Alvo do corte de gastos do governo Lula, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) tem mais de 963,3 mil processos à espera de julgamento em diferentes tribunais, mostram dados do DataJud compilados pela coluna. A maioria deles remete a pessoas com deficiência, para as quais há 854,1 mil ações aguardando uma decisão para pagar o benefício. Outros 109,2 mil são voltadas a idosos.
A imensa maioria das ações recai sobre os Tribunais Regionais Federais (TRFs). O TRF da 1ª Região (TRF-1) – que atende Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins – tem 405,2 mil casos sobre BPC, o equivalente a 42%.
Já o TRF da 5ª Região (TRF-5), que atua em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas e Sergipe, ocupa o segundo lugar, com 298,6 mil processos (ou 31% do total). A terceira posição é do TRF da 3ª Região (TRF-3), que compreende São Paulo e Mato Grosso do Sul e soma 95,1 mil processos.
Confira:
Não é possível afirmar que os 963,3 mil casos se refiram à mesma quantidade de pessoas. Isso ocorre porque há possibilidade de haver ações coletivas.
Quanto tempo levam as ações sobre BPC
O painel aponta que ações sobre BPC levam, em média, quase um ano até o primeiro julgamento.
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), por sua vez, é a Corte que mais leva tempo para decidir: 4 anos, 2 meses e 5 dias – ou 1.525 dias. Em seguida, vem o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), com 3 anos, 3 meses e 10 dias (ou 1.195 dias). O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), por sua vez, contabiliza 3 anos, 1 mês e 9 dias (ou 1.134 dias) em média.
Veja:
“Um dos efeitos mais imediatos desses dados é potencializar esse cenário e, automaticamente, também, o tempo de espera, porque a judicialização nada mais é do que a dificuldade de acessar o direito que deveria ser garantido”, afirmou a professora de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB) Hayeska Barroso.
O DataJud, base de dados desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reúne informações de processos em tribunais brasileiros de janeiro de 2020 até outubro de 2024. No caso em questão, a coluna filtrou os benefícios assistenciais voltados exclusivamente aos dois públicos.
Recorde de ações em 2024
O número de processos sobre o benefício para pessoas com deficiência bateu recorde neste ano – ainda que os dados sejam parciais, até outubro –, considerando números desde 2020. O montante subiu 25,1% em relação ao ano passado: são 854,1 mil em 2024 ante 682,4 mil em 2023. O aumento é puxado, sobretudo, pelo crescimento de casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), devido ao maior acesso ao diagnóstico.
Já o de idosos caiu 39,5%. Neste ano, a soma alcançou 49,7 mil ações até outubro, em comparação às 82,1 mil de 2023.
O BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), paga um salário mínimo mensal a idosos a partir de 65 anos e a pessoas com deficiência de baixa renda. Nesse último caso, devem existir impedimentos que as impossibilitem de participar efetivamente da sociedade, segundo a definição do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
O alto número de benefícios concedidos nos últimos anos tem pressionado o governo em relação às contas públicas. No atual cenário de corte de gastos, o BPC entrou na mira do governo federal – o que pode vir a impactar na concessão de novos benefícios, segundo o professor de Economia da UnB Carlos Eduardo Ramos:
“Em termos macroeconômicos, tem muita influência. Teoricamente, está se fazendo uma triagem mais cuidadosa, mais criteriosa para evitar fraudes, assim como em muitos programas”, disse.
Para obter o benefício atualmente, é necessário que a renda por pessoa da família seja igual ou menor a 25% do salário-mínimo e inscrição no Cadastro Único. Além desses critérios, pessoas com deficiência também precisam passar por avaliação médica e social no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“O cálculo per capita é muito restritivo. Ele focaliza o que já é focalizado, é seletivo. E essas propostas de mudança mais recentes colocam isso no centro do jogo”, continua Barroso.
Como o Metrópoles mostrou, há três ideias de mudança. A primeira reside em somar rendimentos brutos mensais de membros da família, sem deduções previstas em lei. Já a segunda quer revogar a não contabilização de benefícios da seguridade social de um membro da família para ser elegível ao BPC. A última passa por mudar a definição de família, permitindo a adesão de membros sem coabitação em casos específicos.
Não se trata de aposentadoria. Por isso, para recebê-lo, não é necessário já ter contribuído para o INSS. “O BPC não vai possibilitar a saída da condição de vulnerabilidade social, mas vai possibilitar melhoria de alguns aspectos da qualidade de vida”, finaliza a docente.