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Microscópio de R$ 5 milhões está há 7 anos sem uso no DPT de Salvador

Em uma sala transformada em depósito na sede do Departamento de Polícia Técnica (DPT), na Avenida Centenário, em Salvador, R$ 5 milhões estão inutilizados há sete anos. É em um ambiente com infiltrações, mofo e materiais descartados que está abandonado o Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV), um importante instrumento tecnológico de pesquisa que viabiliza análises detalhadas de resíduos físicos e de elementos resultantes do disparo de arma de fogo. O equipamento, que poderia estar sendo usado na investigação de crimes, foi adquirido através de financiamento com um banco internacional.  

“Não se faz perícia só com viaturas, coletes e armas. Você precisa ter provas robustas e contundentes. Se o delegado chama a perícia para o local de crime contra o patrimônio ou homicídio, ele espera que a perícia forneça dados para poder ajudar na investigação. Mas como fazer isso? O prédio-sede do DPT, em Salvador, está numa infraestrutura precária, com problemas elétricos e hidráulicos. Faltam equipamentos. Nosso parque tecnológico está totalmente degradado”, criticou o presidente da Sindicato dos Peritos Criminais da Bahia (Asbac), o perito criminal Leonardo Fernandes. 

O MEV chegou à Bahia em 2008. A tecnologia é a mesma usada pela Polícia Federal (PF) e é capaz de produzir imagens de alta ampliação (até 300 mil vezes) e possibilitar uma melhor correlação entre as amostras de local de crime e aquelas colhidas junto a suspeitos e/ou outras pessoas ou locais de interesse, indicando se há ou não presença do mesmo elemento entre as amostras analisadas. O procedimento é mais demorado, porém mais preciso devido à sua sensibilidade e confiança. À época, o governo do estado da Bahia financiou a compra através do banco Expansión, da Espanha, num programa voltado para redução de homicídios, a partir da utilização da prova material.  

Na ocasião, foi  construída uma sala refrigerada especialmente para abrigar o MEV, conforme orientação do fabricante – no entanto, o equipamento só funcionou até 2015. Por falta de manutenção, desde então, de acordo com a Asbac, a sala virou um dos depósitos do Laboratório Central de Polícia Técnica (LCPT), com cadeiras e portas quebradas, escadas, armários e computadores inutilizados, caixas de papelão e entulhos.

Em época de chuva, a sala alaga. “É um equipamento tão sensível que precisa de uma sala específica, refrigerada, para não criar fungos nas lentes. É inadmissível perder um equipamento desse, com tecnologia de ponta. Para se ter uma ideia, com R$ 5 milhões, daria para fazer uma bela reforma no prédio central da Polícia Técnica, consertaria o sistema de ar e outros aparelhos, traria equipamentos novos, daria qualidade de trabalho ao pessoal”, declarou o presidente da Asbac.

Sem o MEV, os laudos solicitados pela Polícia Civil para detectar a recenticidade de disparo de arma de fogo (exame residuográfico) são realizados pelo exame de pólvora combusta, método não mais recomendado pela Associação Brasileira de Criminalística (ABC). Isso porque o método pesquisa somente o elemento químico chumbo.

Já no MEV, a busca é pelo chumbo, bário e antimônio, que são resíduos comuns de uma arma de fogo. “É falho (pólvora combusta), porque pode dar um falso positivo. Por exemplo, um mecânico, que trabalha com metal pesado, pode ser acusado de um crime que não cometeu. Até uma casca de laranja pode dar um falso positivo. A ABC já condenou esse exame, e muitos advogados recorrem das decisões na justiça quando tomam conhecimento desse método falho e isso acaba atrasando o andamento das investigações”, explicou Fernandes.
 
Repetição 
E o sucateamento corre o risco de se repetir com vários outros equipamentos de última geração, que custaram ao governo federal aproximadamente R$ 4,5 milhões. Há cerca de um ano, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) enviou para o DPT um total de 82 maletas para processamento de local de crime, levantamento e coleta de impressões digitais, que somam R$ 1.390.064,00. Entregou também cinco detectores de metais (R$ 49.450,00), cinco boroscópios (câmeras de inspeção) digitais com tela LCD (R$ 6.500,00) , além de 25 tablets (R$ 30.500,00).

No entanto, todos esses equipamentos permanecem até hoje encaixotados em depósito, no andar térreo do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), uma das unidades da sede do DPT. “Eles alegam que falta documentação, mas a Senasp já mandou por escrito que essa papelada demora, mas que eles podem e devem colocar em uso. A maioria desses aparelhos tem um ano de garantia e já estão há um ano parados. É uma tecnologia que não temos. A última vez que tivemos acesso a algo do tipo já tem mais de dez anos e os aparelhos da época já viraram sucata”, declarou o presidente da Asbac. 

Equipamentos de última geração doados pelo governo federal no valor R$ 4.5 milhões estão há um ano encaixotados (Foto: Divulgação)

Já um outro aparelho altamente tecnológico funciona de forma precária. É o AIBIS (microcomparação balística). “Você coloca o projétil e ele compara com armas de outros crimes, através do cruzamento de dados. Porém, a máquina está subutilizada porque você não tem todos os recursos. Você alimenta o banco de dados, mas não consegue fazer o cruzamento dessas informações, porque o Estado não paga a manutenção do sistema, que é feita através do uso do software”, denunciou Fernandes. 

Referência
Atualmente, os laboratórios de referência de polícia técnica são os de São Paulo, Distrito Federal e o da Polícia Federal. Até 2007, o DPT da Bahia estava entre os melhores do país. “Nosso parque tecnológico era maior que o da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Éramos referência. Mas os outros estados, principalmente do Nordeste, evoluíram, reformaram, construíram seus institutos, compraram equipamentos e o nosso fez o caminho inverso. Hoje, Sergipe, Ceará e Pernambuco passaram a gente. Não tem muito tempo que precisávamos de um exame para saber se um agrotóxico era falsificado e tivemos que enviar amostra para Sergipe fazer a análise”, relatou o presidente da Asbac.  

Em dezembro de 2019, o governo de Sergipe inaugurou o Instituto de Análises e Pesquisas Forenses Luiz Bispo (IAPF), em São Cristóvão. Situado no complexo do Sergipetec, o novo espaço custou R$ 4,2 milhões ao Estado. “Com um valor menor do custo do MEV, Sergipe fez um prédio, criou um laboratório do zero e colocou todas as coordenações que a gente tem aqui. Com R$ 5 milhões, a Bahia voltaria a ser referência no Norte-Nordeste”, declarou Fernandes. 

De acordo com a Asbac, dos R$ 100 milhões que a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) destinou no ano passado para a manutenção dos prédios dos órgãos que compõem a pasta, pouco mais de 5% foram para o DPT. 

Sala onde está o MEV virou depósito  (Foto: Divulgação Asbac)

Viaturas 
A falta de manutenção na estrutura física da sede do DPT e a ausência de materiais e equipamentos para as análises comprometem muitas investigações, segundo peritos ouvidos pela reportagem.

Em dias de chuva, salas e laboratórios são inundados. Paredes viram cachoeiras e equipamentos caros ficam expostos a enxurrada que desce por todos os lados. “Se alguém for no nosso laboratório, chora. Funcionários procuraram o sindicato reclamando de falta de papel higiênico, água e sabão. Como é que você trabalha num laboratório, que mexe com resíduos e ácido desse jeito? E se o servidor precisar às pressas lavar o rosto?”, denunciou a presidente da Asbac. 

De acordo com a entidade sindical, o DPT recebeu do governo federal nove viaturas novas, mas os veículos estão parados há mais de oito meses no pátio do próprio departamento. “São picapes L200 Triton completas. É só o governo fazer a transferência para o DPT, mas o processo é tão lento, que essas viaturas estão lá paradas, enquanto no interior falta até pneus nos carros usados pela equipe técnica para trabalhar”, criticou o presidente da Asbac.

Nove viaturas doadas pelo Senasp estão paradas há oito meses no DPT por causa de burocracia (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)

Elevadores
Em maio deste ano, os três únicos elevadores do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) quebraram e os corpos foram levados em carros-prancha no estacionamento do órgão. Os cadáveres saíram da sala de necropsia, que fica no primeiro andar do prédio, para a geladeira, no andar térreo. Os carros-prancha desceram uma rampa que faz a ligação dos andares.

O CORREIO flagrou o transporte de três corpos, fez registros de dois deles – um caiu no chão e posteriormente foi colocado de volta ao carro-prancha. Segundo um dos funcionários que trabalha na necropsia disse na ocasião, os elevadores estavam parados por falta de manutenção.

Com elevadores quebrados, corpos foram transportados em carros-prancha no DPT (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO)

Mas essa não foi a primeira vez que o CORREIO registrou a situação. Em setembro de 2016, os mesmos elevadores ficaram sem funcionar por quatro dias porque também estavam quebrados. Postos em carros-prancha, os corpos cobertos com um lençol passaram pela rampa até chegar à geladeira.

DPT tem déficit de 1.212 servidores 

Ausência de manutenção na estrutura física e a falta de materiais e equipamentos para análises não são as únicas situações que afetam o DPT. Um relatório feito pelo próprio órgão no ano passado, ao qual o CORREIO teve acesso, fez um diagnóstico do quadro funcional da unidade e constatou que há um déficit de 1.212 servidores, ou seja, 57,2% em relação ao efetivo previsto no estatuto estadual. 

São servidores que integram o quadro da Polícia Civil do Estado da Bahia nas carreiras de perito criminal, perito médico legista, perito odonto legal e perito técnico que atuam no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), Instituto de Identificação Pedro Melo (IIPM), Instituto Criminalista Afrânio Peixoto (ICAP), Laboratório Central de Polícia Técnica (LCPT) e Diretoria do Interior (DI). 

No início deste mês, o governo do Estado divulgou um concurso para preencher 456 vagas no DPT. Porém, além de não suprir o déficit na instituição, os servidores recém-aprovados entrarão com 1/3 da categoria em processo de aposentadoria, segundo a Asbac. 

De acordo com o relatório, atualmente o DPT tem 345 peritos criminais para atender os 417 municípios baianos. Deste universo, 177 estão em Salvador e os demais, 168, distribuídos no interior. O ideal previsto em lei é de 600 – um déficit de 255 servidores. O levantamento aponta que o total de peritos técnicos na Bahia é de 309, dos quais 170 estão na capital e 139 nas outras cidades do estado. Para dar conta de todas as demandas, o número correto seria de 1.039 – uma escassez de 730 servidores. 

O raio-x do quadro funcional do DPT mostra também que em Salvador há 76 peritos médicos legistas e 138 no interior – um total de 214 profissionais no estado, sendo que o ideal seriam 420, significando um déficit 206 de servidores. O problema é o mesmo com os peritos odonto legais. Eles são 37 na Bahia, dos quais 10 estão na sede do DPT e os demais no interior. O relatório aponta que seriam necessários 60 profissionais – neste caso, há um déficit de 23 servidores. 

A sede do DPT, na Avenida Centenário, em Salvador, atende as demandas da capital e da região metropolitana, como Lauro de Freitas, Simões Filho, Dias d’Ávila, Candeias, São Sebastião do Passé, e Madre de Deus.  

Para atender todo o estado, o DPT dividiu a área de atuação em seis unidades. A primeira é a Grande Regional Recôncavo, com sede em Feira de Santana, e possui as Coordenadorias Regionais de Polícia Técnica (CRPT’s) de Feira de Santana, Alagoinhas, Camaçari, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus e Vera Cruz. Desta forma, são atendidos 94 municípios que representam uma população de 3,19 milhões de pessoas. 

A segunda é a Grande Regional Nordeste, com sede em Juazeiro, que possui as CRPT’s de Juazeiro, Euclides da Cunha, Paulo Afonso e Bonfim, para atender 49 cidades – uma população estimada de 1,64 milhão de habitantes. Em seguida vem a Grande Regional Chapa, com sede em Irecê. As CRPT’s de Irecê, Barra, Itaberaba, Jacobina e Seabra atendem 74 municípios, que somam uma população de 1,45 milhão de pessoas. 

A cidade de Itabuna é sede da Grande Regional Mata Sul, composta pelas CRPT’s de Itabuna, Eunápolis, Ilhéus, Itamaraju, Porto Seguro, Teixeira de Freitas e Valença. Essas unidades atendem 65 municípios, um total de 2,36 milhões de habitantes. A Grande Regional Oeste está sediada em Barreiras e os CRPT’s são: Barreiras, Bom Jesus da Lapa e Santa Maria da Vitória, que cobrem 37 cidades, que somam uma população de 951,3 mil.
Por fim, a cidade de Vitória da Conquista é sede da Grande Regional Planalto, que CRPT’s de Vitória da Conquista, Brumado, Guanambi, Itapetinga e Jequié, para dar conta de 94 municípios, com 2,14 milhões de habitantes.

Sem posicionamento
Durante os dias 14, 15 e 16 deste mês, o CORREIO procurou a assessoria de comunicação do DPT através de ligações, mensagens e e-mails, mas até o momento não obteve resposta.  Diante da falta de posicionamento, a reportagem procurou também a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e o Governo do Estado da Bahia. Contudo, até o fechamento desta reportagem, não houve nenhuma resposta. 

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