InícioEditorialEmpresários do carnaval criam estratégias para lotar blocos em meio à crise

Empresários do carnaval criam estratégias para lotar blocos em meio à crise

Sem os compradores, um bloco privado de carnaval não vai nem na esquina e um camarote não passa de um andaime, mas pior é a ausência de patrocinador. Por duas semanas, a banda Chiclete com Banana reservou a notícia de que o bloco Voa Voa não desfilaria na Barra – divulgada na última terca-feira (31). A falta de apadrinhamento financeiro pesou – para desfilarem, o custo mínimo seria RS 400 mil – associada às incertezas que antecederam a folia.

Depois de dois anos sem a folia, devido à pandemia de covid-19, produtores e empresários organizam os últimos detalhes para, no dia 16 de fevereiro, lotar os blocos e camarotes – o que inclui criação de novas estratégias de venda ou cancelamento de participação para evitar a pista vazia e a exposição pública. Em dois anos de pandemia, o poder de compra do brasileiro caiu 30% até março do passado, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Até agora, além do Voa Voa, que completaria o vigésimo desfile no Carnaval de Salvador, o Bloco do Embaixador, do sertanejo Gustavo Lima, cancelou a participação na festa. Os camarotes Nana, Via Folia e Villa Salvador também anunciaram mudanças. Os dois primeiros não funcionarão. O segundo ficará fechado no dia 16 de fevereiro, quando o Carnaval começa, oficialmente. 

A equipe de Gustavo Lima não divulgou o motivo da desistência de participar da festa, só confirmou presença em 2024. Um abadá do bloco do cantor custava R$ 1 mil, mas quem quisesse acesso ao trio elétrico de apoio poderia, por mais R$ 1 mil. Já o Camarote Villa Salvador, que cobra R$ 1,6 mil por dia, relacionou a alteração à dificuldade para cumprir o prazo de montagem da estrutura. 

O Nana teria ficado sem espaço físico para funcionar, já que, durante 21 anos, esteve sediado no antigo Salvador Praia Hotel, onde agora é erguido um prédio. 

Ex-baterista e sócio do Chiclete com Banana, Rey Gramacho responde sem delongas o que afastou o Voa Voa, um dos mais tradicionais do Carnaval de Salvador, da festa. A banda esperou até o último “não” para anunciar a ausência do bloco, já que havia “uma expectativa de que poderia rolar”. 

“Colocar um bloco hoje na rua sem ter um patrocinador bom é complicado. Depender só da venda não dá. A verdade da ponta do lápis é que a conta não ia fechar. Como já havia muitos pedidos e contratos para tocar fora, vale mais um pássaro na mão que dois voando”, explica Gramacho.

Desde setembro do ano passado, ele e a equipe de produção buscavam um patrocinador. Mas as incertezas quanto ao bairro onde aconteceria o Carnaval confundiu as negociações. 

No ano passado, o Conselho Municipal do Carnaval (Comcar) apresentou um projeto de transferência dos trios elétricos da Barra para a orla da Boca do Rio. Existia a possibilidade de a mudança acontecer em 2023. 

“Nessa espera a gente foi fechando contrato para outros dias. Decidimos não ficar esperando, porque banda de Axé toca o ano inteiro, mas o carnaval é a vinda do Rei Salomão. Claro que o ideal é estar no Carnaval, mas ficou complicado”, brinca Gramacho, que espera o Voa Voa de volta em 2024.

As novas estratégias de venda: parcelamento e ‘casadinha’

Em dez anos de experiência de Carnaval de Salvador, tudo indica que será a primeira vez de Bruno Furtado, 34 anos, longe de blocos. Ele sempre gostou de acompanhar Ivete Sangalo no comando do bloco Coruja, pela sensação de proximidade com a cantora – mas também seguia outras atrações no cercadinho das cortas. No retorno da folia, no entanto, os preços dos blocos o assustaram. 

No último carnaval, em 2020, lembra de ter pagado R$ 700 por um dia no Coruja. Hoje, o valor mais em conta é R$ 1,1 mil . 

“Até então ficarei só na pipoca, os blocos estão muito caros comparados ao meu orçamento mensal”, compartilha o pesquisador, que se organiza com amigos (frequentadores de blocos, como ele), para saírem todos juntos e fantasiados atrás de trios sem cordas. 

A Prefeitura de Salvador e o Governo da Bahia divulgarão na próxima semana a quantidade de atrações sem cordas que serão financiadas pelo poder público. No Carnaval de 2020, o último antes de ser decretada a pandemia de covid-19 no Brasil, a variedade de trios para o folião pipoca já tinha atraído parte do público do blocos – naquele ano, por exemplo, Bruno saiu mais vezes na pipoca que em blocos.

Bruno, ao fundo, e amigos, no bloco Coruja, no Carnaval de 2003 (Foto: Acervo Pessoal)

A necessidade de estratégias de vendas para convencer o folião de que é uma boa ideia investir em blocos e camarotes convergem com essas mudanças – econômicas e estruturais. 

Sócio do Grupo San Sebastian, José Augusto Vasconcelos compartilhou algumas da estratégia adotadas para atrair o público neste retorno. A empresa é especializada em eventos para a comunidade LGBTQIA+ e vende oito blocos . 

“A facilidade de pagamento dos abadás é um dos diferenciais. Além de parcelarmos a compra em até 10 vezes, criamos diversos pacotes que acabam saindo mais barato para quem busca vários blocos”.

Uma das opções, por exemplo, é a venda casada de três blocos por R$ 1 mil. Separadamente, só um deles custaria R$ 1,2 mil. Segundo José, a expectativa de público “é crescente” e o grupo está “animado com a procura”, que tem sido positiva. 

A Central do Carnaval atua em outra frente: vende blocos tradicionais para um público variado, que inclui de jovens de classe média estudantes colégio privadas em busca das primeiras experiências carnavalescas ao folião com um quê de religioso que segue Bell Marques onde ele estiver. 

Neste Carnaval, a Central está à frente da venda de 13 blocos e nove camarotes. No Carnaval de 2020, foram 15 blocos e 11 camarotes.

“Poucos carnavais tiveram a velocidade de vendas que esse carnaval está tendo. Aqui na Central temos vários blocos esgotados, como o camaleão esgotado, o camarote salvador está com quatro esgotados, desde o início de janeiro as coisas aceleraram”, afirma Joaquim Nery, sócio da Central do Carnaval. 

A Central investiu nas estratégias de sempre, diz Joaquim. “Tivemos um pouquinho de tudo: os combos de venda, as estratégias promocionais. Não foi nada feito para esse ano, as operações foram replicadas”. 

Nery ocupa uma posição dupla no Carnaval de Salvador: empresário e presidente do Comcar. À frente dessa entidade que organiza a folia com os poderes executivos estadual e municipal, ele vê com normalidade o adiamento de blocos e camarotes. 

“Acho supernormal. Sobre Gustavo Lima, não é um produto legítimo do carnaval da Bahia. O Voa voa já era um bloco que não performava bem há alguns anos, desde o rompimento do Chiclete Banana. Mas existe um fator aí que é real: como os carnavais de outras cidades e estados cresceram muito, artistas também são contratados para fora”

Quando blocos e camarotes viraram, também, comércio 

A estruturação de blocos como empresas acompanhou o surgimento do axé, na Salvador da década de 80. Paralelamente, o sucesso de micaretas pelo Brasil funcionou como propaganda do novo gênero musical, que somada ao fortalecimento do imaginário turístico sobre Salvador como um local de veraneio cujo apogeu é o carnaval caíram como uma luva para o ramo dos blocos carnavalescos.

O empresariado do carnaval encontra um momento econômico atrativo entre parte da população: a classe média da cidade vivia um processo de fortalecimento econômico, impulsionada por contextos como o Polo Petroquímico de Camaçari, e o turismo fervilhava no verão, e, no carnaval, muito impulsionado pelo axé.

“Antes disso, a ideia de bloco de trio elétrico tinha um viés mais romântico, surgiram como uma iniciativa de jovens de classe média alta da cidade. Nos anos 80, a empresarização dos blocos surge como um fenômeno econômico que atinge seu auge a partir da primeira onda do axé music”, reflete Armando Castro, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).

Os blocos, que vendem a ideia de segurança em meio ao imponderável das ruas, o falso privado dentro do espaço público, viram fenômenos econômicos e culturais, movidos pela promessa de “garantir uma experiência inesquecível aos seus clientes”. 

Artistas eram a principal referência para a venda de abadás, explica Castro, que no Doutorado em Administração pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) pesquisou a música baiana. Lembre-se, por exemplo, do Chiclete com Banana e o “Camaleão” (o anfitrião se tornou Bell Marques, ex-vocalista da banda).

Os camarotes são um fenômeno mais recente, do final dos anos 90 para cá. Lícia Fábio e Flora Gil foram figuras fundamentais, sendo a força produtiva por trás dos nomes de Daniela Mercury, que nomeia o primeiro camarote de Salvador, criado em 1996, e Gilberto Gil, respectivamente. Os camarotes vendem espaços ainda mais privados e exclusivos dentro do carnaval: propõem ambientes refrigerados, com vista para a folia, mas com atrações musicais próprias. 

O que ambos, blocos e camarotes, vendem é o que autores chamam de “distinção social pelo consumo”. “Frases como ‘Eu sou camaleão’, ‘Eu fui ao Carnaval de Salvador’, trazem essa dimensão quase de status por ter vivenciado esses espaços”, finaliza Castro. E será essa dimensão que os empresários da folia tentarão reavivar em 2023. 

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