São Paulo — Ao reconhecer a pastora Denise Seixas como presidente interina e vice-presidente da Bola de Neve, a 12ª Vara Cível, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), determinou também que a diretoria administrativa e o conselho deliberativo da instituição permaneçam com a composição vigente antes da morte de Rinaldo Luiz de Seixas, o fundador da igreja evangélica. Conhecido como apóstolo Rina, ele faleceu em novembro do ano passado devido a um politraumatismo depois de um acidente de moto.
Na decisão, de quinta-feira (9/1), a juíza Camila Bariani determina que a viúva de Rina assuma o comando, em meio a uma ampla batalha judicial da cantora gospel contra o colegiado. No entanto, com a finalidade de assegurar a estabilidade administrativa, a magistrada mantém o “corpo diretivo” da sede religiosa.
Presidente interina
O novo entendimento da Justiça anula o que foi estabelecido em uma reunião extraordinária de 18 de novembro passado, um dia após a morte de Rina. Na ocasião, o colegiado elegeu Gilberto Custódio de Aguiar como vice-presidente interino.
“Concomitantemente à temporária atuação da Sra. Denise como presidente interina e vice-presidente, é necessário que se estabeleça diretoria administrativa e conselho deliberativo interinos, de modo que a administração patrimonial da igreja evangélica Bola de Neve seja viabilizada durante o trâmite do presente processo”, deliberou Camila Bariani.
No entanto, a juíza ponderou que o estatuto social da organização religiosa tem lacunas nesse sentido. “Concentra grande parte dos poderes decisórios apenas na figura do presidente — o que se mostra temerário, diante do atual cenário conflituoso para definição da presidência”, apontou.
A magistrada mencionou que as cláusulas do regulamento preveem que a diretoria administrativa da Bola de Neve é composta por um(a) presidente e um(a) vice-presidente, que são cargos periódicos, além de um(a) secretário(a) e um(a) tesoureiro(a), com mandatos por tempo indeterminado. Ela destacou ainda que não há registros de renúncia por parte do atual tesoureiro, Rui Clivatti, e da secretária, Cristiane Clivatti.
Por outro lado, citou que há apontamentos de renúncias de membros que compunham o conselho deliberativo. “Pelo o que se depreende da narrativa das petições, este órgão desempenha função de suma importância na gestão da organização religiosa”, observou a decisão.
Na impossibilidade de atuação interina, a Justiça deliberará sobre a viabilidade de nomeação de administrador judicial provisório.
Posicionamentos sobre o comando da Bola de Neve
Procurado pelo Metrópoles, nessa segunda-feira (13/1), o conselho deliberativo garantiu que recorrerá da decisão da 12ª Vara Cível. “Importante frisar que, apesar de qualquer recurso, o despacho reconhece que o conselho deliberativo e a diretoria administrativa continuam tendo poder decisório no âmbito da instituição”, argumenta.
“Para a Igreja Bola de Neve, continua válida a renúncia assinada pela pastora Denise Seixas em 27 de agosto, um ato jurídico perfeito que não poderia ser ignorado, uma vez que a própria Denise o reconheceu como válido ao receber as importâncias financeiras devidas e previstas pelo acordo firmado naquela ocasião — o acordo previa a renúncia e pagamentos mensais que já ultrapassaram R$ 330 mil”, completa o colegiado, em nota.
Por meio do advogado Anderson Albuquerque, Denise disse que o principal propósito é “seguir com as atividades da igreja que tem como objetivo maior salvar vidas”.
A defesa da pastora alega ainda que um novo conselho será estabelecido em breve. “Estão sendo feitas reuniões para a escolha de pessoas que possuem uma postura correta e ilibada. O que se busca é lisura, transparência e capacidade técnica”, detalha Albuquerque.
Acordo de divórcio entre Denise e Rinaldo
Depois da decisão de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que anulou o divórcio de Denise e Rinaldo, membros da direção da igreja evangélica falam que a pastora nunca deixou de receber valores acordados no contrato. Segundo o colegiado, desde agosto, a cantora gospel já embolsou cerca de R$ 340 mil.
A 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP manteve uma decisão de primeira instância. Com o entendimento, proferido em 18 de dezembro pelo relator Edson Luiz de Queiroz, a cantora gospel se tornou, perante a Justiça, viúva de Rina. Não sendo mais ex-esposa de Rina, os acordos feitos por Denise durante o processo de separação, que não chegou a ser homologado, perderiam a validade.
O colegiado da Bola de Neve expõe que Denise assinou o acordo em 27 de agosto de 2024. O documento de divórcio, ao qual o Metrópoles teve acesso em novembro, mostrava que a pastora havia renunciado ao cargo de vice-presidente da Bola de Neve.
Representado pelos advogados Antônio Palma, Antonio Dourado, Luís Antônio Ribeiro e Renato Armoni, o colegiado acusou a pastora de invadir a igreja. O grupo entende Fábio Santos e Gilberto de Aguiar como líderes da instituição.
Por meio de nota, via assessoria de imprensa, em 7 de janeiro, o conselho detalhou que o combinado, supostamente oficializado com o aval de advogados de Denise, tratava de diversos temas relacionados à separação de Rina, inclusive o pagamento de pensões e prebendas, assim como do aluguel do apartamento em que a cantora gospel mora.
“Desde o fim de novembro, Denise vem negando a validade do acordo. Entretanto, a pastora nunca deixou de receber os valores previstos pelo instrumento. São R$ 8.183,82 mensais de aluguel, R$ 25 mil mensais de pensão e R$ 10 mil mensais como pastora. Nos últimos cinco meses, incluindo janeiro de 2025, a soma chegou a R$ 215.919,10, além de R$ 123 mil usados na compra de móveis e eletrodomésticos para o apartamento. Um total de R$ 339 mil, aproximadamente”, destaca a nota.
“Em nenhum momento, desde que passou a publicamente questionar o que havia assinado, a pastora cogitou a hipótese de abrir mão dos benefícios ou devolver os valores”, completa.
Em prints datados de novembro, obtidos pelo Metrópoles, a pastora chegou a cobrar pagamentos, mesmo após a morte do apóstolo Rina. “Tais informações são de ciência do Poder Judiciário”, finaliza o conselho deliberativo.
Procurada pela reportagem, a defesa de Denise Seixas nega que ela tenha embolsado as quantias citadas. “Ela não recebe nada porque não houve acordo, estão simulando isso”, assegura o advogado Anderson Albuquerque.
Disputa judicial
Nos últimos meses, diferentes ações causaram reviravoltas na briga pelo comando da instituição religiosa. Depois de a direçãoF conseguir um mandado de reintegração de posse, que autorizou até arrombamento para tirar Denise da sede da Bola de Neve, na zona oeste da capital, ela obteve uma decisão em outra vara da Justiça paulista.
No dia 12 de dezembro, o juiz Fabio Evangelista, da 45ª Vara Cível, citou que o documento da separação entre Denise e Rina nunca chegou a ser homologado pela Justiça e, por isso, “perdeu efeitos”. A Justiça também reconheceu parcialmente o pedido da cantora gospel para afastar o então conselho deliberativo da igreja evangélica.
Com isso, Denise argumentava que permaneceria como vice-presidente da Bola de Neve, e que caberia a ela a sucessão do comando da igreja após a morte de Rina, ocorrida em 17 de novembro.
Denúncia de desvio de dinheiro
Everton César Ribeiro e outros integrantes da direção da Bola de Neve são acusados de desvio de dinheiro e de terem feito movimentações financeiras na conta do apóstolo Rina. Na denúncia, Denise afirma que a Bola de Neve é composta por aproximadamente 560 templos, com uma arrecadação que pode alcançar R$ 250 milhões por ano.
Conforme documento obtido pelo Metrópoles, a SIAF Solutions Serviços de Tecnologia Limitada, registrada no nome de Ribeiro, controlava a receita com dízimos e taxas e arrecadou cerca de R$ 492 mil por meio de 57 notas fiscais reunidas. A empresa de softwares, que também prestaria serviços para outras igrejas evangélicas, fornece maquininhas de cartão.
O objetivo seria supostamente “centralizar ao máximo toda a arrecadação de dízimos e doações”, segundo a denúncia. “Há a aplicação de uma taxa que pode variar de 3% a 5% sobre o total arrecadado nos templos da Igreja Bola de Neve”, diz a peça.
Entre as acusadas, também está a empresa Green Grid Energy, fundada por Ribeiro e responsável por serviços de consultoria financeira à igreja. O arquivo enfatiza que a companhia, criada em maio deste ano, declarou faturamento de R$ 6 milhões.
Outra empresa citada na denúncia é a Filhos do Rei Serviços de Conservação, que tem como sócia Kelly Cristina Ribeiro Bettio, irmã de Everton Ribeiro. Ela emitiu notas fiscais que chegam a um valor milionário, “embora não se tenha clareza acerca da natureza dos serviços contratados” pela Bola de Neve.
“Ao questionar os vizinhos sobre o endereço indicado como sede da empresa, foi informado que o local é uma residência”, afirma a ação judicial movida por Denise Seixas pedindo para que nenhum documento da igreja que não tenha sido assinado por ela seja validado em cartório, incluindo o da posse da diretoria que assumiu a Bola de Neve após a morte de Rina.
Procurada anteriormente pelo Metrópoles, por meio de advogado, Denise Seixas afirmou apenas que “há uma comunicação judicial de indícios de irregularidade junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo, que tramita perante a 17ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, em segredo de Justiça”.
Já a direção da Bola de Neve disse que a gestão está “totalmente de acordo com a legislação e boas práticas de conformidade”. O colegiado também assegurou que a igreja segue à disposição para prestar esclarecimentos às autoridades competentes.
“Há mais de uma década, as contas e contratos da organização são auditados anualmente e aprovados sem restrições por empresa multinacional, cuja expertise e seriedade são reconhecidas pela qualidade e regularidade dos serviços prestados. Os contratos questionados, aliás, datam de um período em que a própria pastora Denise fazia parte da direção da igreja”, apontou, em nota.
Citado na denúncia, Everton César Ribeiro argumentou que Denise Seixas faz acusações falsas e responderá na Justiça. “Nossos contratos são regulares e auditados e foram firmados quando a pastora ainda ocupava a direção da igreja, o que permite concluir que ou ela age com má-fé ou omissão.”
Bens de Rina
Em 16 de dezembro, a Justiça de São Paulo negou o pedido da pastora Denise Seixas para ser inventariante dos bens de Rina. Na decisão, o juiz José Walter Cardoso, da 9ª Vara da Família, acatou os argumentos do filho mais velho do casal, Rinaldo Neto, de 19 anos, e o nomeou como responsável pela listagem de posses. Ele terá dois meses para providenciar os documentos necessários.
Denise havia entrado com uma petição em 28 de novembro. No entanto, o primogênito alegou que a certidão de inventariante do pai não poderia ser concedida à própria mãe, sob o entendimento de que o casal estava separado desde junho, quando inclusive a cantora gospel obteve uma medida protetiva contra o líder da instituição religiosa.
Em e-mail enviado à direção da Bola de Neve, na noite de 23 de novembro passado, seis dias após a morte de Rina, Denise Seixas negou ser ex do fundador da instituição. Na mensagem, obtida pelo Metrópoles, a cantora gospel se descreveu como esposa do fundador da igreja e citou que pretendia reatar o casamento.
No texto, Denise anunciou que assumiria a presidência da instituição, conforme previsto no estatuto social da instituição, segundo ela. A pastora ainda marcou uma reunião com o colegiado administrativo da organização religiosa para 25 de novembro.