Nos últimos vinte anos, dos nove ministros da Cultura que o Brasil teve, três eram mulheres. Brancas. Apenas uma pessoa negra ocupou o posto, um homem. E que homem. Gilberto Gil. Desses nomes, nenhum tem no currículo a formação em Gestão Pública.
Quando o nome de Margareth Menezes foi ventilado como indicação para o cargo no terceiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva, parte dos setores de esquerda criticou a possível escolha. Entre os argumentos, o fato de Maga não ter no currículo títulos em Administração Pública ou Gestão.
O Brasil acumula quatro anos de desmonte da cultura, a começar pela extinção do ministério durante o mandato do atual presidente. Os olhos do país estão voltados para o setor, com expectativas altas de reconstrução do ponto de vista simbólico e econômico, afinal a indústria da economia criativa movimenta cerca de R$ 171 bilhões por ano no território nacional.
Margareth e Lula (Foto: Ricardo Stuckert) |
Certamente haverá quem diga que esse é o motivo para tamanha preocupação com a pasta. Nunca se questionou tanto as credenciais de alguém que sequer iniciou o trabalho no Ministério da Cultura, porque estamos num momento de crise, é preciso reconstruir o segmento depois da destruição que vivemos, blablabla.
Esse é o ponto que revela o racismo dos que se dizem aliados da luta antirracista. Uma mulher negra que sustentou uma carreira musical de trinta e cinco anos deixando marcas profundas na música brasileira tendo surgido em um cenário musical ainda mais racista que o atual com certeza entende de gestão. Ela vem gerindo a própria carreira com destreza e competência no decorrer dessas mais de três décadas.
Cravou seu nome na história como a primeira cantora a gravar um samba-reggae: a música Faraó, composta por Luciano Gomes em 1987. Um divisor de águas na carreira do bloco afro Olodum, até então porta-voz solitário da canção épica, que segue como um hino do carnaval e repertório baianos que ganharam coro em todo o Brasil.
Em 1990, Maga foi pioneira na música baiana ao misturar percussão com beats eletrônicos no segundo disco da sua carreira, “Um Canto para Subir”. Em 2001, lançou o movimento Afropopbrasileiro, com o disco homônimo, que traz o hit Dandalunda, composição de Carlinhos Brown eleita música do carnaval 2003.
Ela pode não ter no currículo o tão cobrado curso de Gestão, mas tem indicações ao Grammy Awards e ao Grammy Latino. Tem o reconhecimento pela ONU como uma das 100 personalidades negras mais influentes do mundo. Foi nomeada pela Unesco como embaixadora da cultura popular do Brasil.
Ainda sobre gestão, que tal lembrar a Fábrica Cultural, sediada na Península de Itapagipe, no bairro da Ribeira, em Salvador, que desenvolve há 18 anos um sólido trabalho nas áreas social, educativa, cultural e de sustentabilidade? Neste ano, a entidade inaugurou o Espaço Iaô de Criação, para fortalecer o afroempreendedorismo baiano.
Eu vou parar por aqui, porque Djamila Ribeiro já está escrevendo uma biografia sobre a artista e empresária. Mas as linhas escritas por mim nesta coluna já me permitem dizer que Margareth Menezes não precisa provar mais nada.
Luana Assiz escreve sobre Margareth Menezes |
Luana Assiz é jornalista, especialista em Jornalismo Científico pela UFBA, apresentadora da TV Bahia do núcleo de Entretenimento e compositora