InícioNotíciasPolíticaDesculpe, a corrupção venceu (por Mary Zaidan) 

Desculpe, a corrupção venceu (por Mary Zaidan) 

Se a história é construída por vencedores (frase atribuída a George Orwell) e, portanto, pode ter nova leitura com o passar do tempo, a velocidade pela qual derrotados querem fazer triunfar suas narrativas, não raro a contragosto dos fatos, é perigosa. Por vezes, a tentativa de revirar a história ao avesso é tão agressiva que colide com a defesa do próprio protagonista. É o típico caso da Odebrecht, hoje Novonor.

A anulação das decisões da Lava Jato contra a empreiteira e seu príncipe herdeiro Marcelo, conferidas monocraticamente pela suprema autoridade Dias Toffoli, batem de frente com a admissão dos delitos cometidos e o mea culpa público feito pela companhia há menos de 8 anos. Em anúncio publicado em dezembro de 2016 nos maiores jornais impressos do país, a empreiteira pedia desculpas por “práticas impróprias”- eufemismo para corrupção deslavada.

“Desculpe, a Odebrecht errou”, dizia em letras maiúsculas, vermelhas, garrafais, acompanhadas de um texto em que expunha a conivência com práticas espúrias. “O que importa é que reconhecemos o nosso envolvimento”, dizia o anúncio que, ao final, prometia “virar essa página”.  Agora, virou chacota, meme, materializado com o vocábulo “não” em escrita cursiva em cada frase em que a empresa pedia as devidas desculpas ao país.

Devidas, por que naquela época ela confessava ter a corrupção como prática cotidiana.

Em sua delação, Marcelo Odebrecht afirmou ter repassado R$ 300 milhões ao PT. Disse ainda ter financiado via caixa dois campanhas eleitorais de Lula e Dilma Rousseff e do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, hoje ministro da Fazenda. Hilberto Mascarenhas, ex-executivo do grupo, contou à Procuradoria-Geral da República que entre 2006 e 2014 foram movimentados US$ 3,37 bilhões pela Área de Operações Estruturadas, vulgo departamento do suborno. Nada que Toffoli consiga apagar da história com a sua caneta.

Mesmo diante dos abusos da dupla Sérgio Moro-Delton Dallagnol na condução da Lava Jato, a pegada do ex-advogado do PT ungido por Lula ao STF foi tão violenta que perturbou os seus pares. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai recorrer das decisões de Toffoli, tanto da que suspendeu os acordos de leniência da Odebrecht, publicada em dezembro, como a da semana passada, na qual sua excelência anulou todos os atos praticados pela 13ª Vara Federal de Curitiba contra Marcelo. Além do perdão total e irrestrito, Toffoli manteve os efeitos da delação de Marcelo, algo ilógico ou, no mínimo, de difícil compreensão.

Uma entrevista do presidente da Transparência Internacional Brasil, Bruno Brandão, ao jornalista André Shalders, publicada neste sábado no site do Estadão, desfez o mistério. Ao preservar a delação, Toffoli manteve as cláusulas absurdas do acordo firmado com o empresário que impedem o Brasil de compartilhar informações com outros países. À época, a própria empreiteira admitiu ter cometido crimes em 10 países latino-americanos e dois africanos. “O Brasil se tornou um grande cemitério de provas de corrupção transnacional. Depois de exportar corrupção, está exportando impunidade”, diz Bruno.

Há chances reais de o plenário do Supremo rever, pelo menos parcialmente, as decisões de Toffoli. Mas deve fazê-lo sem romper a permissão para que a Novonor seja novamente contratada pelo governo. Isso será fácil para uma Corte que acaba de referendar as restrições da Lei das Estatais para indicações políticas de diretores e conselheiros e, ao mesmo tempo, manter os indicados por Lula. Por unanimidade. Por caminhos para lá de tortuosos, todos os togados entenderam que a liminar feita sob medida para garantir a posse de Aloizio Mercadante no BNDES, concedida em março do ano passado pelo ex-STF Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça, não podia ter seus efeitos suspensos.

Desculpe, a corrupção venceu. Para a Odebrecht/Novonor 2016 é passado. Ao lado da também ex-condenada Andrade Gutierrez. ela venceu a licitação para as obras da quase finada Abreu e Lima. Cabe lembrar que a refinaria, iniciada em 2005 em parceria com a PDVSA do então presidente da Venezuela Hugo Chávez, tinha custo previsto de US$ 2 bilhões. Já consumiu US$ 18 bilhões e ainda precisa de US$ 9 bilhões para ser concluída.

Para os vitoriosos de hoje, fica o problema insolucionável de que no amanhã eles poderão ser os vencidos. Ainda que a perspectiva cause arrepios, quem pode garantir que um ministro aliado de Jair Bolsonaro não se meta a suspender os processos em que o ex é réu? Ou, mais grave, anular de forma monocrática a decisão de sua inelegibilidade?

Esse é apenas um dos riscos de uma Suprema Corte que, longe dos princípios de neutralidade e equilíbrio que deveriam norteá-la, se arvora em reescrever a história. Faz mal a ela, ao país e à história.

Mary Zaidan é jornalista 

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