado, às oito da manhã, nunca tinha ouvido falar do bispo Bruno Leonardo. Muito menos de sua igreja, a Igreja Batista Avivamento Mundial. Pois fui à Fonte Nova, numa missão profissional destes plantões de fim de semana, cobrir um culto/show do líder religioso.

Já havia me impressionado com o número de seguidores dele no YouTube, que passa de 14 milhões. Aquilo me dava uma ideia da popularidade dele e já imaginava que a Fonte Nova poderia estar cheia. Mas quando cheguei lá, fiquei meio assustado com o cenário: muita gente aglomerada e barrada na porta, empurra-empurra, berros, desespero de quem não conseguia entrar, mesmo com o ingresso na mão. A entrada, diga-se, era gratuita.

Segundo a administração da Fonte Nova, entraram 62 mil pessoas. Para se ter uma ideia do que isso significa, quando a maior estrela viva da música internacional, Paul McCartney, esteve no estádio, foram 53 mil pessoas presentes.

A histeria na porta se comparava ao que testemunhei há 35 anos, quando fui ao show do Menudo naquela mesma Fonte Nova. Com uma diferença: no show da boyband, eram crianças e adolescentes. Ontem, eram, na maioria, adultos e idosos com um comportamento de idolatria que poucas vezes presenciei. Acho que nem os fãs de Ivete têm aquele nível de devoção.

Ao entrar no estádio, quando vi aquele mar de gente, tomei um susto e, confesso, me emocionei e meus olhos marejaram. Mas era um sentimento misto: de um lado, uma emoção ‘positiva’, de ver no olhar das pessoas uma ponta de esperança de ter uma vida melhor; do outro, senti uma angústia profunda, de saber que as pessoas estão ali por pura desesperança ou desespero mesmo. E isso também estava no olhar delas.

Vi um menininho de, no máximo, uns quatro anos, no cangote do pai, cantando como se estivesse num verdadeiro transe, de olhos fechados e muito emocionado. E novamente vivi um paradoxo: se o menino parecia estar curtindo o momento, pensei na lavagem cerebral que ele deve viver em casa.

Enquanto isso, o bispo condenava os prazeres mundanos, como reza a cartilha religiosa: “Muitos de vocês que estão aqui hoje estavam em fevereiro se esbaldando no Carnaval”. Ou seja: ter momentos de prazer e alegria é um pecado, era esse o recado.

E enquanto ele cantava uma música acompanhada por todos ali, eu ficava pensando o que levava aquelas pessoas a pegar um sol fortíssimo às 9h da manhã, enfrentar uma fila absurda, um engarrafamento gigantesco… e serem tratados de maneira indigna pela organização, sendo barradas, mesmo com o ingresso na mão.

E, embora não tenha lido nada sobre isso e desconheça textos que abordem o assunto, eu não tenho mais dúvida: as igrejas tomaram definitivamente o lugar do Estado brasileiro, que não supre as necessidades básicas daquelas pessoas. A sensação que tenho é que não é só uma questão de fé. As pessoas não estão ali apenas para ter um conforto espiritual, para ter paz.

As pessoas se apegam à religião – e, principalmente, às igrejas – porque o Estado não dá conta de sua parte. Porque o Estado é incapaz de prover saúde, segurança, educação, dinheiro… então, resta ao povo acreditar numa força espirutual que lhes dê essa esperança, que faça “milagres”. Ora, pensa um daqueles: “Se meu filho precisa de uma cirurgia urgente e, se não fizer, vai morrer, o que posso fazer, se ele só poderá ser operado daqui a seis meses, porque não há vaga no SUS? Só me resta orar e pedir que Deus opere um milagre”.

“Se meu marido é alcoólatra e me ameaça de morte diariamente, o que fazer se o Estado não o mantém na prisão? Orar!”; “Se meu filho vai voltar do trabalho de madrugada e eu não sei se voltará vivo, por causa do tráfico que domina a área onde moro, o que me resta fazer se a polícia só entra aqui para matar? Orar!”; “Se o Estado não fornece vagas suficientes na escola onde eu queria que meu filho estudasse, que esperança me resta? Orar e pedir a Deus que opere um milagre!”.

E foi assim que um insano ficou por quatro anos na presidência da República, conduzido por homens como o mesmo bispo Bruno Leonardo, que declarou voto a ele em 2022. Ou o Estado volta a cumprir seu papel ou estaremos nas mãos desses messias. Aliás, “volta” nem é o termo adequado, porque o Estado brasileiro jamais cumpriu seu papel.

Posso estar falando uma imensa bobagem, mas pelo que sei, em países realmente desenvolvidos esse fanatismo religioso não existe nessa proporção que temos visto no Brasil. Justamente porque lá, o Estado cumpre seu papel. (que fique claro: ter fé é essencial e acho ótimo. O que não é bom é transferir essa fé para pessoas ou instituições)

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