São Paulo – Após 72 dias de uma campanha acirrada, marcada por intensa troca de acusações, ofensas pessoais e episódios de agressão física, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) chega ao dia da votação do segundo turno, neste domingo (27/10), com amplo favoritismo para derrotar o deputado federal Guilherme Boulos (PSol) na disputa pela Prefeitura da capital e se tornar o terceiro chefe do Executivo paulistano a conseguir se reeleger na história da cidade.
As duas pesquisas de intenção de voto divulgadas nesse sábado (26/10) — Datafolha e Quaest — indicam que o emedebista deve repetir os triunfos dos ex-prefeitos Gilberto Kassab (PSD), em 2008, e Bruno Covas (PSDB), em 2020, a quem sucedeu depois da morte do tucano. No cenário mais apertado medido pelos institutos na véspera da eleição, Nunes aparece com uma vantagem de 10 pontos percentuais sobre Boulos — 55% a 45%, na Quaest.
Os números mostram que para vencer neste domingo — em 2020, Boulos perdeu para Covas no segundo turno —, o deputado do PSol terá de buscar um fato inédito na política paulistana. Desde 1992, quando a eleição municipal passou a ser decidida em dois turnos, nenhum candidato que saiu atrás nas pesquisas do segundo turno conseguiu virar o jogo a tempo da votação como tentou o psolista até as últimas horas desse sábado.
Em 2012, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), elegeu-se prefeito derrotando José Serra (PSDB) após ficar em segundo lugar no primeiro turno — 30,7% a 28,9%. Naquela disputa, contudo, o petista iniciou o segundo turno com uma vantagem de 10 pontos sobre o tucano nas pesquisas. Nesta eleição, Boulos largou a fase final da campanha com 22 pontos de desvantagem para Nunes, segundo o Datafolha do dia 10 de outubro.
Em um duelo mais civilizado do que foi o primeiro turno, que ficou marcado pela cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) e pelo soco dado pelo videomaker do influencer no marqueteiro de Nunes, ambos em debates na TV, Boulos tentou de tudo para diminuir a diferença para o prefeito. Explorou o apagão que deixou milhares de paulistanos sem luz no início do mês, fez caravana pela cidade dormindo na casa de apoiadores na última semana e até participou de uma live com Marçal na sexta-feira (25/10).
Em três semanas, o candidato do PSol conseguiu reduzir um pouco a vantagem de Nunes, mas esbarrou no alto índice de rejeição que o impediu de se tornar uma ameaça real à reeleição do prefeito na votação deste domingo, quando mais de 9,3 milhões de eleitores estão aptos a escolher quem querem à frente da maior cidade do país pelos próximos quatro anos, comandando um orçamento que ultrapassa os R$ 120 bilhões — as sessões eleitorais abrem às 8h e fecham às 17h.
A disputa final
Desde a pré-campanha, no primeiro semestre, Nunes se apresentou como um nome moderado, oferecendo um “caminho seguro” de continuidade, como explorou na propaganda, baseado em parcerias com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que apresenta boa avaliação e se revelou um forte cabo eleitoral. Apesar do apoio de Jair Bolsonaro (PL), que indicou seu vice, o Coronel Mello Araújo (PL), o prefeito preferiu manter o ex-presidente distante — ambos fizeram uma única agenda conjunta em 72 dias — para não ser afetado pela rejeição dele na capital.
Afastar-se de Bolsonaro era imprescindível para Nunes manter de pé a estratégia de colar em Boulos o rótulo de “radical” e “extremista”, explorando a atuação do adversário à frente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) como “invasor de propriedades”, associando o psolista a episódios de vandalismo e apontando sua falta de experiência em gestão pública. Como as pesquisas já mostravam uma vantagem de Nunes sobre Boulos no segundo turno, a campanha do prefeito encarava a disputa com Marçal pelos eleitores de direita no primeiro turno como o grande desafio do emedebista nesta eleição.
Já Boulos se apresentou como o candidato da mudança, que buscou experiências externas para resolver problemas crônicos da capital e, com o apoio do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prometeu soluções para áreas como a saúde e transporte. Foi o presidente, seu maior cabo eleitoral, quem articulou para que a ex-prefeita petista Marta Suplicy deixasse a gestão Nunes para ser vice de Boulos e agregar experiência à chapa do candidato do PSol.
Na campanha de Boulos, Nunes foi apresentado como um “prefeito limitado”, refém de interesses de diversos aliados e ligado a suspeitas de corrupção, como no caso da “máfia das creches”. Apesar do esforço, o candidato do PSol não conseguiu vincular Nunes ao bolsonarismo e também teve dificuldades para atrair eleitores que apoiam o presidente Lula, cujas ausências em atos de rua do psolista foram sentidas, como nesse sábado, quando Boulos fez caminhadas pela região central e na zona sul.
Boulos tentou manter o clima de esperança na virada até o último dia e pediu que seus eleitores não desistissem de buscar votos. Durante caminhada em Heliópolis, uma moradora que liderava o cortejo insistiu para que vizinhos e comerciantes votassem em Boulos. Ao passar por uma lanchonete com adesivos de Nunes, ela reclamou: “O dono ali votou no PT a vida toda. Como pode? A gente tem que mudar isso aqui”.
Na última semana, o candidato do PSol intensificou sua presença nas ruas com a caravana. Em pontos estratégicos de cada região, promoveu debates com a população, com um púlpito separado para perguntas dos eleitores e outro, simbolicamente vazio, com o nome de Nunes. Além disso, retomou a imagem de “Boulos raiz”, adotando um tom mais enérgico que o do primeiro turno e semelhante ao da eleição de 2020. Internamente, sua trajetória no segundo turno é vista como motivo para que ele encerre a campanha de cabeça erguida.
Já o prefeito Ricardo Nunes se empenhou no último dia de campanha para conter o clima de “já ganhou” e incentivar que seus eleitores comparecessem às urnas neste domingo em vez de viajar. Segunda-feira (28/10), Dia do Funcionário Público, é ponto facultativo na cidade, o que poderia fazer parte do eleitorado aproveitar o feriado prolongado longe da capital.
O prefeito teve quatro agendas públicas, incluindo uma carreata na zona leste e uma caminhada em Heliópolis, na zona sul. Em todos esses eventos, seu discurso focou em pedir a presença dos eleitores nas urnas. Já no fim da tarde, o emedebista foi a uma missa no Grajaú, mas não discursou porque a legislação eleitoral proíbe campanha em espaços religiosos. Mesmo assim, o padre da igreja pediu votos “no 15” — número de Nunes — por três vezes e o prefeito encerrou o dia dizendo estar “confiante na vitória”.