Por que as atividades culturais de Salvador acontecem quase sempre na região “central” da cidade, em bairros como Barra, Rio Vermelho, Pituba ou Pelourinho…? E as áreas periféricas, como ficam nisso? Foi partindo dessas perguntas que a organização do Festival Literário Nacional decidiu que sua sede seria o bairro de Cajazeiras, tão grande e populoso que seus moradores o chamam de Cajazeiras City. E assim aconteceu a primeira edição do evento, em 2019, que segundo a produção teve a presença de mais de 15 mil pessoas.
Baco Exu do Blues conversa com Rita Batista na abertura da Flin 2022 |
Agora, depois de três anos, o bairro recebe a segunda edição, que começa amanhã e vai até sábado, no Ginásio Poliesportivo da região. Mesas redondas, oficinas, atividades infantis e shows compõem as atrações da Flin, que terá participação de nomes como Baco Exu do Blues, Itamar Vieira Junior, Thiago Banha, Aurita Tabajara e Rita Batista. O festival é realizado pelo Governo do Estado da Bahia, através da Fundação Pedro Calmon (FPC), da Secretaria de Cultura do Estado (SecultBA). Toda a programação é gratuita.
Zulu Araújo, diretor geral da FPC, explica por que a Fundação decidiu levar a Flin para Cajazeiras e, especialmente, para os jovens:
“Percebemos em outras festas literárias que uma parcela da juventude ficava sem espaço nem conteúdo para dialogar com escritores. Então, víamos hordas de jovens andando lá sem fazer nada. Eles não se integravam. Não se viam representados porque esses eventos eram voltados para temas ‘sofisticados’ da literatura”.
Tom Correia, coordenador e curador da Flin, diz que o evento tem um “carinho” especial com os jovens negros de Cajazeiras: “Acreditamos que é importante que eles tenham esse contato com a literatura e com outras linguagens, que se descubram artistas e se reconheçam no evento. Não queremos ter a sensação de ser uma nave que pousa do nada e apresenta algo de que eles nunca ouviram falar”.
“Aprendemos que para esta segunda edição dar certo era preciso dialogar com Cajazeiras e acolher as propostas da comunidade. Por isso, temos, por exemplo a Rótula Cultural, que foi uma ideia da meninada de lá”, observa Zulu. Na Rótula Cultural, jovens talentos do bairro vão realizar apresentações de slam, poesia, música, dança e outras linguagens.
A indígena Auritha Tabajara é autora de cordéis |
As mesas redondas não vão receber apenas autores de livros, como ocorre em outras festas literárias. Um exemplo é a presença do baiano Baco Exu do Blues, uma das maiores revelações da música brasileira recente.
“No caso dele, que compõe com aquela qualidade, queremos saber suas ‘matérias-primas’, de que fonte ele bebeu, dua relação com a leitura. Ninguém constrói uma música como ele sem passar pela leitura”, diz Tom. A mediadora da conversa com Baco será a jornalista Rita Batista.
Outro talento baiano e também uma das maiores revelações nacionais recentes de sua área é o escritor Itamar Vieira Júnior, autor de Torto Arado. Itamar vai conversar com a brasiliense Paulliny Tort, autora de Erva Brava. “Mas não queremos ‘fechar’ a mesa no tema literário. Queremos pensar o contexto do escritor no mundo. Então, queremos que Itamar fale, por exemplo, de sua relação com Cajazeiras, já que parte da família dele vive lá e ele disse conhecer o bairro como a palma da mão. Claro que vai falar sobre seus livros, mas o público quer saber como ele chegou onde chegou”, afirma Tom.
E, como a representatividade é um dos objetivos da Flin, uma autora indígena também estará presente: a cearense Auritha Tabajara, cordelista que vem a Salvador pela primeira vez. “Sempre escrevi meus textos como cordel, mas eu não sabia que eram cordéis. Só mais tarde, aos 16 ou 17 anos é que me dei conta”.
Música e humor também estão na Flin
A música também vai estar presente na Flin, que vai ter apresentações de Nêssa amanhã; Hiran e Guedez, na sexta-feira e Afrocidade, no sábado. “Preferimos chamar de apresentação em vez de show, porque é um encerramento descontraído, no fim da programação, às 18h. Selecionamos as atrações com base também nas letras das músicas que dizem respeito ao público que estará lá”, revela Tom.
O humor, representado pelos baianos Thiago Banha e Jhordan Matheus, também terá vez. Na mesa A Resenha, o Riso, o Limite, eles vão conversar com a atriz Luana Xavier, no último dia do evento, às 15h. Para Tiago, o humor é uma ferramenta de transformação social e é importante estar entre as pautas do Festival.
“Muitas vezes o humor não é visto como arte, eu diria que é um dos mais nobres. É através dele que podemos fazer críticas e propostas de modo sutil e direcioná-las para quem não gostaria de recebê-las”, afirma. “A produção de humoristas negros, geralmente, está calcada na técnica, na graça, e no aspecto da denúncia”, avalia Tiago.
Também no sábado, haverá outro papo divertido, Cajacity é o Meu País, com baianos que fazem sucesso nas redes sociais. Um deles é Wendell Muniz, criador do perfil Cajazeiras da Depressão e do BBB Cajazeiras. Também estarão lá Marcela Guedes, cantora e criadora do Samba Ohana, e Eduardo Luz, administrador do site Fala Cajazeiras.
Afrocidade se apresenta no sábado (Foto: Roncca) |
Mesas e apresentações musicais
9 de Junho
10h
Mesa 1 – Entre o Blues e os Girassóis
Com Baco Exu do Blues e Rita Batista
15h
Mesa 2 – Os Livros Capazes de Transformar uma Vida
Com Rita Santana, Evanilton Gonçalves e Marielson Carvalho
18h
Apresentação Musical de Nêssa
10 de junho
10h
Mesa 3 – Onça Que Ruge, Onça Que Fala
Com Micheliny Verunschk, Auritha Tabajara e André Santana
15h
Mesa 4 – O Mundo que Nos Resta a Partir de Agora
Com Itamar Vieira Júnior, Renato Cordeiro e Paulliny Tort
18h
Apresentação Musical de Hiran e Guedez
11 de junho
10h
Mesa 5 – Mente Sã em Corpos Trans
Com Bixarte, Esteban Rodrigues e Alex Simões
15h
Mesa 6 – A Resenha, o Riso, o Limite
com Jhordan Matheus, Tiago Banha e Lua Xavier
18h
Apresentação Musical de Afrocidade
Programação completa em flin.ba.gov.br