Já sabemos que o fenômeno Milei contém uma simbologia com influência no Brasil. (Em política, os gestos e os símbolos importam muito. Têm efeitos pertinentes na movimentação da Agenda Política. A Agenda é a bússola da governança e da governabilidade).
Com efeito, a eleição de Javier Milei carrega, “per se”, significados que já produzem efeitos práticos na política da América do Sul e do Brasil. Aqui, estes efeitos também poderão ter influência nas eleições municipais de 2024 e, depois, nas eleições nacionais e estaduais de 2026. Explico-me.
Conhecedor da política argentina, o embaixador José Botafogo, ex-embaixador na Argentina, fez uma análise arguta da vitória de Milei. Disse que é muito cedo para se assustar com o discurso palanqueiro de Milei: “a relação entre Brasil e Argentina não depende da vontade individual do presidente ou do ministro de plantão (…) Não acredito que haverá uma grande mudança”.
No caso do Brasil, a interdependência é longa e forte. Na prática, a balança comercial será um imperativo de realidade e um farol, para além da retórica. Realmente, já no pós-eleição, Milei mudou a roupa. Tudo indica que José Botafogo acertou.
Mas, vamos ao primeiro efeito simbólico. Botafogo foi ao ponto outra vez ao comentar a vitória de Milei sobre a tradição do peronismo na Argentina: “Não existe país no mundo que fique para sempre preso a um líder. Não aconteceu na Europa, nos Estados Unidos e nem mesmo na China”.
E daí? Daí que, no Brasil, a simbologia poderá ter o efeito pertinente de levar o eleitorado jovem a rejeitar, já em 2024, a longa permanência de caciques e clãs no poder local. Depois, em 2026, poderá resultar em eventual rejeição do populismo de direita e de esquerda. É uma possibilidade política que pode vir a afetar tanto o bolsonarismo quanto o lulismo.
Além deste efeito simbólico em 2024 e 2026, há outro efeito já em curso. Trata-se do fôlego renovado do bolsonarismo, observado por Maria Cristina Fernandes. Para ela, Javier Milei deu eco ao populismo de direita: “o apelo liberal fantasiado de extrema direita preserva seu espaço neste canto do mundo” (o Brasil).
A oposição ganhou fôlego no Congresso, na esteira de Milei. E na esteira de erros do governo. A aprovação da carteira verde e amarela, por exemplo, foi um “troféu ao bolsonarismo sem Bolsonaro”, para Maria Cristina.
Ainda para ela, a interpretação de que poderá haver intervenção do governo na Petrobrás, ajuda a reascender o tema corrupção na oposição bolsonarista. Da mesma forma, a escalada do crime organizado e da violência é também debitada ao governo federal, e não apenas aos governos estaduais.
Juntos, corrupção e criminalidade ampliam os ecos da oposição bolsonarista. Pesquisa Atlas mostrou que a avaliação negativa (ruim/péssimo) do governo Lula ultrapassou a positiva (ótimo/bom).
Tudo somado, quem diria, o fenômeno Milei pode ajudar a alterar o movimento das nuvens na política brasileira, com um avanço da extrema direita e do populismo de direita. Tendo com palco principal de atuação o Congresso e as redes sociais.
Tudo com o eco dado pelo fenômeno Milei.
Como nuvens políticas são nuvens políticas, o presidente Lula já reagiu. Reposicionou as relações com a presidência do Senado e com o Senado. E, também, as relações com o STF. Os vetores do reposicionamento, como se sabe, são as novas indicações para o STF e para MP federal: Flávio Dino e Paulo Gonet.
Trata-se de um ajuste na institucionalidade. Lula ganhará mais protagonismo na mediação das relações entre os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário. Com efeitos pertinentes no ambiente político nacional e na percepção da sociedade sobre o “estado da Nação”. A conferir.
*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.