A Polícia Civil da Bahia (PC) investiga, através de perícia, a possibilidade de ação de um grupo de extermínio que ataque pessoas em situação de rua na região central de Feira de Santana. Isso porque, em um período de 16 dias em fevereiro, três homens que faziam parte da população de rua da cidade foram executados a tiros da mesma forma. As vítimas estavam dormindo quando foram alvejadas por tiros durante a madrugada, sem possibilidade de reação. Não há testemunhas, nem detalhes de como os crimes ocorreram.
O que se sabe apenas é que o primeiro a morrer assim foi um homem de prenome Lucas, ainda em 8 de fevereiro, no bairro de Capuchinhos. No dia 17 de fevereiro, na Rua Cristóvão Barreto, no bairro de Serraria Brasil, Gutemberg Souza Brito foi assassinado da mesma maneira. Uma semana depois, no dia 24 fevereiro, um homem ainda não identificado pela polícia foi morto a tiros na mesma rua que Gutemberg, alguns metros à frente do assassinato anterior em Serraria.
Os casos ainda são tratados de forma individual pela investigação, mas as semelhanças chamam a atenção, de acordo com Rodolfo Faro, titular da Delegacia de Homicídios de Feira de Santana. Ele destaca que ainda não existem provas indicando a ação de um grupo organizado nas mortes, mas admite que a possibilidade vai ser apurada e explica como os investigadores vão agir.
“Se são os mesmos autores, a polícia trabalha para identificar. Para isso, vão ser realizados exames de micro comparação balística nos projéteis que foram extraídos dos corpos das vítimas. Isso para ver se são das mesmas armas e, por seguinte, das mesmas pessoas”, fala o delegado. A polícia está verificando também imagens de câmeras de segurança da região.
Além do fato dos homens serem pessoas em situação de rua e as execuções seguirem um mesmo modus operandi, outra similaridade liga os casos. “As três vítimas eram envolvidas em pequenos delitos na área, o que nos leva a crer que possa haver alguma ligação. […] Eles praticavam pequenos furtos e arrombamentos”, revela Rodolfo Faro, que não dá prazo para a finalização da investigação dos casos.
Tanto Lucas como Gutemberg e a terceira vítima não identificada recebiam assistência de projetos de visibilidade e apoio social para a população de rua. As entidades, porém, não têm informações concretas sobre o perfil de cada um. O que se sabe é que os três eram figuras sempre presentes nas ações de assistência a este público na região onde foram mortos.
Uma fonte, que prefere não se identificar, não sabe confirmar se a suspeita de que eles cometiam delitos procede. Porém, destaca que as vítimas e demais pessoas em situação de rua que incomodem pela presença na área já sofreram com problemas. “Um xingamento ou ameaça, são coisas comuns para quem vive na rua. Não é raro alguém cometer algum tipo de violência para pessoas que estão expostas ali”, afirma ao falar da situação no centro.
Área de risco
A hostilidade com este público é confirmada pelas entidades que trabalham diretamente com assistencialismo para a população de rua. A FSA Invisível é um projeto de visibilidade para pessoas nessa situação que tinha Gutemberg como um de seus assistencializados há pouco mais de um ano e meio.
Danielle Gonçalves, diretora da FSA, não sabe o que ocorreu especificamente nas execuções, mas conta que há um problema na região. “O que nós reparamos é que está ocorrendo uma pressão para que as pessoas em situação de rua saiam dali [do centro da cidade]. Não sei de onde vem e quem são os responsáveis por isso, mas está acontecendo”, fala.
A organização, inclusive, divulgou nota nesta quinta-feira (2), lamentando os recentes acontecimentos. O Centro Social Monsenhor Jessé (CSMJ), que dava assistência às outras duas vítimas, fez o mesmo. Em carta aberta, a entidade demonstrou consternação com o que ocorre na cidade.
“Uma dor profunda irrompe em nosso peito e faz-se necessário gritarmos. […] Pessoas em situação de rua, filhos do CSMJ, tiveram suas vidas ceifadas. Precisamos dar um basta à cultura da morte, à normalização dos ‘CPF’s cancelados’ e, sobretudo, da banalização da vida”, escreveu.
A cultura de ataques à população de rua citada na carta parece ter se instaurado e já provoca efeitos na cidade, de acordo com os projetos. Danielle Gonçalves conta que as pessoas assistencializadas já mudaram os locais onde costumam ficar para fugir da violência.
“As pessoas em situação de rua ficavam reunidas ali no centro e agora não é mais assim. Eles se reúnem quando chegamos lá, mas depois se espalham novamente. É o que vem ocorrendo há seis meses”, explica. “Os comentários deles é de que não podem ficar mais. Era uma base estruturada, mas isso não existe mais”, conta Danielle.
A Prefeitura de Feira de Santana foi procurada para comentar a situação e detalhar quantas pessoas em situação de rua existem atualmente na cidade. Em nota, respondeu que “o número de pessoas em situação de rua em Feira de Santana é variável, tendo em vista, especialmente, a posição geográfica do município, que é o segundo maior entroncamento rodoviário do país. No entanto, o Governo Municipal mantém serviços de assistência a esse público. Diariamente são realizadas abordagens sociais que direcionam essas pessoas para os equipamentos assistenciais. A Prefeitura de Feira de Santana realizou, em janeiro, 842 abordagens a pessoas em situação de rua”.
Disse ainda que “no Centro Pop Rua são atendidas 70 pessoas por dia. No local é servido café da manhã às 8h, lanche da tarde às 15h e jantar às 20h. No local são oferecidos também serviços como escuta qualificada, encaminhamentos para unidades de saúde, abrigo, encaminhamento para documentação. A maioria das pessoas atendidas pelo Centro Pop são homens e solteiros. Já o Centro Temporário de Acolhimento atende atualmente cerca de 10 pessoas. Este equipamento é destinado exclusivamente a mulheres, famílias e público LGBTQIA+. No local é ofertado refeição, dormitório, banheiros, além dos demais serviços do Centro Pop”.
Por fim, a prefeitura disse que “também mantém parceria com o Palácio Social, uma casa de passagem que também atua no atendimento a homens em situação de rua. Quanto às investigações e segurança pública, a responsabilidade é das polícias e do Governo do Estado. A Prefeitura tem contribuído com os órgãos de segurança sempre que é solicitada, principalmente com a cessão de imagens da Central de Videomonitoramento que atua com mais de 300 câmeras instaladas nos principais pontos da cidade”.