Esta checagem foi realizada por jornalistas que integram o Projeto Comprova, criado para combater a desinformação, do qual o Metrópoles faz parte. Leia mais sobre essa parceria aqui.
Conteúdo investigado: vídeo no Facebook em que uma pessoa não identificada diz ter recebido documento assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O conteúdo mostra o suposto texto do “Ato Institucional nº 1, de 9 de dezembro de 2022”, pausadamente. Em determinado trecho, explica estar em curso uma “nova revolução”, que “destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir um novo governo”.
O suposto AI-1 cancela a eleição presidencial de 2022 e decreta a realização de novo pleito para 11 de janeiro de 2023. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não poderia concorrer por estarem vedadas as candidaturas de políticos “processados civil ou criminalmente e presos nos últimos 10 anos”. O texto menciona que “o Congresso Nacional, em sessão extraordinária, apreciará o pedido de cessação de direitos políticos de qualquer ex-candidato que faça ou fez parte de grupos subversivos ao governo (sic)”.
Também anula a Lei de Anistia, de 1979, e destitui os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No fim do vídeo, o autor diz que “9 de dezembro, Seleção Brasileira caiu, mas nossa pátria vai ficar de pé. A nossa bandeira jamais será vermelha”.
É FALSO que Jair Bolsonaro (PL) tenha publicado Ato Institucional (AI) nº 1, em 9 de dezembro de 2022, decretando novas eleições para presidente da República em 11 de janeiro de 2023. O falso documento dispõe ainda sobre novas regras eleitorais do país: pleito decidido em turno único; inelegibilidade de qualquer candidato processado civil ou criminalmente e preso nos últimos 10 anos e mesmo se não condenado em segunda instância; poder ao presidente da República de inspecionar urnas a qualquer momento; e decreta possibilidade de novas eleições com cédulas.
Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Nenhum ato institucional ou decreto nesse sentido foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), a partir do dia 9 de dezembro. No Portal da Legislação, do Planalto, site que permite a qualquer cidadão consultar atos normativos em âmbito federal ou estadual, a única menção a ato institucional está na aba “legislação histórica”, que traz o resumo de todos os AIs publicados de 1964 a 1969, durante a ditadura militar.
O documento mostrado no vídeo tem conteúdo semelhante ao do AI-1, de 9 de abril de 1964, que rompeu com a Constituição de 1946 e marcou o início do regime militar. O texto de 1964 instituiu a eleição indireta –pelo Congresso Nacional– para a Presidência e Vice-Presidência da República, atribuiu poder ao chefe do Executivo para decretar estado de sítio e deu aos seus comandantes poder para suspender direitos políticos por 10 anos e cassar mandatos legislativos. Também previu a abertura de inquéritos e processos por crime contra a “ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária”.
Alcance da publicação O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O post no Facebook teve 156 mil visualizações e 7,5 mil curtidas, 1,1 mil comentários e outros 3,6 mil compartilhamentos até 14 de dezembro, mesmo dia em que o Facebook classificou o conteúdo como falso.
O que diz o responsável pela publicação A autora da postagem no Facebook, identificada como Lenyr Botelho, não retornou o contato feito por meio dessa rede social. Ela também tem um perfil no Instagram, mas sua última publicação é de dois anos atrás, quando foi candidata a vereadora pelo PSD de Goiás, e não há novas interações.
No Facebook, Lenyr revela-se apoiadora do presidente Bolsonaro: em foto postada no dia 15 de novembro, ela aparece acompanhada de um homem, com uma legenda referindo-se ao acampamento “pró-Brasil”, em Goiás. Em várias cidades do país, bolsonaristas acampam diante de quartéis do Exército em atos antidemocráticos contra o resultado das eleições presidenciais.
A reportagem também contatou Eduardo Picanço, cujo perfil, @eduardopicanco, aparece no vídeo do post verificado aqui. Por meio de mensagem privada no Instagram, ele disse ter recebido, postado e excluído o conteúdo em 10 de dezembro. “Quando eu vi que não foi publicado em lugar nenhum, eu tirei, 30 minutos depois (de ter publicado). Só que alguém deve ter salvo e compartilhou”, disse ele.
Como verificamos Primeiramente, em pesquisa no Google, foi associado o nome do presidente Jair Bolsonaro ao termo “Ato Institucional número 1”. A consulta retornou duas verificações – UOL Confere e Boatos.org – que concluíram pela falsidade do conteúdo.
Também foi pesquisada somente a palavra-chave “AI-1”, cujo resultado apresentou informações sobre o ato institucional de 9 de abril de 1964. Em seguida, houve verificação no Diário Oficial da União sobre os atos publicados pela Presidência da República a partir de 9 de dezembro.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, mas, até a publicação desta verificação, não houve resposta.
Embora tenha seguido o formato de textos legislativos, chamou a atenção a presença de erros na grafia no conteúdo verificado. Entre outros, a palavra “República” foi grafada várias vezes em minúscula.
Os atos do presidente no Diário Oficial Não houve edição extraordinária do Diário Oficial da União no dia 9 de dezembro. Nesse dia, foram publicados quatro despachos do dia anterior. Apenas um foi assinado por Bolsonaro: pedido de informações ao Superior Tribunal Federal (STF). Os demais são da Secretaria-Geral da Presidência e do Conselho de Governo.
Tendo caído 10 e 11 no fim de semana, a edição de 12 de dezembro traz os dois despachos assinados no dia 9. Um contém encaminhamento ao STF de informações para instruir julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade. O segundo, da Casa Civil, informa o credenciamento e descredenciamento de empresas.
Atos institucionais no Brasil Na ditadura militar, os atos institucionais foram os instrumentos adotados pelos governos do período para conferir legitimidade às práticas implementadas arbitrariamente e sem consulta ao Congresso Nacional. Ao todo, foram 17 atos entre 1964 e 1969.
No AI-1, criado em abril de 1964, logo após o golpe que retirou João Goulart da Presidência, 11 artigos estabeleceram modificações significativas na legislação e atropelaram a Constituição de 1946. Entre as mudanças estavam a suspensão dos direitos políticos por 10 anos ou afastamento do serviço público de todo aquele que pudesse ameaçar a segurança nacional. Essa suspensão também é mencionada no conteúdo aqui verificado.
Mas foi o AI-5, editado em 13 de dezembro de 1968, que marcou o período mais duro da ditadura militar, com mortes e desaparecimento daqueles que se opunham ao governo. De acordo com reportagem especial da Folha sobre o tema, quase 1,4 mil pessoas foram afetadas por este ato institucional nos dois primeiros anos de sua vigência.
Por que investigamos O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e peças que questionam o resultado das eleições presidenciais. Neste conteúdo, o vídeo inventa a edição de um Ato Institucional que teria sido assinado por Bolsonaro para convocar novas eleições presidenciais. Além de a publicação recorrer a um instrumento utilizado durante a ditadura militar, o seu teor sugere a realização de nova votação, reforçando o discurso antidemocrático daqueles que não aceitaram o resultado da votação que elegeu Lula.
Outras checagens sobre o tema O mesmo conteúdo foi verificado pelo UOL Confere e pelo Boatos.org, que o classificaram como falso. Ainda durante a campanha e, sobretudo, após o resultado das eleições, bolsonaristas recorreram à desinformação para tentar tirar a credibilidade do processo eleitoral. Recentemente, o Comprova revelou ser falso vídeo com supostas acusações do comandante do Exército contra Alexandre de Moraes, que também é mentira que Exército fechou entrada do país pelo mar e que Lula não poderia ser diplomado devido a condenações já anuladas.
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