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Maior herói dos gaúchos, Bento Gonçalves deve sua liberdade aos baianos

Tela de Guido Mondin, artista e político gaúcho falecido em 2000 que retrata Bento Gonçalves preso no Forte do Mar, atual São Marcelo (Reprodução)

Quando Caetano Veloso homenageou (ou sacaneou?) o finado e conterrâneo Raul Seixas, na música ‘Rock ‘n Raul’, meteu uma frase que soa estranha para quem não tem poesia no estojo: “a verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul”. Talvez essas palavras tenham feito pleno sentido para alguns baianos resgatados de trabalho análogo à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves, cidade gaúcha que lhes parecia o Eldorado, mas virou garimpo de atrocidades, extremo oposto da liberdade concedida por outros baianos àquele que lhe empresta o nome.

Enquanto insurgentes de Salvador ajudaram Bento Gonçalves a escapar do Forte do Mar (atual São Marcelo), para que ele em seguida se tornasse o primeiro presidente da República Rio-Grandense (o atual Rio Grande do Sul já se declarou um país independente, nos idos de 1836), a liberdade dos baianos nos vindos de 2023 só foi conquistada por uma fuga autônoma de três trabalhadores, que procuraram a polícia de Caxias do Sul para denunciar as sevícias do alojamento na cidade vizinha, onde eram mantidos contra a vontade, sob choques e spray de pimenta.

E já que essa coincidência (ou ironia) histórica ainda arde, anote aí mais uma: o Colégio Duque de Caxias, em Salvador, fica no meio do bairro da Liberdade, na Rua Lima e Silva. Rufam os tambores na beira da praia para avisar que Duque de Caxias e Lima e Silva são, rigorosamente, o mesmo personagem – e ele tem tudo a ver com o fim da linha para Bentinho, ora com o nome sujo por essa história oblíqua e dissimulada que o Brasil atual tem contado.

Forte São Marcelo, antiga Alcatraz baiana de onde Bento Gonçalves escapou (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) 

O Império contra-ataca
O jornalista e pesquisador Jorge Ramos, diretor do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), concorda que “é uma ironia que o nome de Bento Gonçalves e o da Bahia venham a se cruzar novamente”.

O primeiro cruzamento, lembra ele, foi em 1835 (portanto, há quase 190 anos), quando BenGonça, estancieiro (como os gaúchos chamam fazendeiros), dono de várias cabeças de gado, se voltou contra o Império e, entre outras coisas, o aumento desarrazoado de impostos.

Era o período regencial, quando Dom Pedro I partiu a mil, para tentar resolver problemas de Portugal, e largou a batata quente no colo de Dom Pedro II, que ainda passava as tardes jogando Minecraft. Sem poder assumir o trono por causa da tenra idade, criou-se um clima de falta de comando, e pipocaram rebeliões contra a Regência, em alguns casos, como o dos gaúchos, tentando a independência. 

“Após ser preso por liderar a Revolta dos Farrapos, Bento Gonçalves foi trazido à Bahia e encarcerado no Forte do Mar. A ideia do Governo Central era tirá-lo de perto da revolta (Farroupilha). Ele tinha sido preso e levado ao Rio, mas com uma tentativa de fuga, foi punido, vindo para bem longe do local do conflito, que tinha prosseguido, embora em menor escala, depois da prisão”, situa Ramos.

“Aqui na Bahia, ele recebeu substancial ajuda de maçons baianos. Bento também era maçom, e a organização estava presente em todas as revoltas regenciais, que além de lhe darem fuga, lhe emprestaram muito dinheiro para ele retornar ao Sul e voltar a liderar a revolução”, a qual resultou na primeira experiência republicana da história do Brasil: dá para dizer que Bento Gonçalves foi, oficialmente, o primeiro presidente no país.

Bento Gonçalves da Silva, líder da Revolução Farroupilha (Reprodução)

Vinhas da ira
Antes de voltar ao Sul, migrando da prisão direto para a Presidência – acabaram de imitá-lo, não sei se viram –, Bento Gonçalves passou um tempo curtindo a Ilha de Itaparica e trocando umas ideias com a turma revoltosa daqui, que tinha propósitos menos desagregadores.

“Aqui, Bento se reuniu com os maçons baianos e, dois meses depois que ele foi embora, eclodiu a Sabinada. Farrapos e sabinos compartilharam sonhos, e têm muito a ver”, comenta o pesquisador.

E esse muito a ver também tem tudo a ver com a sobrevivência do gaúcho, que quase foi morto em terras baianas, revés impedido pelos parças locais.

“Bento quase foi envenenado no Forte do Mar, e quem tentou matá-lo era ligado ao Governo Central, a serviço do Regente Feijó, mas por conta própria. Acredita-se que tenha sido iniciativa de um dos militares encarregados de sua vigilância”, cita Ramos sobre o episódio que terminou com um gato e um cachorro mortos pelo veneno.

“Ocorre que o Ministro da Justiça da Regência [Una de Diogo] Feijó era o baiano Francisco Gomes Brandão, que veio a ser Visconde de Jequitinhonha. Ele era também, escondido, maçom e suspeitou-se que havia uma armação. O fato é que, sem ajuda dos baianos, Bento Gonçalves não teria sido o líder que foi… E sua importância para a História do Brasil teria sido menor”.

Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, foi o responsável por neutralizar Bento Gonçalves, desmobilizando a Revolução Farroupilha que este eclodira. Mas a maior derrota de BG, sem dúvida, foi ter o nome ligado ao caso dos baianos subjugados nas vinhas da ira, rebelando-se e fugindo, fazendo também escapar a lembrança de que “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”.

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