A um ano da eleição municipal, os partidos dos principais cabos eleitorais do país – o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PL do ex – não refletem o vigor da disputa do ano passado, quando Lula obteve 50,9% dos votos e Jair Bolsonaro, 49,1%. Ainda que a polarização continue viva no ambiente digital, com lulistas e bolsonaristas se esbofeteando, nas maiores capitais do país os acordos políticos têm falado mais alto do que a gritaria das redes, e os partidos nem de um nem do outro têm, até então, candidatos competitivos.
Em São Paulo, mesmo a contragosto, o PT abraçará a campanha de Guilherme Boulos (PSOL) para cumprir o acordo firmado por Lula em 2022. O PL de Bolsonaro quer apoiar a reeleição de Ricardo Nunes (MDB), que já tem o aval do pupilo do capitão, Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador que só chegou ao Bandeirantes pela força do ex.
Bolsonaro não gosta do arranjo. Oscila entre beijos e tapas com o afilhado. Preferia – ou diz que prefere – ter candidato próprio. Já defendeu o nome do astronauta Marcos Pontes, ora estimula a candidatura do ex-ministro da boiada Ricardo Salles, ora puxa a corda. Ao que parece, quer ter um candidato, mas teme o vexame de um indicado seu perder feio.
O receio da derrota foi, provavelmente, o que fez Bolsonaro mandar o filho Flávio desistir da disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro. A hipótese de o rebento perder dois anos depois do pai teria ares de catástrofe para o bolsonarismo. Apostou as fichas em Walter Braga Neto, seu vice em 2022. Mas o TSE tornou o general inelegível. Agora, o ex tenta o fidelíssimo deputado Alexandre Ramagem (PL), ex-chefe da Abin, enrolado em processos judiciais. Mas não o faz de forma aberta, declarada. Não quer correr risco algum em sua principal base eleitoral.
Sem candidato próprio no Rio, o PT deve entrar na campanha de reeleição de Eduardo Paes (PSD), parceiro em alianças passadas.
Na capital mineira, os candidatos do PT, Rogério Correia, e do PL, Bruno Engler, aparecem em 6º e 7º lugares respectivamente, na pesquisa Datatempo realizada em setembro. Na corrida por lá, o deputado estadual e apresentador de TV Mauro Tramonte (Republicanos) lidera, seguido pelo radialista Eduardo Costa (Cidadania). O ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD) também carrega popularidade, mas mesmo tendo deixado a Prefeitura para disputar o governo do Estado em 2022, não pode ser candidato na disputa municipal pela terceira vez consecutiva.
No Recife, o atual prefeito João Campos (PSB) bate qualquer um. Tem 66,3% de aprovação de sua gestão e 50% de preferência do eleitorado, de acordo com Pesquisa Ipespe realizada em outubro. João Paulo do PT aparece com 15% e Gilson Machado (PL), ex-ministro de Turismo de Bolsonaro, 2%.
O PL, que chegou a ameaçar a eleição do atual governador tucano Eduardo Leite no ano passado com Onyx Lorenzoni, nem mesmo tem candidato em Porto Alegre. Bolsonaro até tem tentado atrair o ex-pluri ministro para a disputa, mas Onyx diz preferir dar o apoio ao atual prefeito Sebastião Melo (MDB), que tem aparecido na liderança das pesquisas. O PT tem a deputada Maria do Rosário como candidata competitiva, mas no mesmo campo há outra concorrente forte: Manuela D’Ávila (PCdoB), que chegou a sugerir uma consulta popular para a esquerda escolher um candidato único.
Anos-luz de distância da popularidade do atual prefeito de Salvador e candidato à reeleição Bruno Reis (União Brasil) – político ligado a ACM Neto, que no ano passado perdeu a disputa ao governo do estado para o petista Jerônimo Rodrigues -, o indicado pelo PT para a disputa de 2024, deputado estadual Robinson Almeida, também defende uma fórmula pouco usual: sugere que o candidato seja escolhido entre os nomes da Federação, que além do PT inclui PCdoB e PV. Uma forma de evitar que os votos de esquerda deságuem no atual vice-governador Geraldo Júnior (MDB). O PL de Bolsonaro deve entrar com o ex-ministro da Cidadania e deputado federal João Roma.
Puxa daqui, mexe dali, até agora PT e PL ou não têm ou têm candidatos frágeis nas capitais mais populosas. O que não quer dizer que Lula e Bolsonaro estão fora do tabuleiro. Ao contrário. Até pelo tipo de luta que seus seguidores travam, em várias cidades a nacionalização das campanhas será inevitável.
Pelas características regionais e acordos locais, eleições para prefeito costumam ser saladas com temperos diversos, misturando alhos e bugalhos. Não raro, é uma sopa de letrinhas, com partidos que se odeiam em nível nacional e trocam beijos nas suas cidades – ou vice-versa.
Nesse cardápio, nada é comparável ao ensopado paulista-carioca: No Rio, Lula deverá apoiar o ex-tucano e ex-peemedebista Eduardo Paes, do PSD de Gilberto Kassab, que apoia e participa do governo Lula, mas é secretário estadual do governador de São Paulo, Tarcísio, que, contra a vontade do padrinho Bolsonaro, apoia o peemedebista Nunes, do mesmo partido da ministra do Planejamento Simone Tebet, contra o psolista Boulos, apoiado por Lula. O vice de Lula, o neo-socialista Geraldo Alckmin, ex-governador e ex-tucano histórico, apoia sua companheira de partido Tábata Amaral, ex-PDT de Ciro Gomes.Uma gororoba de embolar o estômago e fundir a cabeça do eleitor.
Mary Zaidan é jornalista