InícioEditorialEm app de idiomas, seis em cada dez baianos querem aprender inglês

Em app de idiomas, seis em cada dez baianos querem aprender inglês

É uma rotina: diariamente, o arquiteto Paulo Barbosa, 28 anos, se dedica a estudar francês pelo menos 15 ou 30 minutos. Ele acompanhava videoaulas em canais do YouTube, mas sentia que precisava ter contato mais frequente com a língua. Foi quando decidiu usar o Duolingo, plataforma gratuita de aprendizagem de idiomas, para complementar os estudos 

“Eu usava o Duolingo há uns três, quatro anos. Comecei para ver como era e, a princípio, usei para ter acesso inicial a idiomas como chinês e alemão, que são idiomas que não tenho noção. Depois, comecei para o francês”, conta. Assim, ele já ostenta os próprios recordes: hoje, tem quase 900 dias seguidos de estudo de francês, segundo o próprio aplicativo. Antes, Paulo tinha chegado a outros 500 dias de uso consecutivos.

O francês é a terceira língua mais estudada por baianos na plataforma. Só fica atrás do inglês e do espanhol, respectivamente, em primeiro e segundo lugar. A cada dez usuários na Bahia, seis estão lá para aprender inglês. Completam o ranking de preferência, ainda, italiano, alemão e esperanto – todos os idiomas disponíveis para usuários que falam português. 

“O francês tem recursos interessantes para a fala, dá para levar o aprendizado inteiro só com o aplicativo. Mas tem que ter disciplina, fazer certinho. Se você fizer um mês e só voltar depois de dois meses, vai estar constantemente reiniciando”, avalia Paulo. Morador de Boipeba, em Cairu, ele já é fluente em inglês mas quis aprender mais idiomas para se comunicar com os estrangeiros que visitam a ilha. 

Os números fazem parte de um levantamento inédito do Duolingo, o app educacional mais baixado do mundo, e obtido com exclusividade pelo CORREIO. Atualmente, o Brasil é o segundo país com maior número de inscritos no mundo, chegando a 30 milhões de usuários – fica atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo a companhia, a Bahia é um dos estados que mais crescem na plataforma, tendo registrado um aumento de 20% em 2022, em comparação ao ano passado. 

De acordo com a diretora de marketing do Duolingo no Brasil, Analigia Martins, a maior parte dos baianos recorre à plataforma para reforço escolar – essa é a principal razão para 31,4% dos usuários, que recorrem ao Duolingo para reforçar o que aprenderam na escola. Depois, vêm os que querem aprender para viagens internacionais (17,7%) e, em terceiro lugar, os que apontam o trabalho como motivo para buscar um novo idioma (13,6%). 

“Com o inglês, a gente fala muito de reforço escolar, mas também sabemos que o inglês permeia a nossa cultura”, diz Analigia. Além disso, ela acredita que o turismo no estado pode influenciar o interesse dos baianos pelos idiomas.

“Vocês recebem turistas de muitos lugares. A gente sabe que, entre os que mais visitam, estão americanos, holandeses e argentinos. Agora, no pós-pandemia, as pessoas estão voltando a viajar. Dá para fazer algumas correlações, mas cada um estuda por um motivo diferente”, acrescenta. 

Ao todo, a plataforma oferece 40 idiomas para aprendizado. A maioria, porém, são para estudantes que porventura falem inglês – foi assim, inclusive, que o arquiteto Paulo Barbosa teve acesso ao mandarim. Nesse caso, as opções incluem até Klingon, a língua falada no universo ficcional de Star Trek, e Alto Valiriano, o idioma de Game of Thrones. 

Gamificação
A pandemia da covid-19, inclusive, foi um dos períodos em que o uso do Duolingo mais cresceu. Só nos meses de março e abril de 2020, houve um incremento de 23% de novos alunos apenas no Brasil. Isso teria ido além da euforia inicial, segundo Analigia. “Olhando nossos gráficos, as pessoas continuaram levando o hábito para a frente e a gente continua atraindo novos usuários”, explica. 

Apesar do crescente investimento em marketing no país, por muito tempo, o uso do app cresceu por aqui com a divulgação ‘boca a boca’. Foi através de vídeos de pessoas que davam dicas para o aprendizado de idiomas que o professor de inglês Murilo Pereira conheceu o app, em 2015. Na época, ele estudava inglês em um curso particular. 

Naquele primeiro ano, Murilo chegou a jogar por um tempo e parou. No ano seguinte, usava tanto o aplicativo que chegou a ‘zerar’ as atividades. “Na minha experiência, o Duolingo foi muito benéfico. Ele funciona como um jogo: ao mesmo tempo que engaja, ensina muita coisa ao aluno que, em cada fase, vai descobrindo novas formas de articular palavras”, explica. 

No Duolingo, as atividades vêm como um jogo

(Imagem: Divulgação)

Assim, ele passava por diferentes tópicos de estudo, como escolares, de esporte ou de entretenimento. Na avaliação dele, era uma espécie de treino para o que já aprendia na época.

“Era muito comum eu chegar na sala, começar a discutir um assunto e saber o vocabulário, porque eu já tinha tocado todas as fases do aplicativo. Me ajudou bastante no processo de não me sentir tão por fora”, explica. 

Atuando como professor de inglês desde 2018, hoje ele tem também a experiência com o uso do Duolingo do outro lado – observando e orientando seus alunos. A maioria dos estudantes, especialmente adultos que começaram a aprender inglês, dizem que usam para tornar a experiência mais relaxante. “Eles têm aquilo como algo positivo. Mas como a habilidade da fala depende muito da prática com outras pessoas, o Duolingo não proporciona isso”, pondera. 

De fato, a gamificação, que é o uso de técnicas de jogos a outros contextos, é um dos principais aspectos do Duolingo. A ideia, segundo a diretora de marketing da empresa, Analigia Martins, é tornar o aprendizado mais leve. “O que a gente mais perde quando está aprendendo um idioma é a motivação. Se estou numa plataforma divertida, em que posso competir com amigos e com pessoas do mundo, se torna leve. Se eu erro algo, eu perco uma vida. Tudo isso faz com que as pessoas tenham mais vontade de aprender”. 

Ao mesmo tempo, ela garante que a metodologia da plataforma é criada e desenvolvida por cientistas de aprendizagem e pesquisadores da área, ainda que conte com inteligência artificial (IA). É pela IA que a ferramenta identifica se alguma lição está fácil demais ou difícil demais para o usuário – dois cenários que devem ser evitados, porque fazem com que a pessoa perca a vontade de aprender.  

Professor
Segundo Analigia, a companhia tem relatos de muitos usuários que aprenderam idiomas apenas pelo Duolingo. No entanto, ela reforça que o desempenho de cada um depende do engajamento. 

“Dá para aprender, mas depende da motivação e da dedicação de cada um. Cada pessoa aprende de uma forma. Algumas gostam muito do aprendizado online e vão naturalmente. Tem pessoas que preferem comum professor lado a lado”, pondera. 

Ela sugere formas de complementar os estudos. Para Analigia, é preciso identificar o que cada pessoa gosta. Se alguém quer aprender músicas de um determinado artista, por exemplo, essa pode ser uma alternativa. Outra opção é escutar podcasts. 

“Uma dica também é definir metas possíveis. Às vezes, a gente começa a aprender alguma coisa e se frustra porque quer ficar fluente. Se você subir uma montanha e olhar para o topo, pode não conseguir. Mas se der um passinho de cada vez, quando perceber, já está lá”. 

Na avaliação do professor de inglês Murilo Pereira, porém, a plataforma tem limitações. Ainda que considere importante que os alunos se sintam conectados com a metodologia, o professor vê a possibilidade como um reforço ou mais adequado ao desenvolvimento de algumas habilidades em detrimento de outras. 

“Ele é ótimo para alunos que vão desenvolver a escrita, a leitura e até mesmo para ouvir. Mas a fala fica comprometida sem a vivência de outras pessoas que também estão falando”, pontua. 

Para Murilo, há pessoas que conseguem aprender idiomas por conta própria, inclusive por influência de filmes, músicas e até por jogos online. No entanto, é difícil atingir níveis de proficiência. “É complicado afirmar que apenas através do conhecimento de material um aluno pode chegar a um nível altíssimo, como o C1 e o C2”, diz, referindo-se às categorias do Quadro Comum Europeu de Referência para Idiomas, que classifica a proficiência de falantes em idiomas indo de A1 a C2. O C2 seria o mais alto, algo equivalente a um nativo. 

Ele acredita que alguns aspectos de um idioma só se tornam mais compreensíveis com a ajuda de um profissional especializado na área.

“Existe uma grande influência da língua materna na produção de língua estrangeira e o aluno não consegue perceber sozinho essas diferenciações. É necessário ter muita maturidade”, acrescenta, citando como exemplo as diferenças de entonação entre o português brasileiro e o inglês. 

A mercadóloga Carina Moura, 29, usa a ferramenta para aprender húngaro, já que um dos requisitos para obter a cidadania húngara é ter um nível intermediário no idioma. A língua é uma das que está disponível apenas para aprender em inglês, mas ela diz que não teve grandes problemas, mesmo sem ter um nível avançado no inglês. 

“É claro que se fosse em português seria melhor para facilitar a tradução porque o húngaro é um idioma completamente diferente de tudo”, afirma. Para ela, a metodologia é válida porque acredita que a repetição das palavras leva ao aprendizado. 

Além do primeiro contato com o idioma, ela avalia como uma boa opção também para não esquecer palavras do inglês. “Mas se você precisa aprender para avançar mesmo no idioma, o Duolingo é limitado, principalmente no speaking (fala). Então, é bom complementar com aulas com um professor mesmo ou morar um tempo no lugar que fala a língua”. 

Proficiência
No ano passado, Salvador foi a sexta cidade brasileira onde mais pessoas fizeram o Duolingo English Test (DET), o teste de proficiência em inglês da plataforma. Desenvolvido em 2016, o exame cresceu exponencialmente na pandemia, quando muitos centros que aplicavam outros testes estavam fechados. 

No ano passado, a demanda aumentou 50% em comparação a 2020, de acordo com a companhia. Hoje, é uma alternativa a outros testes de proficiência tradicionais, como o IELTS e o TOEFL. Assim como esses exames considerados mais tradicionais, o DET já é aceito para comprovar a capacidade de falar inglês de estudantes em três mil universidades, incluindo Yale, Columbia e a NYU. 

O Brasil se tornou um dos cinco países que mais fazem o teste. Ao menos 800 cidades no país já tiveram registro de usuários que fizeram o teste. Os brasileiros já usaram para se candidatar a mais de 2,6 mil universidades em 50 países. 

“Você faz totalmente online, mas é um teste que tem todas as ferramentas antifraude. Se eu moro numa comunidade remota e não tenho como ir a um dos centros (que aplicam outros exames), consigo fazer o DET e aplicar para uma universidade fora do país. Ele também é muito mais barato”, explica Analigia. Em comparação, o exame custa U$49, enquanto outros variam de U$250 a U$ 500. 

Gratuidade
A gratuidade nos exercícios faz parte da própria proposta do Duolingo. Criado por Luis von Ahn, a plataforma lançou sua primeira versão beta em 2011. Professor da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, von Ahn havia criado o CAPTCHA, programa que solicita a usuários para digitar palavras distorcidas na tela, protegendo sites de robôs. Em 2009, ele vendeu a reCAPTCHA, serviço baseado nessa interface, ao Google. 

Luis von Ahn havia emigrado da Guatemala para os Estados Unidos para estudar, mas percebia como era custoso para algumas comunidades aprender outros idiomas. “Ele queria criar algo que impactasse o mundo de forma positiva. Tinha o objetivo de ensinar idiomas para todas as pessoas do mundo de forma gratuita, então o Duolingo nasceu com essa proposta de levar educação de qualidade de forma acessível”, explica Analigia. 

Assim, a forma de monetização é através de anúncios. Quem preferir pode pagar pelo SuperDuolingo, uma opção sem anúncios que custa R$ 29 no plano mensal e R$ 179,99 no plano anual. O conteúdo, porém, é o mesmo nas duas modalidades. Atualmente, nos Estados Unidos, já existe o Duolingo ABC, um para auxiliar a alfabetização de crianças, e há planos para lançar um projeto beta para ensino de Matemática tanto para crianças quanto adultos. 

Conheça outros aplicativos para quem quer aprender idiomas online

Busuu –  A plataforma oferece 14 idiomas com  opção básica gratuita; além de dois planos pagos, com cobrança anual e possibilidade de plano de estudo personalizado e feedback de uma comunidade de nativos. Além das opções de celular (disponivel para sistemas iOS e Android), também é possível acessar pelo computador; 

Drops –  Disponível para iOS e Android, o aplicativo oferece cinco minutos de uso gratuitos por dia. A ideia é que o usuário memorize uma quantidade de palavras diariamente, também como uma espécie de jogo. Além da versão grátis, há planos pagos mensais e anuais;  

Cambly –  Plataforma para aprendizagem de inglês. É possível escolher professores particulares nativos com diferentes tipos de abordagem. Disponível tanto para smartphones quanto na internet acessada via desktop (computador), é possível pagar pacotes ou aulas individuais; 

Memrise – O aplicativo foca em técnicas de memorização e uma experiência imersiva para o ensino de idiomas. Usuários podem ter acesso até a 12 línguas. A assinatura do plano mensal custa R$ 21,90 e dá acesso a todos os idiomas; 

Babbel – A ferramenta oferece as opções de aplicativo ou de aulas de idioma online. No app, os cursos são projetados com foco em situações do dia a dia. Há planos semestrais, anuais e vitalícios para 14 idiomas.

OUÇA:

Duocast – O podcast do Duolingo, com histórias de vida de personagens do mundo todo narradas pelos próprios protagonistas no idioma nativo. Tem nos streamings de música, como Amazon Prime e Deezer, e também em versão para desktop, acessível via internet. As histórias são em inglês, espanhol e francês

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