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Na contramão da maternidade tradicional

Há quem diga que filho de verdade é aquele que sai da barriga da mãe, que a maternidade solo não é suficiente ou que duas mulheres juntas não podem formar uma família. No entanto, para algumas mães, essas regras impostas pela sociedade não passam de bobagens.

“Esses dias, Sofia nos mostrou o trabalho da escola que ela fez. Era uma foto de nós três e um recado que dizia ‘feliz dia das mães, eu tenho duas. Sei que é diferente da maioria das pessoas, mas sou feliz assim e tenho orgulho’”, conta a psicóloga Catarina Noronha, 34, que é casada com a cantora Lêda Chaves, 35.

Em famílias como a de Catarina, a maternidade tradicional cedeu lugar para a liberdade de escolha. Aqui, o único critério é o amor. Conheça de perto as histórias de seis mulheres baianas que criam seus filhos indo contra as normas sociais.

Lise, Rudá, Júlia e Akim: um amor transatlântico
Aos 40 anos, a neuropsicóloga Lise Freitas estava no terceiro casamento e era “tentante” há oito anos. A decisão pela fertilização in vitro chegou e ela começou a se organizar financeiramente para isso. Porém, no meio do caminho, descobriu um osteoblastoma, um tipo de tumor nos ossos. Precisou fazer quimio, ficou infértil e entrou em menopausa precoce, aos 41 anos. Na época, a baiana morava na Suíça e decidiu voltar ao Brasil para adotar. Um ano depois, era mãe do pequeno Rudá. “Ele chegou com dez dias, prematuro, com 2kg. Precisou ficar dez dias na incubadora, e eu fui junto, ao lado da mãe biológica. Nunca senti falta de ter carregado meu filho na barriga, não vivi esse tipo de luto. Foi uma experiência linda”, conta. Quando Rudá tinha 11 meses, os preparativos do aniversário de um ano estavam a todo vapor. O casal se dividia para dar conta das lembrancinhas, mas, um dia, ao chegar no quarto, Lise se deparou com o marido já morto. “Ele sofreu um infarto fulminante dias antes do aniversário”, relembra.

Viúva, Lise ainda mantinha contato com a mãe biológica de Rudá, quando foi surpreendida por mais uma possibilidade de adoção: Julia Francisca estava chegando à família. “Julia e Rudá são irmãos biológicos. Mantive uma convivência com a mãe biológica deles até os anos 2000, quando ela faleceu em decorrência de um câncer”. Aparentemente, a família estava completa. Lise não esperava por um terceiro filho, mas ele veio. “Conheci um casal que morava em uma casa abandonada e comecei a ajudar. A moça sofria violência e tinha um bebê. Um dia, ela descobriu que estava novamente grávida e me ofereceu a criança. Foi assim que adotei Akim”. Atualmente, a família mora na Suíça e Lise não se casou de novo. Aos 55 anos, ela cuida dos três filhos e vive longe da família de origem. “Moro aqui para que eles tenham mais liberdade, segurança e independência. Temos muito diálogo e somos felizes, a parte mais difícil é ter tempo para mim mesma. Dia desses me vi comemorando porque fui ao dentista e, finalmente, pude ter alguém cuidando de mim”. É comum perguntarem como ela consegue dar conta de tudo e a resposta é sempre a mesma. “Digo que não dou conta. Vou levando”.

Gina e Maria Eduarda (acervo pessoal)

Gina e Maria Eduarda: no fim deu tudo certo
Era 2013 quando a comunicadora e produtora cultural Gina Reis, aos 32 anos, sofreu um aborto espontâneo. Na época, ela estava tentando engravidar. A notícia difícil foi sendo digerida, até que, em dezembro, outra surpresa caiu sobre seus ombros: Gina foi diagnosticada com câncer de mama. “Foi muito complicado e difícil, fiz um longo tratamento, que dura até hoje. São dez anos disso. Tive que fazer quimio, radio e uma série de cirurgias reconstrutoras”. A situação se tornou ainda mais dura quando a produtora descobriu que seu tipo de tumor “se alimentava” dos seus hormônios, o que significava que ela não poderia fazer captação de óvulos.

“A maioria das mulheres que passam por esse processo e querem ser mães consideram a fertilização. No meu caso, era impossível. Não poderia gestar. Nesse momento, eu e meu marido, Jorge, decidimos entrar na fila de adoção”. Após a escolha, o caminho era longo e cheio de burocracias. Para Gina a gestação foi comprida, e durou quatro anos até Maria Eduarda chegar. “Quando eles me ligaram, foi o momento em que minha bolsa estourou. Estava dando aula, larguei tudo e fui ao encontro dela. Na hora em que a vi, foi realmente uma conexão inexplicável, algo que não é deste mundo. Ela nos escolheu. Desde então, mudamos muito como pessoa. Vivenciar um processo de câncer em paralelo com a adoção me transformou muito”. Duda chegou com quatro anos, hoje, tem seis. Gina, que está com 41, celebra a melhora na saúde e o amor da família. Lamenta, apenas, o preconceito. “Costumam questionar se ela é minha filha mesmo, essas falas sempre surgem. Eu não pari pela barriga, mas pari. Ela é a luz da nossa vida, nossa estrelinha. Está sempre iluminando nossos caminhos”

Catarina, Sofia e Lêda (acervo pessoal)

Catarina, Sofia e Lêda: amor de mães
Aos 25, Catarina Noronha, 34, descobriu que estava grávida. A descoberta veio com um sentimento dual: foi mágico, mas, ao mesmo tempo, assustador. “Minha vida mudou no instante que eu soube. Parei de beber, parei de fumar, cuidei melhor da minha alimentação, encerrei ciclos, rompi padrões, me isolei. E ressocializei com novos grupos de gente. Curti cada instante da barriguinha ao barrigão, e foi enorme. Tive três hérnias depois do parto, de tão grande que cresceu. É psicodelia pura, potência total”, relembra. Quando ela já estava com 26, Sofia veio ao mundo. A jornada da dupla seguiu em constante descobrimento. “O maior desafio e medo é saber que outro ser humano dependerá de mim por boa parte da vida”.

Na época, ela ainda não sabia que, quando a pequena tivesse três anos, um terceiro coração apareceria para expandir a família. Foi aí que Catarina conheceu a cantora Lêda Chaves, que se tornaria sua esposa pouco tempo depois, dando origem a uma potente família só de mulheres. “Minha esposa chegou na nossa vida quando Sofia tinha 3 anos e em alguns meses de convivência, trocas e novas construções, nos casamos duas vezes, religioso e civil. Sofia foi a nossa daminha de honra nas duas vezes e, a partir de então, ela mesma nos intitulou “mami”, que sou eu, e “mama”, minha esposa. Dupla maternidade por reconhecimento da cria. Natural, bonito e forte”. Juntas, as três seguem escrevendo o futuro dessa história, que, apesar da predominância da beleza, tem lá seus percalços. “Não tem como se preparar para a homofobia, mas, mais forte que o preconceito, é o amor”.

Cácia e Lara (acervo pessoal)

Cácia e Lara: esquece o manual
Cácia Oliveira, administradora e tricologista, engravidou aos 32 anos. Casada, ela removeu o DIU e planejou a gestação com o marido. Em agosto de 2009, a menstruação atrasou e ela descobriu que estava grávida. “Foi só alegria, eu queria muito, foi planejado. A gravidez toda foi muito tranquila. Sempre desejei ser mãe e me imaginava sendo mãe de uma menina”. A profecia foi cumprida, e Cácia deu à luz Lara, que hoje tem treze anos. Tudo estava perfeito, até que, quando a menina tinha três anos e meio, o casamento acabou. Começava aí uma nova etapa.

“Ela ficou sob a minha guarda, mora comigo e vê o pai a cada quinze dias, aos fins de semana. Precisei adaptar minha rotina, que hoje é muito pesada. Cuido sozinha dela, da casa, e ainda trabalho fora. Faço tudo”. Cácia optou por uma separação amigável, e o pai tem total acesso à filha. Hoje, ela compreende que uma família pode ser constituída de várias formas. “Foram diversas tentativas, mas a relação terminou. Preferi que minha filha crescesse em um lar de amor, não de brigas.As pessoas precisam entender que somos livres, não há nada que a gente não possa fazer”

Patrícia e Pedro (acervo pessoal)

Patrícia e Pedro: uma ajuda do acaso
Em 2018, Patrícia Rocha, 38, bióloga, era gestora de uma escola. Na instituição, lidava diariamente com vários alunos. Um dia, precisou levar um deles para casa, pois o menino de seis anos, Pedro Nicolas, havia sido esquecido no colégio. Logo ela descobriu que ele tinha cinco irmãos e havia sido abandonado pela mãe, que fazia parte do tráfico de drogas da região. Morava com a bisavó, e já tinha presenciado roubos, brigas e até mortes. Era um menino carente de atenção.

“Ele sempre era o último a ir embora, mas, um dia, simplesmente ninguém foi buscar. Depois disso fiquei tocada, o chamei para passar um fim de semana na minha casa, e a bisavó consentiu. Brincamos e passeamos muito. Quando fui levá-lo de volta, ele perguntou se poderia ir lá na mesma semana. Eu deixei, ele foi, e de lá nunca mais saiu”, relembra. Após o vínculo emocional, Patrícia regularizou a situação judicialmente e iniciou o processo de adoção. Duas semanas depois, o menino, que hoje tem 11 anos, já a chamava de “mãe”. “Sempre tive o sonho de ser mãe e também sou filha adotiva. Nada acontece por acaso. Sou apaixonada pelo meu filho”.

Maíra e Maria Alice (acervo pessoal)

Maíra e Maria Alice: autorais
Maíra Castanheira, escritora, engravidou aos 28 anos. Na época, a soteropolitana morava no México, e foi lá que Maria Alice nasceu, em 2012. “Foi uma gravidez tranquila, porém, foi aí que comecei a me despertar mais para a maternidade real e entender e sentir o machismo estrutural”. Maíra manteve o relacionamento com o pai de Maria até 2015, quando voltou ao Brasil e se separou. Foi aí que ela se deparou com um dos grandes problemas sociais que envolvem a maternidade: como criar uma criança e trabalhar sem rede de apoio?

“Conciliar ser mãe com a vida profissional, morar sozinha com a filha, é muito difícil. Não existem políticas públicas, creches integrais públicas, que contemplem essa questão. É o mais desafiador”. A saída encontrada por Maíra foi exercitar a escrita criativa sem sair de casa. Assim, nasceu o “Diário de uma Mãeconheira”, um canal onde ela compartilha vivências. Maria Alice, que hoje tem dez anos, passou a infância sem comer papinhas. O parto foi em casa, humanizado, e a menina foi amamentada em livre demanda. “Falavam que amamentar tanto iria deixá-la mimada. Puro mito”.

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