Após a situação ocorrida no sábado (25) durante o pagamento aos cordeiros que trabalharam no Carnaval, o Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT) vai apurar, nesta segunda-feira (27), todas as irregularidades das normas que não foram cumpridas durante o festejo, como saída dos blocos com até 7 horas de atraso, lanches e águas que não foram entregues ou cordeiros que receberam de forma fracionada.
Há, também, uma reunião marcada para a próxima sexta-feira (3), com vários órgãos de controle que atuaram no Carnaval para avaliar e fazer um balanço do que ocorreu no evento, para que não ocorra novamente no Carnaval do próximo ano.
Para os procuradores, é necessário garantir as condições mínimas de saúde e segurança dos trabalhadores, o registro da relação de trabalho e a existência de um seguro privado ou do seguro pelo INSS para caso, no meio do circuito, de o cordeiro enfrentar um acidente de trabalho.
Além disso, haverá uma averiguação sobre a presença de menores de 18 anos trabalhando na função. “A presença deles [menores] é um trabalho considerado de risco físico. Os blocos são orientados a não contratarem, mas há indícios de que houve”, disse o procurador Rogério Paiva.
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), órgão ligado à Secretaria Municipal da Saúde, fiscalizou as entidades carnavalescas e vai emitir um relatório para ajudar o MPT com o inquérito que será aberto esta semana.
Problemas
Os trabalhadores estão sujeitos a agressões – dependendo dos foliões que acompanham ao lado da corda -, água gelada saindo das “arminhas” das Muquiranas, horas em pé, muitas vezes com sede e fome, além do valor extremamente baixo que é pago, ou melhor, que deveria ser pago após a maior festa de rua do mundo – R$ 60 por dia.
A polêmica, que gira em torno dos cordeiros este ano, envolve a falta de pagamento pelos dias trabalhados nos blocos do cantor Bell Marques, o Vumbora e o Camaleão, dois dos mais caros de Salvador. Os trios saíram apenas no circuito Dodô (Barra-Ondina), o mais elitizado do Carnaval, com abadás sendo vendidos ao preço de R$ 800 a R$ 1.400. Enquanto isso, os cordeiros estariam prestes a receber R$ 60 por dia trabalhado – incluindo o transporte -, totalizando R$ 360 pelos seis dias do festejo.
No entanto, no último sábado (25), diversos trabalhadores que se deslocaram para a rua Afonso Celso, na Barra, para receber o dinheiro, voltaram para casa sem levar nada. A empresa responsável pelo pagamento, a Olho Vivo, alegou que muitos cordeiros estavam sem a pulseira que foi entregue antes do desfile, além de terem abandonado seus postos durante todo o circuito, impossibilitando a checagem da presença no bloco.
Ao CORREIO, uma das trabalhadoras, que preferiu não se identificar, comentou que é cordeira há mais 10 anos e sofre bastante para receber o dinheiro após o Carnaval. Segundo ela, é inadmissível ter de trabalhar tanto, sofrer agressões, xingamentos e, no final, ganhar apenas R$ 360.
“Eu já vi, vivi muita coisa. Já fui humilhada, assediada, já recebi latinha na cabeça, já passaram a mão na minha parte íntima, já torci o pé durante uma briga do lado de fora da corda, eu já sofri muita coisa e o pior sofrimento mesmo é esperar para receber esse dinheiro e ainda ser pouco, porque tudo está caro. Tenho três filhos e só um trabalha para ajudar em casa. “300 conto” só paga o básico de fevereiro”, desabafa.
Em 2019, um ano antes da pandemia, o valor da diária paga aos profissionais era de R$ 51, baixo para a quantidade de blocos que ainda circulavam pelas ruas do Carnaval. Três anos depois, mesmo após a pandemia, o dinheiro oferecido aos estimados 15 mil profissionais permanece defasado e precisa ser melhorado.
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) dos Cordeiro estabeleceu, no começo de fevereiro durante um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) alguns itens, como segurança, equipamentos de proteção individual, alimentação, seguro de acidentes pessoais e uma remuneração mínima por dia.
Sindicato nega desorganização
De acordo com o presidente da Associação dos Trabalhadores Cordeiros da Bahia (Sindcorda), Matias Santos, que trabalha desde 2001 em prol dos trabalhadores, a situação aconteceu apenas com um grupo de 30 cordeiros que estavam querendo “tumultuar” após não cumprirem com o combinado antes do bloco levantar a corda.
O sistema teria detectado que as pessoas que alegaram não ter recebido os valores não foram trabalhar um único dia no bloco, não marcaram presença ou não estiveram até o final para averiguação.
Para receber o dinheiro completo dos dias trabalhados, são conferidos cinco vezes se o cordeiro está no bloco, ou não, além de verificar se estão com a camisa. Começa realizando a fiscalização antes de levantarem as cordas e, até chegar em Ondina, são mais quatro verificações com os “bips” na pulseira do trabalhador. O mínimo é de três “bips” para receber o dinheiro no final do Carnaval.
Matias revelou, também, que há pessoas que migram de um bloco para outro e não ficam até o final do primeiro trio. “São pessoas oportunistas que não são cordeiros de verdade e mancham a classe, fazendo essa algazarra”, explica.
Sobre relatos de mulheres grávidas na função, o presidente informou que é terminantemente proibida a presença de gestantes no trabalho de cordeiro, visto que há um risco iminente para a mãe e para o feto. O MPT também vai apurar se profissionais grávidas chegaram a entrar no desfile do bloco de verdade.
A reportagem tentou entrar em contato com a diretoria do Conselho Municipal do Carnaval de Salvador (Comcar), mas até o fechamento desta edição não houve resposta. O espaço estará aberto para um possível retorno.