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Bolsonaro mirou evangélicos e versão ‘amigo de Israel’ quando se batizou no Jordão

Foto: Reprodução

Bolsonaro mirou evangélicos e versão ‘amigo de Israel’ quando se batizou no Jordão 18 de outubro de 2023 | 06:38

Num perímetro cercado do rio Jordão, com passarinhos piando ao fundo, Pastor Everaldo pergunta ao novo membro do PSC (Partido Social Cristão): “Jair Bolsonaro, você acredita que Jesus é o filho de Deus?”.

Pagam, cada um do grupo, não mais que US$ 10 no aluguel da túnica branca que vestiriam para o batismo. Trocam de roupa no vestiário e mergulham nas águas onde diz a Bíblia que Jesus Cristo se deixou batizar por João Batista dois milênios atrás.

Tudo antes do almoço num dos tradicionais restaurantes à beira do mar da Galileia, na verdade um lago de água doce farto no tipo de tilápia que nutria Jesus e seus apóstolos.

A viagem do então deputado Bolsonaro de seis dias por Israel serviu a dois propósitos que desembocariam na mesma avenida eleitoral.

O primeiro foi pavimentar uma plataforma conservadora com apelo a evangélicos, base que vê o sionismo com simpatia. Segundo: costurar um alinhamento quase irrestrito ao Estado, mesmos passos tomados pelo ídolo americano Donald Trump, que naquele ano ganharia as chaves da Casa Branca.

Na Câmara desde 1991, Bolsonaro havia se filiado ao PSC em março de 2016, a convite de Everaldo. A legenda de porte miúdo ganhara alguma projeção no pleito presidencial anterior, quando o pastor da Assembleia de Deus Madureira concorreu. Muito barulho para pouco voto —teve a preferência de 0,75% do eleitorado.

Não era segredo para ninguém que Bolsonaro tinha saído do PP para se lançar ele próprio à Presidência em 2018. Everaldo o anunciou como pré-candidato no ato de filiação, no qual o novato na casa foi saudado pelo colega Marco Feliciano: “O PSC é o partido dos peixinhos, e agora recebemos um tubarão branco do Rio”.

Dois anos antes, os dois se encontraram na convenção da sigla que já abrigava Eduardo Bolsonaro, meses depois eleito deputado pela primeira vez.

“Olha como vai sair na reportagem: os dois maiores héteros e o homem que toca todas as mulheres”, gracejou Feliciano ao tirar uma selfie com Bolsonaro e Dr. Rey, cirurgião plástico conhecido por Dr. Hollywood e outro aspirante a uma vaga no Congresso —este sem êxito nas urnas.

O flerte com o PSC não teve vida longa, e Bolsonaro acabou conquistando o Palácio do Planalto pelo PSL. Mas, num fervilhante 2016, o partido ainda era seu plano A. E foi numa comitiva liderada por Everaldo que ele, acompanhado dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos, embarcou para Israel em maio. Uma estratégia para vincular sua imagem à do sionismo, causa cara à base evangélica que buscava atrair.

O entrosamento com esse segmento cristão ia bem, obrigado. O católico Bolsonaro havia se casado com a evangélica Michelle em 2013, numa cerimônia conduzida pelo pastor Silas Malafaia. O entusiasmo nas igrejas por ele ganhava voltagem, embora àquela altura quase ninguém botasse fé na sua ambição pelo posto mais alto do Executivo nacional.

Semanas antes da temporada no Oriente Médio, o deputado usou sua vez no microfone, na sessão da Câmara que votou o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), para saudar um notório torturador da ditadura: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma”.

Na juventude, a petista combateu o regime militar, e por isso foi submetida a choques e pau de arara na prisão.

O batismo no Jordão, no 12 de maio, coincidiu com o dia em que senadores afastaram Dilma do cargo e aprovaram a abertura do processo que acabaria selando sua destituição. Um acaso, e não uma provocação planejada, segundo Everaldo, preso em 2020 numa operação da Polícia Federal. Deixou a cadeia no ano seguinte e hoje é vice-presidente do Podemos, partido que incorporou o PSC em 2022.

Antes de afundar o corpo todo de Bolsonaro no rio israelense, o pastor questiona se ele acredita que Jesus “morreu na cruz”, “ressuscitou”, “está vivo para todo o sempre” e é o “salvador da humanidade”. Sim para tudo.

“Mediante sua confissão pública, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” Ao puxar Bolsonaro de volta, faz troça: “Peso pesado!”. Os filhos do futuro presidente do Brasil também topam a imersão.

Outros nomes do PSC se juntaram ao clã Bolsonaro no tour israelense, como Filipe Soares, filho de um graúdo líder evangélico, o missionário R.R. Soares, Leonardo Gadelha, que presidiu o INSS na curta Presidência de Michel Temer (MDB), e Noraldino Júnior, hoje no PSB, legenda aliada ao governo Lula (PT).

O mergulho no Jordão colaborou para uma falsa ideia fartamente propagada sobre Bolsonaro, a de que é evangélico. Não é. Ele se declara católico, mesma crença da devota dona Olinda, sua mãe, morta em 2022. Nunca foi de ir a missas, mas o mero fato de se batizar pelas mãos de um pastor evangélico não significa conversão automática.

Everaldo exemplifica com a passagem bíblica sobre um eunuco que perguntou o que o impediria de ser batizado e escutou de resposta: bastava crer em Jesus Cristo.

Bolsonaro hoje é o que o sociólogo da religião Paul Freston definiu como “um candidato híbrido ideal” e “talvez o primeiro presidente pancristão”, agregando bônus eleitorais da identidade evangélica e evitando as desvantagens.

A religiosidade foi apenas uma porção da viagem. O comboio brasileiro também se reuniu com o presidente do Knesset, o Parlamento israelense.

Eduardo Bolsonaro disse, em registro nas redes sociais, que Yuli-Yoel Edelstein aproveitou a ocasião para expressar “seu desapontamento com o governo do Brasil que, sem motivo plausível, negou a credencial do embaixador de Israel no Brasil”.

Assessor especial de Dilma para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, que morreria no ano seguinte, declarou que Israel deu um “passo em falso” ao indicar o diplomata Dani Dayan para o cargo. Ele se dizia contra a criação de um Estado palestino e morava num assentamento israelense na Cisjordânia —o que contrariava a posição formal do Brasil contra a ocupação, espelhada na Corte Internacional de Justiça, da ONU.

Eduardo ironizou que Dayan “foi ser embaixador nos EUA” (cônsul-geral de Israel em Nova York, na verdade) e acusou a gestão petista de “privilegiar acordos com o Hamas”, o que faria “o Brasil aliar-se à escória do mundo e tornar-se um anão diplomático”.

Um dia após a ida ao Knesset, Flávio Bolsonaro, o primogênito de Jair, postou um vídeo da família num ato “em homenagem aos que tombaram por Israel”, deferência a soldados mortos em conflitos regionais.

Aquela semana ajudou seu pai a esculpir a imagem de “amigo de Israel”, que o levou a ser convidado a falar no clube Hebraica do Rio em 2017. Já a toda com seu plano de se mudar para o Palácio da Alvorada, Bolsonaro testou ali algumas das agendas extremistas que se tornariam praxe em sua campanha presidencial.

O então pré-candidato narrou a visita a um quilombo onde “o afrodescendente mais leve lá pesa sete arrobas”, adicionando na sequência achar que os descendentes de escravizados “nem pra procriadores servem mais”.

Também explicou para o público judeu que pretendia recepcionar venezuelanos refugiados que chegam ao Brasil em “campos de refugiados”, o que lhe garantiu gritos de “mito”.

Aproveitou ainda para ecoar no Hebraica seu bordão eleitoral “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Adaptado do lema dos paraquedistas brasileiros, o grito de guerra tem notas do slogan nazista “Alemanha acima de tudo”, como reparou o historiador Michel Gherman no livro “O Não Judeu Judeu – A Tentativa de Colonização do Judaísmo pelo Bolsonarismo”.

Do lado de fora, membros da comunidade judaica protestavam contra a presença do parlamentar. O cisma entre judeus naquele dia refletiu a polarização que até hoje infecta o país.

Anna Virginia Balloussier/Folhapress

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