O governo federal ficou fragilizado após duas pautas conservadoras avançarem no Congresso na quarta-feira (12). A Câmara dos Deputados aprovou a tramitação, em regime de urgência, de um projeto de lei que propõe a equiparação do aborto ao homicídio. Esse regime de urgência acelera o processo legislativo ao permitir que a proposta seja diretamente levada ao plenário, sem a necessidade de análise pelas comissões temáticas. Essa etapa é geralmente onde ocorrem os debates mais aprofundados. A votação para acelerar a tramitação foi realizada de forma expressa, durando apenas 23 segundos, sob a condução do presidente da Câmara, Artur Lira. Apenas o PCdoB e o PSOL orientaram voto contrário. O PT, partido do presidente Lula, liberou a bancada. Também ontem, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca a criminalização do porte e da posse de drogas em qualquer quantidade. A decisão, tomada por uma maioria de 47 votos a favor contra 17. O objetivo é inserir a criminalização diretamente no texto constitucional, especificamente no artigo que aborda os direitos e garantias individuais, conforme explicado pelo relator da PEC, o deputado Ricardo Sales (PL-SP). Com receio de perder popularidade, o Palácio do Planalto preferiu não comprar briga com os setores mais conservadores. Além disso, opositores usaram as votações para “emparedar” o governo.
Setores progressistas ficaram indignados com o projeto de lei sobre o aborto, que sugere um aumento significativo nas penas para quem realizar o procedimento, com a possibilidade de chegar a até 20 anos de prisão. Atualmente, o Brasil não criminaliza o aborto em três situações: quando há anencefalia fetal, em casos de estupro e quando a gravidez representa um risco à saúde da mãe. No entanto, o novo projeto propõe penalizar as vítimas mesmo em casos de abuso sexual, após as 22 semanas de gestação, uma mudança que gerou controvérsia devido à severidade da pena proposta, que seria maior do que a pena máxima para estupradores, atualmente fixada em até dez anos. A aprovação da urgência do projeto gerou reações diversas entre os parlamentares. Membros da base do governo e de partidos de esquerda, como PSOL, PT, PCdoB e PSB, manifestaram-se contra a rapidez da aprovação e prometeram criar obstáculos para a continuidade da tramitação. A medida também foi vista como um aceno de Arthur Lira (PP-AL) à bancada religiosa, em especial à bancada evangélica.
Já a discussão em torno da PEC das Drogas revelou uma clara divisão entre os parlamentares. Críticos, como o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), apontaram para o que consideram uma hipocrisia na medida, contrastando a criminalização do porte de drogas com a aceitação social de outras substâncias, como o álcool. Em contrapartida, defensores da PEC, como o próprio relator Sales, argumentam que a criminalização é necessária para combater o ciclo de financiamento do tráfico e outros crimes associados ao uso de drogas, defendendo uma legislação mais rigorosa como ferramenta de combate a essas atividades ilícitas. Enquanto isso, o STF (Supremo Tribunal Federal) mantém sua própria discussão sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, com os ministros divididos sobre a questão. A análise do tema pelo Supremo foi pausada em março, após um pedido de vista pelo ministro Dias Toffoli, e ainda não foi retomada.
*Com informações dos repórteres Marília Ribeiro e Henrique Carmo
Veja reportagens sobre os projetos na Câmara: