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Minha avó sempre dizia “não se misture com gentinha”

Por ingenuidade ou pela arrogância inerente à juventude, já me enrolei com criaturas que não devia. Falta de aviso não foi. Cresci escutando que não era pra abrir certos espaços para certo tipo de gente muito fácil de identificar. Minha avó sempre dizia “não se misture com gentinha”. Minha mãe, por sua vez, cansou de observar “você dá muita intimidade antes de conhecer direito as pessoas”. “Dou e tiro, se precisar”, respondi por décadas, o que é a mais absoluta verdade.

Só que, já adulta, entendi que é mesmo bem melhor evitar. Economiza tempo, dinheiro e energia. Agora, tô treinada e não me lembro da última vez em que errei nessa avaliação. Aliás, lembro. Foi há muito tempo e não nos falamos mais. Hoje em dia, eu posso até me aproximar desses tipos, por alguma necessidade, mas uma parede é erguida entre a pessoa e minha intimidade. Não tem como alguém ultrapassar.

“O que seria gentinha?”, você pode estar se perguntando, pensando em recortes cheios de preconceitos. Me inclua fora disso, caro leitor. “Gentinha”, aqui, não tem conotação social nem de gênero nem de etnia nem de orientação sexual nem de geopolítica nem nenhuma outra que hierarquize grupos de humanos atribuindo, a eles, maior ou menor valor. Isso quem faz, inclusive, é certa qualidade de “gentinha”. Parte das pessoas das quais mantenho distância para o bem da minha saúde física e mental.

Mas não é o único tipo. “Gentinha” bate ponto dos salões mais nobres às mais simples comunidades. Tem “gentinha” nas portas dos quartéis mandando sinal pra ET, mas também nos mais bonitos e legítimos movimentos sociais. “Gentinha” pode parecer muito legal, pode até ser mãe ou pai “exemplar”. Mas, em algum momento, mostra a miudeza incontornável. Por isso que quando alguém me fala “quero te apresentar uma pessoa”, digo “tá certo” e passo a observar. Com algum tempo e intuição, fico sabendo se quero intimidade ou não. Há uma sombra em “gentinha”. Algo confuso e, sempre, certa forçação de barra para a “aprovação”. Basta olhar.

(Na vez mais recente, reconheci só de ver fotos, juro, pode acreditar.)

Mesma coisa para entrar na casa alheia. A não ser em festas, eventos quase impessoais, é devagar, devagarinho demais. Até sentar na cozinha de alguém, haja estrada. Por ter virado uma pessoa bem “duvidadeira”, mantenho várias amizades longevas e profundas, mas não sou uma pessoa que sempre tem alguém novo pra apresentar. Também é por não me misturar com “gentinha” que consigo trabalhar em paz.

Por exemplo, em março de 2017, publiquei meu primeiro artigo no Jornal Correio. Fui muito lida. Fiquei feliz e fui ver os comentários nas redes sociais do jornal. Aí entendi, em toda a plenitude, o sentido da expressão “gentinha”. Eu não esperava que todas as pessoas concordassem comigo, mas, ao lado de comentários normais (contra ou a favor do objeto) o derramamento de ódio ia além de qualquer discussão sobre conteúdo e estava aquém de qualquer resquício de civilidade. Era uma minoria, mas fazia barulho pra danar.

Minha chefa, mulher retada, me disse que era pra eu ver se ia me acostumar ou desistir. Porque “gentinha” viria, entre os leitores normais, inevitavelmente, fosse qual fosse o teor das minhas publicações. Que o que eu não podia deixar é que me fizessem mal. Que eu visse se queria seguir publicando ou não. Na semana seguinte, eu já estava lá. De novo, muitíssimo lida e com o firme propósito de nunca mais me misturar com aquela energia. Porque, não vou mentir: na primeira semana, fiquei assustada e quase desisti de escrever.

(O que pode não lhe fazer falta, mas a mim faria demais.)

Criei estratégias pra não me contaminar e a primeira delas foi evitar ler qualquer comentário sobre meus textos. Durante muito tempo, portanto, enquanto o pau quebrava nas redes, eu vivia a minha vida normal, cuidando das minhas coisas e de mim. Só via os números, sempre excelentes, de acesso ao meu conteúdo e ganhava meu salário honestamente. Quando havia alguma discussão interessante, algum contraditório que valesse a pena, eu era avisada por quem acompanha esse retorno e, aí sim, entrava na discussão.

Já cheguei a ter dois milhões de acessos, em um só artigo, em 24 horas. Dois milhões de pessoas lendo. É muita, muita gente. É gente demais.  Normalmente, são, pelo menos, milhares. A cada semana, toda semana, desde março de 2017. Faça suas contas. Boa parte dessas pessoas podia ter sido facilmente conduzida às minhas redes sociais e hoje eu estaria aí fazendo “publi” adoidada. Talvez até sendo “ryka”, quem sabe? Ou, pelo menos, ganhando de creme de cabelo a vestido, tudo de graça. Por um lado, seria massa.

Nada contra quem faz (é trabalho), mas deixar meus perfis fechados é também parte da estratégia de manter “gentinha” bem afastada. Não tenho saco. Aceito pouquíssimas pessoas. Com isso, ganhei muita gente ótima na vida, fiz lindas amizades. Mas, por outro lado, a lista de bloqueados é enorme. Eventualmente, eles criam novos perfis pra tentar outra abordagem e chegam a se humilhar tentando me ofender naquelas “solicitações ocultas” que checo de vez em quando. Dezenas deles ficam por lá, na mais absoluta irrelevância, em total anonimato.

Vivo em paz. Para isso, abro mão, tranquilamente, de certo tipo de “popularidade”. Adoro quando dizem “vou lhe cancelar”. De onde, criatura? Pergunto antes de gargalhar pra quem me ameaça com uma arma inexistente. Já são quase seis anos e, hoje, até publico meu número de telefone no jornal. Toda semana. Não pega nada. Normalmente, recebo afeto ou o contraditório de forma civilizada. Porque algo que também aprendi é que “gentinha” fica valente é na manada ou camuflada no suposto anonimato.

No tête-à-tête é diferente. Se alguém sai do tom no WhatsApp, há os prints e sempre se pode judicializar. Nisso, estão ligados porque “boi sabe onde arromba cerca”. Então, por hoje, fica a dica de vovó. Ter uma cerca forte. “No pessoal e no profissional”. Dentro dela, grama verde, abundante, sombra, água fresca e não pra qualquer um. O critério, você escolhe. O meu é ser gente grande. Pessoas que me despertem admiração, afeto, leveza, confiança. Do meu tamanho pra mais porque juntos dos bons é que a gente fica melhor, conforme você sabe. Que eu possa retribuir, do mesmo modo. O resto não importa. Que sigam – ou descansem – em paz.

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