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Castro perdeu condição de liderar crise no RJ, diz membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 

A cidade do Rio de Janeiro viveu um episódio de terror na última segunda-feira, 23, em razão dos ataques ocorridos na zona oeste da capital fluminense, quando 35 veículos foram queimados, sendo 20 da operação municipal, cinco BRTs e outros dez de turismo e fretamento. Os ataques foram uma retaliação de um grupo criminoso após a Polícia Civil matar o número 2 da principal milícia da cidade e sobrinho do miliciano Zinho. O caso ganhou as redes sociais e mobilizou autoridades e a opinião pública, sendo considerado mais um episódio que escancara a crise de segurança pública no Rio. Na análise de Rafael Alcadipani, professor titular da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tal demonstração de força das milícias é inédita: “Existem outros momentos em que isso aconteceu no Rio de Janeiro, mas era quando você tinha a morte de traficantes. Traficantes eram mortos e o tráfico ordena que aquela população tome atitudes para demonstrar a insatisfação, que é o que está acontecendo. “No caso, os milicianos estão querendo mostrar sua insatisfação. Então, tem outros históricos. O que estamos vendo é que os milicianos estão copiando uma estratégia, uma tática utilizada pelos narcotraficantes”, explica o especialista em segurança pública ao site da Jovem Pan.

A grandeza do ataque, além de causar pânico na população, forçou a reação de autoridades a nível municipal, estadual e federal. Em coletiva de imprensa após o ocorrido, o governador Cláudio Castro anunciou que prendeu 12 pessoas por colocarem fogo nos veículos e afirmou que o grupo vai responder por “atos terroristas”. Além disso, o mandatário também prometer não medir esforços para deter Zinho e outros dois grandes milicianos conhecidos como Abelha e Tandera, o que significa uma espécie de resgate da política de “inimigo público nº 1”, popular no Estado desde os anos 90, como aponta Alcadipani. “Não é a primeira vez no Rio de Janeiro que se elegem inimigos públicos número um. Tivemos o Fernandinho Beira-Mar e tantos outros que apareceram nessa situação”, explicou o professor da FGV. Ele ressalta, no enquanto, que a postura não contribui, de fato, para desarticular o poder do crime organizado: “O Rio de Janeiro é um caso internacional de fracasso em relação ao enfrentamento ao crime organizado e na segurança pública (…) Infelizmente, o governador Cláudio Castro não tem uma postura firme o suficiente para fazer o trabalho que ele tem que fazer de coordenação da segurança pública. E a minha avaliação é que ele virou meio refém das instituições policiais do Estado”.

O especialista aponta que a conexão histórica de certos policiais com as milícias é um empecilho para a atuação do Estado no combate o crime: “Tem muito policial sério, muito policial honesto e muito policial capacitado. Mas, infelizmente, muitos policiais estão relacionados com a milícia e ligados ao tráfico. Precisa fazer um corte na própria carne. Isso é um problema histórico no Rio de Janeiro, essa corrupção policial”, acrescentou. Rafael Alcadipani pondera que um dos fatores que dificulta o estabelecimento de novas iniciativas para renovar as forças de segurança é o de que, desde 2019, não existe mais na estrutura do Estado uma Secretaria de Segurança Pública que seja responsável pelo planejamento integrado das polícias. “E não vemos o governador fazendo nada. O que a gente vê é um loteamento de cargos para políticos. Um governador que perdeu a condição completa e total de liderar a segurança pública no seu Estado”, critica.

Nesta semana, o governador do Rio de Janeiro participou de reuniões em Brasília onde, entre outras agendas, solicitou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para debater o endurecimento da legislação penal. Além da criação da CPMI, o governador apresentou ao presidente da Câmara um conjunto de cinco propostas para a área de segurança pública, pautas sobretudo no fim da progressão de pena. Na análise de Rafael Alcadipani, as propostas não ajudam a curto prazo e servem para Castro desviar o foco da sua gestão. “Castro tenta fazer uma cortina de fumaça para tirar a responsabilidade daquilo que lhe cabe. Isso são coisas que demorariam muito para serem feitas e querem jogar no Congresso uma responsabilidade que é dele, da gestão cotidiana da segurança pública do seu Estado, e que está destruída”, argumenta.

Intervenção federal

Ainda que a situação demonstre uma incapacidade de Claudio Castro de atuar frente ao cenário no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descartou a possibilidade de uma intervenção federal no Estado. “Não queremos lavar as mãos. Vamos ver como podemos entrar e participar. Não queremos pirotecnia. Não queremos intervenção no Rio, que não ajudou em nada. Não queremos tirar autoridade do governador ou do prefeito. Queremos compartilhar uma saída”, disse o chefe do Executivo ao longo da semana. O professor Rafel Alcadipani concorda que a intervenção nas forças de segurança, como feita em 2017, não é o melhor caminho pois “gastou-se bilhões de reais e não teve uma resposta efetiva”. “Precisamos de uma política nacional de combate ao crime organizado. O crime organizado, ele tá no Rio de Janeiro, mas ele não tá só no Rio de Janeiro, ele tá no Brasil todo. Precisamos ter uma coisa funcionando de uma forma lógica, uma articulação de esforços das diferentes entidades, das forças de segurança, para fazer esse enfrentamento (…) A máfia na Itália existe há mais de 600 anos. Ela nunca foi derrotada, mas o poderio de fogo dela foi sendo diminuído por ações do Estado. É isso que podemos fazer”, analisa.

Após reunião entre Lula, os ministros da Defesa e da Justiça e os comandantes das Forças Armadas, ficou acordado que o governo deve anunciar, na próxima semana, um pacote de medidas para reforçar a segurança pública do Rio. Entre as iniciativas, segundo o ministro Flávio Dino, há o fortalecimento de três áreas de competência federal: os portos, os aeroportos e as fronteiras terrestres brasileiras. Para isso, militares e agentes federais devem ser alocados para fortalecer a segurança dos terminais do Estado. A respeito desta medida do governo federal, Alcadipani classifica o uso das Forças Armadas como uma solução recorrente e pouco eficaz e sugere que a estratégia correta seria unir a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Civil em uma força-tarefa com o Ministério Público e Judiciário. “Você tem que ir para cima de uma forma estruturada e organizada. Que o comandante da polícia, que é o governador, faça a sua função, e que o governo federal também auxilie nessa troca de informações. Agora, infelizmente, essa coisa das Forças Armadas não é algo que tem resolvido o problema no Rio de Janeiro”, conclui.

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