São Paulo — Trocas de e-mails entre a defesa de Vinícius Gritzbach e promotores do Ministério Público de São Paulo (MPSP) mostram tensão nas tratativas para que ele firmasse um acordo de delação premiada sobre lavagem de dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC). Ao longo da negociação, que durou meses, ele tentou blindar ao máximo seu patrimônio, que inclui uma longa lista de imóveis, lanchas e até um helicóptero. Isso levou os promotores a ameaçaram rejeitar a proposta de colaboração.
Executado com tiros de fuzil na saída do desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na sexta-feira (8/11), Gritzbach fez uma delação premiada na qual entregou detalhes de como lavou dinheiro com bitcoins e imóveis para cabeças do tráfico de drogas, como Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta, ligado à empresa de ônibus UpBus, investigada por elo com o PCC. O acordo foi assinado em março deste ano e homologado pela Justiça paulista no mês seguinte.
Gritzbach foi denunciado, em 2022, pela morte de Cara Preta e de seu motorista, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, assassinados em dezembro do ano anterior. Ele sempre negou participação nos crimes, mas admitiu lavar dinheiro para o traficante e também acusou policiais que conduziram a investigação de tentativa de extorsão no valor de R$ 40 milhões para livrá-lo do inquérito. Ele chegou a ser preso e deixou a cadeia no ano passado, usando tornozeleira eletrônica.
Em dezembro de 2023, a defesa de Gritzbach enviou uma proposta de delação premiada na qual ele se comprometia ao perdimento de apenas R$ 2,5 milhões em bens, pedia para que fossem desbloqueados pela Justiça sete imóveis, um helicóptero e duas lanchas. Além disso, também pediu a liberação de outros 15 imóveis de pessoas que apenas haviam comprado com uso de seus serviços de corretor imobiliário e que, segundo ele, não tinham relação com crimes. O delator também queria perdão judicial.
Na mesma petição, requereu ainda o desbloqueio de seu visto para os Estados Unidos e proteção a ele e sua família. Em seguida, em um duro e-mail à defesa de Gritzbach, o promotor Luiz Fernando Bugiga Rebelatto, do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPSP, afirmou que “a proposta de contrapartida, nos termos em que apresentada, inviabiliza por completo o prosseguimento das tratativas de colaboração premiada”.
Segundo o promotor, os termos sugeridos “se apartam completamente de qualquer razoabilidade e das condições subjetivas previstas” pela Lei de Organizações Criminosas, que instituiu a delação premiada, “especialmente em relação à perda patrimonial de parcela ínfima do patrimônio, bem como da pretensão de isenção absoluta de responsabilidade penal”. Ele sustentou que “a proposta de colaboração deveria envolver uma repercussão patrimonial significativa”.
Para o MPSP, Gritzbach deveria aceitar a entrega de R$ 15 milhões para pagar sua multa e não poderia se discutir ausência de responsabilização criminal por seus atos. A defesa ainda tentou oferecer valores de R$ 8 milhões e R$ 10 milhões aos promotores, o que foi recusado. Ao fim, ele acabou aceitando os termos do MPSP e a delação foi homologada em abril deste ano.
Execução
Vinícius Gritzbach foi morto com tiros de fuzil após desembarcar no Aeroporto de Guarulhos na sexta-feira (8/11), voltando de uma viagem a Maceió com a namorada. Homens encapuzados desceram de um carro na área de embarque e desembarque e começaram a atirar. Houve 29 disparos, segundo a polícia. Além do empresário, o motorista Celso Araújo Sampaio de Novais morreu.
Quatro policiais militares eram responsáveis pela segurança de Gritzbach no momento do ataque. Todos estão afastados. Nos primeiros depoimentos prestados, eles disseram que, instantes antes do ataque ao empresário, pararam em um posto de combustíveis para lanchar, enquanto aguardavam a chegada do empresário.
Segundo eles, quando decidiram ir em direção ao aeroporto, uma das caminhonetes em que estavam não funcionou. Apenas um dos PMs teria ido ao local, acompanhado do filho de Gritzbach. Outro PM acompanhou o empresário na viagem a Alagoas e disse à polícia, nessa segunda-feira, não ter percebido qualquer movimento suspeito no aeroporto, segundo sua defesa.
Até o momento, ninguém foi preso. Um dos principais suspeitos é Silvio Luiz Ferreira, conhecido como Cebola, líder do PCC e ex-diretor da empresa de ônibus UpBus, acusado de lavar dinheiro para a facção enviando mais de R$ 1,2 bilhão para o Paraguai. Em abril, ele foi alvo da Operação Fim da Linha, deflagrada pelo MPSP contra a infiltração do PCC no transporte público da capital, e se encontra foragido.
Ao menos seis policiais civis citados na proposta de delação de Gritzbach também foram afastados de suas funções nessa semana, depois que os nomes vieram à tona. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) criou uma força-tarefa para investigar o crime, composta por integrantes das polícias Civil, Militar e Técnico-Científica, com a colaboração de policiais federais e membros do MPSP.