InícioEntretenimentoCelebridadeNamorar é bom, mas você já viveu um grande final infeliz?

Namorar é bom, mas você já viveu um grande final infeliz?

Tenho a sensação de ter terminado mais relações amorosas do que comecei. Tá, é só uma sensação, já que tudo que termina começou, um dia. Mas é uma sensação forte. Talvez porque eu goste de protagonizar e dar atenção aos finais, essa responsabilidade tão feminina. É quase uma tarefa só nossa, nos casais heteroafetivos. Então, sempre achei que se é pra eu fazer, que seja gostando e muito bem-feito. Com algum charme, pelo menos. Não me lembro da última vez em que um homem “terminou” comigo. Talvez, nunca tenha acontecido. Não porque quisessem continuar, acho. Aposto mais na preguiça, no “deixa rolar pra ver no que dá”. Pena. Pra eles, claro, que perdem a chance de roteirizar, dirigir a protagonizar momentos interessantíssimos. 

Por exemplo, eu programei direitinho e nenhuma cena daquela relação foi mais forte do que a minha mão desenrolando o meu cachecol do pescoço de C., enquanto eu dizia “essa é a última vez em que você vai escutar a minha voz direcionada a você”. Estávamos ao lado do Pompidou, era inverno em Paris, tudo cinza. Chorei andando em direção ao metrô, talvez menos de tristeza e mais pra combinar com aquele último capítulo. Eu estava linda, toda de preto, cabeça raspada, a maquiagem dos olhos escorria com as lágrimas. É pena que não tenham filmado aquilo. 

(Barthes, Caetano e Piaf. Poesia, arte, cinema. Não há como negar a beleza, não há como esquecer um detalhe que seja daquele dia.)

Casamento longo já é mais difícil, envolve dia-a-dia, cansaço e chatice. Mas achei bonitinha a cena final do meu: eu no portão da casa dos meus pais, final de tarde, com meu filho no colo, enquanto E. contornava a pracinha, de carro, indo embora pela última e definitiva vez. Um alívio, um cheiro de vida nova, uma poesia bucólica. Abracei meu bebê, quase eufórica, e disse a ele “agora somos nós dois”. Dei um beijo naquela bochecha rosa de neném. Sobe o letreiro enquanto fecho o portão. Nada mau, ainda que, depois, tenham existido alguns momentos de dramalhão bem ridículo. Tudo bem. Acontece nas melhores ex-famílias.

Quando terminei com M., por pura necessidade, corri (naquele tempo era fácil) de noite, de Amaralina ao Rio Vermelho, debaixo de um toró, provavelmente feito só pra mim, de tanto que combinou com o momento. Cheguei pedindo uma dose de Havana, no finado Alambique. Pingando de chuva, sozinha, imersa na poesia do fim. Que me acompanhou por semanas. O desenamoramento pode ser tão intenso, bonito e profundo quanto o encantamento. Foi naquele dia que descobri e me apaixonei por desfechos. Apesar de.

Dói, sim. As vezes, muito. Sempre, pelo menos um pouquinho. Mas achar que a dor exclui a beleza é só um cacoete contemporâneo. Besteira. Fragilidade excessiva. Foi uma noite triste aquela que eu sabia ser a última de um amor que apenas se anunciou e logo se mostrou impossível. Mas olhe: também houve a delícia de um sexo que jamais aconteceria se houvesse um amanhã prometido. Eu teria preguiça, já que o tesão não era tanto assim. Talvez reclamasse que ele produzia muita saliva. Mas já era a saideira, pra quê botar defeito? Eu já havia decidido que seria “a última vez”, então queria fazer bonito. E fiz.

Coleciono “últimas vezes”. Lembro de todas e tenho até a minha preferida: dramática, no mar da Penha, na Ilha de Itaparica. Certa selvageria. Uma tarde linda. A última – sabendo que é a última – jamais será uma transa qualquer. Talvez, seja o ápice do erotismo. Dois futuros estranhos, o casal já quase não-íntimo. Gosto disso, do refluxo, da intimidade recuada e não sabemos o quanto, exatamente. “Eu já sou quase não mais sua mulher”, “olha que delícia a mulher que você está prestes a perder”. O erotismo da despedida tem contornos específicos. Um levíssimo sadismo. Gosto bastante. Mais do que “sexo de reconciliação”, essa caretice.

Lamento os fins sem alguma densidade desse tipo. Passaram do ponto as histórias que terminam assim. Duraram mais do que deviam, foi negligenciado o momento do corte perfeito. Como aquele em que bebi Coca-Cola, numa pizzaria. Burocracia. Desperdício de um capítulo que podia ser bonito. Assim como aqueles finais que se prolongam chatíssimos, até que você não aguenta mais a pessoa e bloqueia em tudo que é canto pra não ver a cara que dá enjôo. Vacilou, pegou ginge. Mesma coisa: perdeu o bonde, jogou frios na barriga no lixo. 

Namorar é bom, mas você já viveu um grande final infeliz? O funeral do idioma em comum, o desfazer-se dos objetos alheios, o novo corte de cabelo, o anúncio aos amigos. As repetidas audições da trilha sonora daquela história, o deletar mensagens antigas. Antes, relendo. Encontrar um cheiro que ficou, a desculpa “vou te devolver o livro”, pra um contato furtivo. Na boa, é uma delícia! 

Sentir os ciclos, recobrar pedacinhos da gente, imergir naquele silêncio, renomear paredes, bichos, bares. Pensar em comentar uma coisa com a pessoa para, em seguida, descobrir que não precisa. Descobrir que não precisa é lindo! É um apaixonamento pelo avesso, acho. Tão excitante quanto. É brincar de morte no simbólico, sem qualquer perigo. É luto, só que de mentirinha. 

Amores românticos – pela própria natureza fantasiosa e impossível – acabam mais vezes do que permanecem para sempre. Se encantam, evaporam dentro da gente. Viram outros sentimentos que até vão sendo chamados de amor, por costume ou constrangimento. Olhar pro outro e dizer “não é mais você” ou “eu não sinto mais do mesmo jeito” ou “enjoei de brincar disso” é coisa que pode ser complicadíssima. Só que tanto quanto o nascimento, esse é um momento bonito. 

Acaba que de tanto lembrar me deu foi vontade de terminar um romance. Essa chuva, esse friozinho, tudo combina tanto! Aí lembro que, pra terminar, precisaria começar, antes. Ou, quem sabe, há uma alternativa. Acho que vou mandar mensagens para vários ex dizendo “oi, vamos terminar novamente?”. Ou melhor não, né?  Seria muito romantismo. 

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