Durante a pandemia de Covid-19, a comunidade acadêmica da Universidade de Brasília (UnB) foi afetada negativamente com o aumento no consumo de álcool e maconha. A mudança na rotina causou diversos danos à saúde mental, às relações sociais e à qualidade de vida de professores, alunos e servidores da universidade, principalmente de mulheres e estudantes.
Entre 2020 e 2021, o Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da Faculdade UnB Ceilândia (CRR/FCE) coletou e analisou dados de 2.790 estudantes, técnicos e docentes. A pesquisa foi publicada no periódico Springer Nature e está disponível neste link.
Segundo a pesquisa, durante o distanciamento social na pandemia, na comunidade acadêmica da UnB o aumento do consumo de álcool está conectado à piora da qualidade de vida, da satisfação com a saúde, no sentido da vida, na capacidade de concentração, na satisfação consigo mesmo e na frequência de sentimentos negativos.
“Quem consumiu mais álcool e maconha teve, na maioria dos sintomas de saúde mental e de qualidade de vida, uma piora”, alertou a pesquisadora. A UnB é uma das instituições de ensino com maior relevância atualmente no Brasil.
A intensificação do consumo de bebidas alcoólicas foi maior e mais negativamente associada à qualidade de vida e aos aspectos psicossociais entre as mulheres (30,5%) do que entre os homens (26,7%). Para a pesquisadora responsável pelo estudo e coordenadora do CRR, Andrea Gallassi, este é um dado importante.
Mulheres e estudantes “Geralmente, os homens usam mais álcool do que as mulheres. Mas comparando o período da pandemia e o anterior, elas aumentaram o uso de álcool mais do que eles. Consequentemente, elas foram mais negativamente impactadas na qualidade de vida nos aspectos psicossociais”, pontuou.
O estudo conseguiu fazer um link entre o consumo de bebida alcóolica e problemas na vida do usuário. “As mulheres beberam mais e consequentemente tiveram mais problemas de saúde mental e de qualidade vida. Existe de fato uma associação entre álcool e problema. Quanto mais você consome álcool, mais problemas você tem”, esclareceu.
Entre os três segmentos da comunidade acadêmica, divididos entre estudantes, professores e demais profissionais da UnB, os alunos foram os mais impactados. Houve maior aumento do uso de álcool e maconha, com prejuízos à qualidade de vida, domínio psicológico e domínio das relações sociais.
A pesquisa também diagnosticou benefícios aos usuários. Segundo o estudo, o consumo da maconha melhorou o desempenho sexual. Enquanto ao aumento da ingestão de álcool reforçou os laços de apoio recebidos de amigos e família durante a pandemia.
Inovação Geralmente, durante a pandemia, a maior parte dos estudos analisou apenas se houve o aumento do consumo de álcool e maconha e outras avaliavam somente questões de saúde mental. Ou seja, os estudos eram realizados separadamente. A nova pesquisa da UnB inovou ao relacionar os dois temas.
“O nosso estudo foi muito inovador porque buscou identificar se havia uma associação entre as pessoas que aumentavam o uso de álcool e maconha e uma piora da qualidade de vida e os aspectos psicossociais”, explicou a pesquisadora.
Álcool Segundo a pesquisa, 66,9% da comunidade acadêmica afirmou ter consumido álcool ao longo da vida antes da pandemia. A cada 10 pessoas, seis consumiam bebidas alcóolicas. Deste total, 28,6% admitiram ter aumentado o consumo durante a pandemia, enquanto 35,7% mantiveram o mesmo padrão e 35,7% diminuíram a ingestão.
No corte por gênero, 30,5% das mulheres disseram ter aumentado o consumo de bebidas alcóolicas, 34,5% seguiram a rotina de consumo e 35% reduziram. Entre os homens, 26,7% dos homens intensificaram o hábito, enquanto 36,8% não alteraram o consumo e 36,5% começaram a abandonar o copo.
Na análise por segmento 66,3% dos estudantes, 64 dos professores e 75,4% dos técnicos e profissionais administrativos consumiam regularmente álcool. Entre os estudantes, 28%, aumentaram a ingestão, 33,8% não modificaram o hábito e 38,2% diminuíram.
No caso dos professores, 29.9% intensificaram o uso, 41% mantiveram o padrão de bebida e 29,1% reduziram o consumo. Entre técnicos e profissionais administrativos, 33,7% aumentaram o consumo, 52% não alteraram a rotina e 14,3% reduziram.
Maconha Antes da pandemia, 36,4% da comunidade acadêmica disse já ter usado maconha em algum momento da vida. Durante o distanciamento social, 16,2% dos usuários alegaram ter intensificado o hábito, 53,9% seguiram com o consumo habitual e 29,9% diminuíram.
Na análise por gênero, 37,9% dos homens e 34,9% das usaram maconha pelo menos uma vez na vida ante do distanciamento social. Entre eles, 16,3% disseram ter aumentado o consumo na pandemia, 56,6% mantiveram o hábito e 27,1% reduziram. Entre elas, 16,2% intensificaram, 51,1% mantiveram o padrão e 32,7% diminuíram.
Antes da pandemia, no recorte por segmento, 36,7% dos alunos, 32,9% dos docentes e 36,2% dos técnicos e demais profissionais usaram maconha pelo menos uma vez na vida. Entre os estudantes, 17,6% intensificaram o consumo, 49,9% mantiveram e 33,1% reduziram.
No recorte por professores, 8% admitiram ter aumentado o consumo, 69% não alteraram o hábito e 23% diminuíram. Finalmente, entre técnicos e demais profissionais, 5,4% intensificaram o uso e 94,6% mantiveram o mesmo padrão de utilização.
Sugestões A partir dos achados do estudo, a pesquisadora considera que a UnB deve elaborar ações de cuidado e atenção em saúde mental especialmente para os estudantes e as mulheres. Os alunos são naturalmente mais vulneráveis, do ponto de vista das condições socioeconômicas e foram bastante impactados durante a pandemia.
“Os estudantes deixaram de trabalhar ou estavam em casa e passaram a ter que ajudar em outros afazeres. Enfim, o estudante é o lado da corda mais fraco. E as mulheres nesse mesmo raciocínio também. Elas assumem a maior parte das tarefas domésticas, do cuidado com crianças, idosos e qualquer outra pessoa que precise”, completou.
Para a pesquisadora, a Diretoria de Atenção à Saúde da UnB deve ampliar e melhorar as ações para proteger e recuperar a saúde mental da comunidade acadêmica, com destaque para os públicos mais vulneráveis, que são os estudantes e as mulheres. Neste caso, se trata de apoio psicológico, medicamentoso e atividades de engajamento.
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