InícioEditorialDesbravando a mata: a expedição que identificou cogumelos comestíveis na Bahia

Desbravando a mata: a expedição que identificou cogumelos comestíveis na Bahia

Quando os primeiros cogumelos comestíveis começaram a ser usados no Brasil, por influência da culinária francesa, os do tipo ‘champignon’ logo se tornaram sinônimo de um produto nobre. Até hoje, vendidos em conserva nos mercados ou frescos em pequenas porções nas delicatessens, ainda são vistos por muita gente como algo pouco acessível. Mas, em muitos países da Europa, são exatamente o contrário. 

“Na França, o cogumelo é conhecido como ‘carne de pobre’. As pessoas fazem as coletas nos bosques de forma trivial. É uma fonte de proteína importante, inclusive em tempos de carne cara”, diz o chef de cozinha Caco Marinho, presidente do Instituto Ori. Enquanto isso, no Brasil, apenas mais recentemente é que mais pessoas começaram a entender o tamanho do potencial dos cogumelos comestíveis – os brasileiros mesmo, não os franceses. 

Foi pensando em desbravar espécies nativas de cogumelos silvestres e leveduras selvagens que fossem propícias para consumo que um grupo com cerca de 20 especialistas, entre chefs de cozinha, pesquisadores e produtores locais, coordenados pelo Instituto Ori, promoveu uma verdadeira expedição científica nas matas Atlântica e de Cabruca, no Sul da Bahia, no final do ano passado. 

Por cinco dias, eles percorreram as localidades e encontraram 51 espécies – entre aquelas que já se sabem ser comestíveis, as que são conhecidamente tóxicas e não devem ser comidas e as que estão sob investigação em laboratório. 

Logo na entrada do Parque Estadual da Serra do Conduru, os visitantes já podiam contar pelo menos dez espécies de cogumelos silvestres nativos. Mas a riqueza em biodiversidade daquela área de 9,2 mil hectares, localizada entre os municípios de Ilhéus, Itacaré e Uruçuca, no sul da Bahia, é muito maior. No Brasil, existem hoje cerca de 200 espécies já registradas. 

“A micota brasileira é muito rica e contém muitas espécies ainda não descobertas pela ciência. O Parque Estadual da Serra do Conduru é um hotspot de fungos, onde já detectamos três novas espécies de cogumelos”, diz o micologista José Luiz Bezerra, professor do Programa de Pós Graduação em Biologia de Fungos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), referindo-se a pesquisas anteriores.

Especialista em taxonomia de fungos, ele explica que, dessas três espécies identificadas na serra, uma é do gênero Xerocomus, outra do gênero Amanita e uma de um novo gênero ainda sem nome. 

Os primeiros resultados da Expedição Invisíveis da Mata já podem ser conferidos por qualquer pessoa. Um documentário de 35 minutos, gravado durante as incursões, foi lançado na última sexta-feira (5), na SaladeArte MAM. A ideia do projeto, que foi apoiado pelo Banco Mundial, pela Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado (SDR) e pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), é compartilhar um pouco dos saberes sobre o tema para que mais comunidades possam ter acesso aos cogumelos enquanto alimento. 

O filme está disponível neste link. Para mais informações do projeto, é possível conferir a página do instagram (/@invisiveisdamata).

Comida baiana
O projeto surgiu em um contexto de outras iniciativas para mostrar a diversidade da gastronomia baiana. A ideia era ir além do que já se conhece como culinária daqui – no caso, pratos como acarajé, caruru, moqueca e por aí vai. O grupo de chefs que, mais tarde, acabou fundando o Instituto Ori, já tinha promovido momentos de encontro com comunidades locais de diferentes regiões do estado, para trabalhar com ingredientes que iam do licuri e do umbu ao chumbinho. 

“Temos uma infinidade de maravilhas que, às vezes, nem chegam aqui na cidade ou, quando chegam, já chegam como um produto congelado. Quando chegam, muitas vezes não tem uma questão de justiça para com as marisqueiras e os pescadores, porque a remuneração deles acaba sendo muito sacrificada por atravessadores”, explica Caco Marinho, do Instituto Ori. Assim, o resultado era muitas vezes encurtar e estreitar essa relação entre os pequenos produtores e os restaurantes. 

Foi assim que chegou a vez dos cogumelos: produtos que, uma vez comestíveis, podem ser coletados em agroflorestas e também cultivados em pequenos quintais produtivos com investimento bem baixo. Em novembro do ano passado, o grupo esteve no Parque Estadual da Serra do Conduru, no Assentamento Dois Riachões e na roça de Maria Japi.

“O tempo estava bom. Aproveitamos que estava úmido, porque tinha chovido e estava muito propício. Fomos encontrando uma diversidade absurda, mas com especialistas. Jamais chegaríamos lá comendo cogumelos sem saber”, reforça. 

Um dos integrantes da expedição foi o biólogo Marcelo Sulzbacher, que é justamente um dos cientistas que hoje se dedica a desvendar a diversidade dos cogumelos nativos do Brasil. Mas ele alerta que não existe uma ‘receita de bolo’ para conseguir identificar cogumelos por aí. 

Na verdade, é uma atividade que, sem orientação devida, pode ser até perigosa pelos riscos de ingerir alguma espécie tóxica. Algumas podem até levar à morte.

“O que sempre falamos é para as pessoas fazerem atividades de capacitação com especialistas, que não precisam necessariamente ser docentes, doutores”, diz. 

As comunidades locais podem ser treinadas para começar a trabalhar com cogumelos. No entanto, é um processo demorado e que deve ser feito com cautela. 

“Mas a possibilidade de renda é muito interessante porque os cogumelos estão sendo cada vez mais valorizados. O quilo do cogumelo silvestre é interessante e os cultivados estão sendo bem trabalhados. Muitas pessoas estão procurando cogumelos de cultivo, especialmente para agricultura familiar’, acrescenta Marcelo.

Após o filme, um dos desdobramentos do projeto deve ser ensinar as comunidades a lidar com essas espécies e a comercializar. 

Cerca de 20 pessoas participaram da expedição (Foto: André Fofano/Divulgação)

Mercado
Hoje, o mercado dos cogumelos no Brasil ainda é pouco desenvolvido. Segundo a produtora de cogumelos e microempreendedora Nara Lina Oliveira, ainda que sejam vendidos em mercados e empórios, os brasileiros ainda consomem poucos cogumelos frescos. Em geral, são cogumelos que vêm da China. 

“Muitos brasileiros ainda não tiveram a chance de experimentar um cogumelo. Geralmente os cogumelos percorrem longas distâncias e os preços não são muito convidativos”, pondera ela, que comanda a Criando Cultura em Sustentabilidade ao lado do esposo, João Paulo Coutinho. 

Porém, Nara Lina acredita que o mercado tem crescido aos poucos, assim como a produção da Bahia. Por enquanto, as grandes lojas no estado ainda têm vendido mais produtos que vêm de São Paulo. Por serem perecíveis, nem sempre estão em boas condições. Assim, muitos consumidores recorrem aos cogumelos desidratados. 

“Existe uma grande oportunidade de mercado para a produção de cogumelos, especialmente se tiverem o diferencial de serem nativos, com notas de sabor distintas, de terem um composto produzidos localmente, com reaproveitamento de resíduos do dendê, do sisal, da pupunha e da cana”, exemplifica.

Uma das grandes dúvidas sobre cogumelos é se eles poderiam substituir a proteína de uma carne, por exemplo. Teriam esses fungos mais carga proteica do que os animais? Mas, como explica o chef Caco Marinho, cada cogumelo tem um índice diferente de proteínas. 

“Um professor que fez um trabalho no México percebeu como os mexicanos consomem cogumelos. Diferente da gente, que acha que tem que colocar um pouquinho no prato, eles colocam uma quantidade maior, porque a medição da proteína é pela massa”. 

Além disso, ele defende que nem toda a necessidade de proteína seja colocada na conta dos cogumelos. “Tem outras fontes de proteína, como as leguminosas e o queijo. Tem gente que precisa comer carne. O que a gente defende é que dá para comer menos carne, mas comer carnes melhores, que valorizem a questão do bem-estar animal”, acrescenta Marinho. 

Espaço
Entre os especialistas, há um consenso de que ainda existe muito desconhecimento sobre os fungos brasileiros. Muita gente nem mesmo se lembra que eles não são nem animais nem vegetais. Por isso, a pesquisadora Raquel Andrade, mestranda em Biossistemas na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), com pesquisa sobre os macrofungos da região cacaueira, disse que foi “emocionante” participar do documentário. 

Ela acredita que o cenário está mudando. “A cada dia, aumenta o número de pessoas interessadas em conhecer, estudar, produzir e consumir cogumelos, por conta de suas propriedades nutricionais e medicinais. Isso me alegra”, conta. 

Segundo Raquel, algumas espécies têm estruturas bem específicas que são facilmente reconhecíveis. “Já outras são mais difíceis, demandam um conhecimento maior. Mas só coma quando tiver certeza”, enfatiza. 

Para o professor José Bezerra, da UFPE, há uma lacuna de micologistas – os pesquisadores que estudam fungos – em todo o país. Nas universidades, o reino fungi ainda está atrelado a outras ciências, como a Agronomia, a Medicina, a Biologia e a Ecologia. 

“As universidades precisam divulgar a importância dos cogumelos na natureza e como utilizá-los na alimentação e na medicina caseira, para que o homem da mata e do campo passe a se interessar e deixar de pensar que eles são nocivos ao ser humano”, diz, defendendo que esses saberes estejam presentes desde o ensino básico. 

Além disso, comunidades locais podem ser visitadas por pessoas que consomem cogumelos, a partir de patrocínios de entidades. Outras possibilidades são a formação de uma associação de micologistas amadores na Bahia e a absorção daqueles que se formam nas universidades. “Eles passam a viver de bolsas acadêmicas e não acham emprego fixo. Isso faz com que diminua o interesse por esta profissão por parte dos estudantes”, completa.

Cogumelos podem ser produzidos em casa

Além de coletar cogumelos silvestres comestíveis, uma alternativa é plantar e cultivar esses fungos. Especialistas garantem que é possível fazer em casa, sem precisar fazer um grande investimento.

Segundo a produtora de cogumelos Nara Lina Oliveira, microempreendedora da Criando Cultura em Sustentabilidade, o cultivo precisa de apenas dois ingredientes: um composto para substrato e o micélio (popularmente chamado de “sementes”). O micélio pode ser comprado na internet de produtores especializados. 

Para cada um quilo de composto úmido, espalha-se de 50g a 100g de micélio em algum recipiente fechado. Depois de um período de 20 a 30 dias, a partir do contato com a luz e o aumento da umidade, os cogumelos frutificam. Com os cogumelos do gênero Pleurotus, uma recomendação é usar, como compostos, o capim e bagaço de cana, entre outros materiais abundantes na região. 

Os cogumelos shimeji podem ser produzidos até em baldes (Foto: Divulgação)

“A produção de cogumelos de forma artesanal requer pouco investimento para começar e alta viabilidade, sustentabilidade e rentabilidade quando vendidos localmente. O investimento inicial para uma produção familiar depende da escala que se quer produzir e da condição natural de temperatura e umidade da cidade que se está produzindo”, diz ela, ressaltando que existem cidades muito úmidas que ajudam a frutificação e a colheita, quanto as mais quentes e secas favorecem a secagem de materiais para substratos. Essas, por outro lado, necessitam de maior atenção para adaptação da condição para frutificação.

Na hora de preparar o substrato, é possível usar um triturador, assim como um local para secagem e armazenamento. Dá para fazer uma estufa de baixo custo com lonas e canos de pvc que promovem umidificação manual ou automática, seja com borrifador ou pulverizador. 

“O gasto de água e energia é mínimo. O custo e a lacuna maior é a aquisição de sementes, que geralmente vêm de outro estado e têm um custo alto do frete para quem deseja comprar em pequenas quantidades”, pondera.

Os cogumelos salmão são considerados boas opções para quem quer começar a produzir em casa (Foto: Divulgação)

De acordo com ela, as espécies mais indicadas para quem quer começar a cultivar cogumelos são o shimeji branco e marrom. Além dessas, outras do gênero Pleurotus, como shimofuri e o salmão, costumam ser viáveis. “São muito saborosos, macios, nutritivos e combinam bem com massas e grãos. Podem ser feitos ao alho e óleo e acrescentados no arroz, como um risoto”.
 

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