Num eventual versão brasileira e exagerada para o filme Adeus, Lenin!, imaginemos que uma pessoa conhecida ficou em coma por alguns anos e desperte na atualidade. Certamente, ela estranharia algumas coisas ao ligar a televisão, por conta das mudanças que o veículo vem sofrendo. Era impensável uma realidade, há 10 anos, em que a maior televisão do Brasil teria três produções de horário nobre protagonizadas e escritas por profissionais pretos.
Isso é uma realidade do agora: Amor Perfeito, Vai Na Fé e Terra e Paixão contam com Maria Gal e Diogo Almeida; Sheron Menezes e Bárbara Reis, respectivamente. A telinha ainda vai ganhar uma outra produção, com um conterrâneo de Maria Gal nos holofotes: Encantado’s, que vai ocupar as noites de terça na Globo a partir de hoje (2) e tendo Luis Miranda como um dos protagonistas.
A trama foi criada por Renata Andrade e Thaís Pontes e escrita por elas com Chico Mattoso e Antônio Prata, que assinam a redação final. A direção artística é de Henrique Sauer e a trama gira em torno dos irmãos Ponza, Olímpia (Vilma Melo) e Eraldo (Luis Miranda), que herdaram do pai um supermercado e uma escola de samba da série D do Rio de Janeiro. Ambos funcionam no mesmo espaço no subúrbio da cidade.
“Eu acho que, mais do que uma questão de conquista, tem uma coisa que não era mais cabível e não tinha como segurar esse movimento, que veio de Hollywood em séries que chegaram aqui ao Brasil. Mais cor, protagonismo preto, multifacetados elencos. É um momento interessante poder pontuar três novelas nesse perfil e que foi conquistado à base de luta e suor de muita gente”, conta Luis Miranda.
A série estreou no Globoplay em novembro do ano passado, fruto da oficina de humor para roteiristas negros realizada pela Globo em 2018. Para Antonio Prata, a série lida com as coisas que o Brasil tem de melhor: Carnaval, uma de nossas manifestações culturais mais importantes, e a fé, não só aquela religiosa, mas a fé na vida, de que as coisas vão ser melhores amanhã.
Os irmãos são donos de personalidades de distinções tão grandes quanto o tamanho de seus corações. Ela tem o objetivo de gerir o negócio que dá sustento à família. Ele, por sua vez, herdou do pai o sonho de ser um grande carnavalesco e faturar um título no carnaval do Rio. Essas contradições fazem com que protagonizem momentos cômicos e afetuosos junto ao elenco.
Vilma comenta que, enquanto mulher preta, se sente representada e privilegiada por se ver na tela. “Quando eu falo em me ver, digo em relação aos meus pares. Eu acho que é assim que as pessoas pretas e suburbanas vão se sentir”, explica.
“Estamos falando de pessoas reais, pessoas que existem, como uma tia, uma mãe, uma amiga. E temos uma lente de aumento para aquilo. A escola de samba nada mais é do que o reduto cultural daquelas pessoas. Então o subúrbio você vê ali na tela presente e representado”, comenta Vilma.
Renata Andrade reforça que a comédia fala sobre sonhos, perseverança, fé e relações. Ela conta que assinar o projeto é um passo importante para solidificar sua carreira e abrir caminhos para outras roteiristas pretas sobreviverem desse ofício cinematográfico.
Com a história de Eraldo, Luis Miranda segue nesse mesmo caminho e diz que conseguirá mostrar vários brasileiros numa única pessoa: “os negros não aceitaram mais fazer os papeis de fundo, com senzala, empregados. A gente quer contar nossas histórias. Têm vindo mais dramaturgos pretos, atores com mais postura e colocação e o dinheiro tem circulado. É um projeto financeiro, é dinheiro rolando. Falamos de uma coisa qu dá dinheiro. Não ganhamos nada, pegamos o espaço após lutas bravas”, avalia.