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Independência em dose dupla

Sim, minha comadre, óbvio que respeito a coragem e resistência do povo nas sangrentas e fundamentais lutas que resultaram na Independência da Bahia. Até hoje, reverencio os heróis e, principalmente, as heroínas desta batalha, que é essencialmente feminina. Inclusive, comprometido com a história e metido a estudioso da porra toda, já fui até puxar conversa com a ex-imortal Hildegardes Vianna, na imponente edificação do Instituto Geográfico e Histórico, ali na Piedade. Porém, logo de saída, digo, na chegança, ninguém teve dó. E passamos a trocar informações mais desencontradas do que aquelas do Corneteiro Lopes. A sisuda pesquisadora, com olhar inquisidor, implicou com minhas vestimentas: “Não tem mãe não, meu filho? Como é que anda com roupas deste tipo?”. (Devo confessar que não estava com trajes apropriados para o local. Justiça seja feita, não era indumentária para lugar nenhum – tradição que mantenho até os dias que correm). E eu, de pirraça, sabedor que a folclorista prezava muito pela máxima popular “Mate o homem, mas não mude seu nome”, comecei a chamá-la, insistentemente, de Hidelgard. Na quinta ou sexta vez, a criatura me expulsou do recinto com o grito tão forte que botaria aquele gemido do Ipiranga no chinelo. Pois bem. A partir de então, decidi ser gauche na vida. Mentira. Meu afeto pelos aspectos mundanos do 2 de Julho no Centro Histórico, digamos assim, começou bem antes. Seguinte foi este. Há pouco mais de 30 anos, não me perguntem a data exata, pois não uso relógio, realizei um esforço hercúleo, digno de registro no panteão dos mais perseverantes atletas da pátria. Para que vocês tenham uma ideia da façanha, mesmo atormentado por uma ressaca dos 600 demônhos, consegui subir alguns daqueles inconsequentes e intermináveis metros que ligam o Colégio Carneiro Ribeiro ao Largo da Soledade. Ali, conquistei minha independência. Como assim? Assim, ó. Ao me ver trêmulo e suando frio, uma generosa senhora sentenciou. “Meu filho, tente se acalmar, o nervosismo do vestibular acaba com as pessoas”. Com a visão um tanto quanto obnubilada, olhava para a estátua no largo enquanto ouvia a voz suave e firme daquele vulto heroico em minha frente, uma espécie de Maria Quitéria rediviva. “Tome um suco e um bolinho, meu filho”. Pronto. Rolou o estalo de Vieira. Depois daquele dia milagroso, tive a certeza de que poderia comer água na Lapinha & adjacências, pois estaria sempre protegido por estas santas e heroicas entidades. Assim, antes mesmo da alvorada, já enfrento a primeira batalha num isopor, no Largo da Lapinha. Depois, visto minha fantasia de Nezinho do Jegue e saio protestando e/ou bajulando os políticos, diante das casas enfeitadas; ao som das fanfarras, dos bêbados e do povo fofoqueiro que, no libertador 2 de Julho, transforma Salvadolores numa grande e desengonçada réplica de Sucupira, o que me deixa comovido como o diabo. E, nesta utopia de lugar, de fazer inveja a Dias Gomes, resta seguir o conselho de Baudelaire e embriagar sem cessar, até a batalha final, no Cravinho, no Terreiro de Jesus. Franciel Cruz é jornalista, escritor e autor de ‘Ingresia’

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