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Cerca de 60 professores cobram indenizações à Ucsal meses após demissão em massa

Profissionais enviaram carta aberta ao grão-chanceler da instituição, o cardeal Dom Sérgio da Rocha

Após 40 anos — ou mais de metade de sua vida — lecionando nos cursos das engenharias Civil e Mecânica e de Arquitetura e Urbanismo, o professor Nilton Góis, 72, foi demitido da Universidade Católica do Salvador (Ucsal) em julho deste ano, sem qualquer justificativa. Com dificuldades financeiras por ter assumido compromissos contando com o salário pago pela Ucsal, ele afirma que o valor correspondente ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não contabilizava os três anos anteriores a sua demissão. 

Nilton faz parte do grupo de cerca de 60 professores que cobra indenizações trabalhistas à mais tradicional universidade privada da Bahia. Majoritariamente demitidos entre julho e agosto, eles acusam a Ucsal de nem sequer ter dado alguma satisfação quanto à quitação dos pagamentos. “A sensação [é] de estar sendo vítima de um engodo, pois nem ao menos fui chamado, como a grande maioria [não foi], para ser informado sobre o valor que teria direito”, diz o professor. 

Segundo números de relatórios da própria Ucsal, de 2010 a 2020, o número de professores caiu de 751 para 352, ou seja, 53% a menos. No mesmo período, a queda no número de alunos foi de 30%. 

Na segunda-feira (19), uma carta aberta ao grão-chanceler da instituição de ensino superior, o cardeal Dom Sérgio da Rocha, foi divulgada pelo grupo. No texto, os profissionais alegam que têm sido submetidos a “tratamento institucional desumano, degradante e amoral/imoral, incorrendo numa larga faixa de problemas ao grupo, que vão desde problemas de saúde mental a danos morais”. Eles afirmam crer que “há uma tentativa de calote” por parte da instituição. 

Assim, pedem a Dom Sérgio da Rocha “que cumpra o seu papel estatutário de ‘III. zelar pelo respeito à integridade dos princípios da doutrina e da moral católicas […] e XI. favorecer o diálogo e relacionamento entre a Universidade e a Igreja, bem como entre os membros da comunidade acadêmica’”. 

Ações judiciais 

Alguns componentes do grupo estão entrando com ação na Justiça. Mas, segundo um ex-coordenador da Ucsal que preferiu preservar sua identidade, como as ações são individuais, dificulta o cálculo do montante devido pela instituição. “O fato é que ainda não houve, pelo que sei, nenhum caso com decisão judicial. Esses processos podem durar anos”, conta o ex-funcionário, demitido em agosto, depois de cinco anos de serviços prestados. “Por isso, as empresas inescrupulosas usam esse recurso: pois sabem que não terão que desembolsar nada imediatamente e vão empurrando com a barriga”, opina o homem.

Além disso, como relatado na carta aberta ao grão-chanceler da universidade, há pessoas que não têm condições financeiras para arcar com a contratação de um advogado. Marcelo Peres, 54, por exemplo, é uma delas. “Só vou pagar se o advogado obtiver êxito, pois é um amigo”, confessa o professor de Ciências Biológicas, que atuou na instituição durante 21 anos e hoje vive de contrato temporário, em Regime Especial de Direito Administrativo (Reda), e de economias feitas ao longo da vida. 

Aguardando ser convocado para assinar sua rescisão, Marcelo, até agora, conseguiu sacar apenas o FGTS da mantenedora da Ucsal, a Associação Universitária e Cultural da Bahia (Aucba), sendo que a maior parte do valor do benefício a que tem direito está no FGTS da própria universidade. “Não recebi nem 1 centavo da rescisão. Além disso, desde 2017, a Ucsal não faz o depósito no FGTS”, lamenta-se o profissional. 

Procurada, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia orientou a reportagem a entrar em contato diretamente com a Ucsal. Por meio de nota publicada no site da instituição, a Aucba informa que “está se empenhando ao máximo para a superação das dificuldades levantadas quanto ao adimplemento das verbas rescisórias de seus ex-colaboradores”. 

Diz ainda que, apesar das dificuldades econômicas provocadas pela covid-19, “não tem se eximido da adoção de medidas para solver os débitos aludidos, inclusive com a mediação das instâncias sindicais respectivas, com propostas de negociação formuladas desde agosto deste ano”. 

Direitos dos professores 

De acordo com o advogado Benito Fernandez Neto, especialista em Direito do Trabalho, como qualquer empregado de empresa privada, os professores têm direito às verbas rescisórias referentes à demissão sem justa causa. Entre elas, são verbas básicas: 

– Aviso prévio indenizado, conforme o tempo de serviço; 

– Férias proporcionais; 

– Décimo terceiro salário proporcional; 

– Liberação dos depósitos de FGTS feitos ao longo da relação de emprego, acrescidos de uma multa de 40% sobre o valor desses depósitos; 

– Liberação de documentos e guias, para que os profissionais possam se habilitar ao Seguro-desemprego. 

“Importante dizer também que, se a [Universidade] Católica não pagou as verbas rescisórias no prazo de dez dias, o professor tem o direito de receber uma multa no valor do seu salário”, lembra Neto. Soma-se a isso o fato de o presente caso tratar-se de uma despedida em massa. “Como tal, deveria ter a participação do sindicato, o que reforça a abusividade da conduta da Católica”, conclui o advogado. 

Problema já é antigo e há ações milionárias, diz Sinpro

Segundo o coordenador-geral do Sindicato dos Professores no estado (Sinpro-BA), Allysson Mustafa, o problema da Universidade Católica do Salvador quanto à violação de direitos trabalhistas já é antigo, com processos judiciais em aberto há mais de uma década. “Sem contar que, de quatro ou cinco anos pra cá, aumentou muito o volume de questões judiciais e extrajudiciais com relação à Católica”, conta Mustafa. 

O coordenador-geral do Sinpro afirma que há processos antigos que ‘tramitam na casa do milhão’. “Eu não posso precisar o valor, mas posso dizer, com a mais absoluta tranquilidade e certeza, que a soma é muito grande”, assegura o sindicalista. Embora já considere a situação complicada, Mustafa acredita que a dificuldade, por parte da Ucsal, para quitar os débitos trabalhistas possa se acentuar.  

Ele atribui isso ao aumento da concorrência e à consequente diminuição do número de alunos.  Segundo números da própria instituição, em relatórios e divulgações passadas, a Ucsal tinha 13 mil alunos em 2008. Dois anos depois, o número caiu para 11 mil. Em 2018, já eram 8.414 e, em 2020, 7.829, ou seja, 40% a menos que em 2008.

“Mas é preciso também fazer a leitura que parte dessa perda de alunos se deve ao fato de que a imagem da instituição vai ficando arranhada, porque evidentemente as informações são públicas”, observa ele. 

Em julho, o Ecossistema Brasília Educacional, que tinha assumido a gestão das atividades da Ucsal, informou ao CORREIO estar ciente das dificuldades financeiras da instituição baiana e que pretendia ‘dar fôlego’, para poder resolver as demandas. Para Mustafa, porém, esses grupos empresariais nacionais e internacionais que vêm pra cá ‘em busca de lucro’.  

“Um grupo desse não vai buscar uma parceria com a Universidade Católica que não seja para obter lucro. […] Você vai manejar essas dívidas [trabalhistas e de outras naturezas], e isso vai causar prejuízo a alguém. Essa é a matemática”, avalia ele. 

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